Thursday, November 30, 2006


O Dia (Inter)Nacional do Samba


Dia 2 de dezembro é dia do Samba.
Os terreiros estarão iluminados
e os tambores a postos
Passistas e pastorinhas
Mestres Salas e Portas-bandeira
Batuqueiros de plantão
Acudam!
O Samba virá todo redondo
saudar/festejar seu dia
No Rio de Janeiro
Na Bahia
Em Berlin
aonde estiver sambista
e amantes do Samba
dos velhos e das mais antigas
O Samba que antes de poder
dizer seu nome senão a polícia
metia o pau
chamava-se "Tango"
como disse um dia Donga
Enquanto pelo telefone
um delegado mandou avisar
que ia prender um batuque
ali na rua da Carioca
e lá no morro do Dendê
Aí Cartola encontra Noel Rosa
lá na Vila, antes de irem
encontrar com Paulo da Portela
em Oswaldo Cruz,
disse Cartola:
- Noel, Samba e Macumba
é tudo a mesma coisa...
A perola negra desceu o Morro
toda princesa na sua fantasia
para rodopiar na passarela
e outro dia escrevi esse poema para
Vilma Porta-bandeira:

Anotações para uma Porta-estandarte

Vilma
vento dança rosa beija-flor
com sua bandeira maravilha
que ela mesmo lava e passa
e não a cede a ninguém

Beija-flor rosa vento dança
Vilma
apresenta a sua bandeira
aos tambores e cuícas na avenida
e se inclina e rodopia
e saúda a geral
a passarela é toda sua
e de sua bandeira

O seu estandarte não cobre defunto!

.................................

Dia 2 de dezembro é dia do SAMBA.
Batuques nas gerais
Eu quero a geral!!!!
E chega de demanda, minha nega!

Ras Adauto Berlin
30.11.2006

Fotos retraçam diáspora africana na América do Sul

Fotos retraçam diáspora africana na América do Sul

O antropólogo Júlio César de Souza Tavares (foto arquivo/ outubro de 2005)
O antropólogo Júlio César de Souza Tavares estará na abertura da exposição em Abuja
O início da Cúpula de Países da África e América do Sul vai contar com uma mostra de fotografias, "Diásporas Africanas na América do Sul: uma Ponte sobre o Atlântico", que marca a abertura da nova Embaixada do Brasil na Nigéria.

A mostra foi idealizada pelo Departamento da África do Itamaraty e pela Fundação Alexandre Gusmão, também do Itamaraty.

O antropólogo Júlio César de Souza Tavares - pesquisador e professor da Universidade Federal Fluminense - e o fotógrafo Januário Garcia viajaram durante cerca de um mês para retratar a permanência e as características da herança africana em comunidades afro-descendentes em sete países da América do Sul: Brasil, Argentina, Uruguai, Peru, Colômbia, Venezuela e Suriname. Os dois pesquisadores são expoentes do Movimento Negro Brasileiro.

Desta viagem resultaram a mostra fotográfica que será aberta em Abuja e um livro-catálogo, em quatro idiomas, com lançamento previsto no Brasil em dezembro.

Na pesquisa, o antropólogo resgatou dados da presença africana em países como Argentina e Uruguai, onde desembarcaram milhares de africanos no porto do Rio da Prata. Também foi relatada a presença africana em países como Peru (música e culinária), Colômbia (com uma comunidade afro-descendente de 25% da população do país) e Venezuela (com os cumbes, semelhantes aos quilombos brasileiros).

Argentina e Uruguai

O professor afirma que o fato de as comunidades africanas e afro-descendentes não estarem associadas à Argentina e ao Uruguai faz parte das políticas de formação destes países.

“Na construção de Estados do Cone Sul foram mais privilegiadas as populações de origem européia do que as populações indígenas, nativas, ou aqueles que também emigraram – comos os europeus – mas numa condição compulsória, como foi o caso dos africanos”, afirmou.

“No caso da Argentina e do Uruguai são mais nítidos estes processos. Houve uma politica de invisibilização, de ocultamento destas populações, que vai desde a criação de uma linguagem em que a palavra negro ou africano não comparece de forma alguma – como é o caso da Argentina.”

Números

Tavares afirma que o Brasil – que hoje tem uma população de afro-descendentes de cerca de 48% segundo dados do IBGE – já chegou a 70% de africanos e afro-descendentes no século 19. Mas, com a imigração européia, o governo brasileiro da época investiu na idéia de mestiçagem.

“A idéia da mestiçagem (…) está sempre vinculada à idéia de se tornar menos negro, menos índio. Mestiço é aquele que, embora tenha sangue negro ou sangue índio, é o que mais se aproxima do branco”, afirmou.

O professor afirma que a estatística de cerca de 48% da população de africanos e afro-descendentes no Brasil tende a aumentar nos próximos censos.

“As pessoas estão começando a se assumir. Aqueles que se diziam mulatos, pardos ou até mesmo brancos, para esconder sua fachada afro-descendente, estão se assumindo (como negros) cada vez mais.”

Para o professor o aquecimento das relações diplomáticas e comerciais com países africanos é promissor.

“Tudo isso faz parte da ampliação de nossos horizontes como brasileiros (…). Acabar com esta visão paroquial, provinciana (…) de costas para a América Latina e para África, olhando para o norte, para a Europa e para os Estados Unidos.”

“A África estava abandonada do imaginário, da literatura, dos livros didáticos, da política externa, da cooperação econômica por muitos anos”, concluiu.

ONU admite abuso sexual por tropas de paz

ONU admite abuso sexual por tropas de paz
Morador de Porto Príncipe, no Haiti
Pobreza tornaria jovens no Haiti vulneráveis ao abuso
Uma das principais responsáveis pelas tropas de paz da ONU admitiu em entrevista à BBC que a organização enfrenta problemas de abuso sexual em várias de suas missões de paz no mundo.

"Temos problemas desse tipo desde o início das missões de paz, de exploração de populações vulneráveis", disse a secretária geral assistente para as Missões de Paz da organização, Jane Holl Lute. “Minha conclusão é que isso é ou um problema ou um problema em potencial de cada uma de nossas missões."

Ela fez as declarações após ouvir dados de uma investigação da BBC que coletou alegações de abuso sexual de menores em missões no Haiti, que é comandada por militares brasileiros, e na Libéria.

Entre as acusações está o caso de uma menina que diz ter sido estuprada por um soldado brasileiro.

Sistema falho

A garota tem 14 anos e disse ter sido estuprada dentro de uma base da ONU há dois anos pelo soldado brasileiro.

A ONU conduziu uma investigação posteriormente, mas arquivou o caso “por falta de provas”.

O acusado já retornou ao Brasil.

Em relatos à BBC, meninas falam de encontros sexuais em troca de comida ou dinheiro.

Também no Haiti, uma outra garota de 14 anos contou que um soldado ofereceu doces, gelatina e alguns dólares em troca de sexo com ela e uma amiga de 11 anos.

A reportagem da BBC presenciou soldados da ONU contratando jovens prostitutas – entre elas menores - nas ruas da capital do Haiti, Porto Príncipe.

Soldados servindo em tais missões têm imunidade frente as leis locais.
Cabe a seus próprios países fazer uma investigação e punir os militares, caso algo seja confirmado.

Lute disse ainda que a falta de capacidade da ONU de impor punições é uma falha do sistema e admitiu que a organização não tem um aparelho de justiça que todos reconheçam como justo.

Fonte: BBC Brasil

http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2006/
11/061130_onuabusotropasrc.shtml

HISTORIADOR DESMISTIFICA IDEIAS FALSAS

“Scenas da Escravidão” será lançado a 9 de Dezembro


Carvalho Cavalheiro comprova, através de farta documentação, a violência inerente à escravatura também em Sorocaba. A obra revela ainda a participação do teatro sorocabano na campanha abolicionista, a relação entre o tropeirismo e a escravidão, a presença de escravos na produção fabril, a luta de classes entre os senhores e seus escravos e as cenas de crueldade na escravidão. Traz também uma reflexão acerca da cultura afro-brasileira em Sorocaba e a perseguição institucional a essas práticas através da repressão policial, edição de posturas municipais, manifestação de leitores nos jornais antigos, etc

Sorocaba (Parceria Acontece em Sorocaba-Liberal), 19 Novembro - O livro “Scenas da Escravidão – Breve ensaio sobre a escravidão negra em Sorocaba” será lançado no próximo dia 9 de Dezembro, às 20 horas, no Espaço Cultural Saber Viver, do Centro de Estudos Filosóficos Iluminattis desta cidade brasileira. A obra, escrita por Carlos Carvalho Cavalheiro, é um estudo inédito sobre a escravidão negra em Sorocaba que revela aspectos interessantes do tema e acaba por desconstruir o mito de que, na cidade, a escravidão foi mitigada.

Carvalho Cavalheiro comprova, através de farta documentação, a violência inerente à escravatura também em Sorocaba. A obra revela ainda a participação do teatro sorocabano na campanha abolicionista, a relação entre o tropeirismo e a escravidão, a presença de escravos na produção fabril, a luta de classes entre os senhores e seus escravos e as cenas de crueldade na escravidão. Traz também uma reflexão acerca da cultura afro-brasileira em Sorocaba e a perseguição institucional a essas práticas através da repressão policial, edição de posturas municipais, manifestação de leitores nos jornais antigos, etc.

Trata-se de um ensaio sobre a escravidão negra em Sorocaba, desde o séc. XVII até a abolição (séc. XIX), mostrando a discriminação e o preconceito racial em Sorocaba, buscando suas raízes históricas. Discute a falsa ideia de que a escravidão em Sorocaba foi amena, bem como as formas de controlo ideológico sobre a mão-de-obra escrava. Além de discorrer sobre a escravidão em Sorocaba, o texto aborda também aspectos particulares da escravidão na região, em cidades como Itu, Porto Feliz, Araçoiaba da Serra (Campo Largo), Salto de Pirapora e até Campinas.

O autor pleiteou recursos da LINC deste ano para a publicação da obra, mas teve negado o projecto sob a alegação de que se trata de livro destinado ao público académico. A partir da negativa da LINC, Cavalheiro buscou a publicação em formato mais económico e tiragem reduzida. Para tanto, despendeu de recursos próprios e de apoiadores culturais como o Sindicato dos Comerciários de São Paulo, o Sindicato dos Empregados do Comércio de Sorocaba, o PSOL (Directório Municipal), a Crearte Editora, a Implastec, a AFCC Consultoria e Pesquisa, a Academia de Capoeira Nacional, o Movimento Anarquista, o Provocare, a ONG Memória Viva, o Movimento Anarco-cristão, o Centro de Estudos Filosóficos Iluminattis, a Livraria Sebo Nacional e o Escritório de Advocacia Dr. Valdecy Alves.

'Esta é a única obra que trata especificamente da escravidão sorocabana em todo o período e não só na época da campanha abolicionista. O único inconveniente em relação á publicação de uma tiragem reduzida é que não se tem condições de distribuir uma cota para os arquivos, museus, universidades e bibliotecas. É uma pena!' – afirma Carlos Cavalheiro.

A tiragem dessa edição é de 300 exemplares, sendo que parte disso é destinada aos apoiadores. O restante será comercializado no dia do lançamento.

“Scenas da Escravidão” possui 185 páginas e ilustrações interessantes relacionadas à cultura e história da escravidão em Sorocaba. A revisão histórica foi realizada pelo historiador Prof. Ms. Rogério Lopes Pinheiro de Carvalho e a revisão gramatical pelo prof. Ivaldo José de Carvalho. O prefácio é de autoria de Armando Oliveira Lima, presidente do Instituto Darcy Ribeiro.

O autor, Carlos Carvalho Cavalheiro, é professor de História da rede pública municipal de Porto Feliz e pesquisador da História e Cultura de Sorocaba e do Médio Tietê. Escreveu e publicou os livros Folclore em Sorocaba (1999), A greve de 1917 e as eleições municipais de 1947 em Sorocaba (1998), Salvadora! (2001) e Descobrindo o Folclore (2002). Produziu ainda o CD 'Cantadores – O folclore de Sorocaba e região' com a participação de grupos folclóricos como a Folia de Reis de Sorocaba, a Folia do Divino de Araçoiaba da Serra, a Dança de São Gonçalo de Porto Feliz, o Terço Cantado de Itu e o Cururu de Sorocaba entre outros. Participou ainda da produção do CD e documentário 'Cantos da Terra'. Idealizou a Enciclopédia Sorocabana (www.sorocaba.com.br/enciclopedia) e a Reabertura do Inquérito sobre o Saci-Pererê (www.crearte.com.br/saci.htm). Neste ano proferiu palestra em agosto no SESC de Sorocaba sobre o Folclore de Sorocaba e do Médio Tietê.

Fonte:Liberal Cabo Verde
http://www.liberal-caboverde.com/noticia.asp?idEdicao=64&id=
10701&idSeccao=518&Action=noticia

De volta ao Xingu


Fonte: Wilian Cesar Aguiar
http://www.pbase.com/wcmaguiar/indios_kuikuro



Olá a todos, a notícia a seguir fala sobre a gravação do
Documetário Xingu, pelo jornalista Washington Novaes. Está
publicada no endereço
http://www.amazonia.org.br/noticias/noticia.cfm?id=227275

Atenciosamente,
Paulo Bagdonas

Retrato com marcas do tempo - 26/11/2006

Local: São Paulo - SP
Fonte: O Estado de S.Paulo
Link: http://www.estado.com.br/

De volta ao Xingu, Washington Novaes filma cenas e
personagens que havia encontrado em 1984

Produtor de imagens que deslumbraram o País em 1985, num
documentário pioneiro sobre o Xingu, o jornalista Washington
Novaes fez o caminho de volta, duas décadas depois.
Encontrou transformações profundas, mas nenhuma tão
reveladora quanto uma cerimônia de Quarup, o ritual fúnebre
das nações indígenas, com a participação de um grupo de
lutadores europeus levados para a selva por uma emissora de
TV inglesa.

Um deles era lutador de judô, outro de luta livre, um era
campeão de halterofilismo e o quarto, boxeador. 'Perguntei
se eles não consideravam aquilo um desrespeito', conta.

'Mas o diretor do programa me respondeu que ninguém tinha o
direito de privar a população de outros países de um
espetáculo como aquele.' Num efeito colateral, uma das
tribos convidadas a participar deste Quarup globalizado
exigiu um cachê reforçado para participar da cerimônia. Na
parte final, quando começou a huka-huka, a tradicional luta
entre guerreiros, os indígenas enfrentaram os atletas
europeus - e venceram os visitantes em todos os confrontos.

Na viagem de 1984, quando passou dois meses gravando imagens
que seriam exibidas pela TV Manchete no ano seguinte,
Washington Novaes desbravou costumes e ajudou a criar
celebridades internacionais, como o cacique Raoni. No
retorno, em 2006, que durou três semanas, para produzir uma
série de 16 programas que começam a ser exibidos pela TV
Cultura em março de 2007, testemunhou o espetáculo de um
mundo em ebulição histórica, quando antigas verdades e
valores parecem suspensos no ar. O próprio Raoni, celebrado
como estrela pelo roqueiro Sting, perdeu autoridade e é
questionado pelos jovens da aldeia, que sonham com
televisão, tênis, óculos escuros e bermudas. O desinteresse
das novas gerações pela cultura tradicional impede o
surgimento de novos pajés, que cumprem uma função essencial
na prestação de serviços contra as chamadas 'doenças do
espírito.' Numa única aldeia que, há duas décadas, possuía
13 pajés para servir a 300 habitantes, só existem três.

Num depoimento de 1984, Raoni dizia que pretendia 'viver
como meus pais.' Em 2006, ele reuniu lideranças para
reconstituir o momento em que sua aldeia fez o primeiro
contato com os irmãos Villas-Boas, em 1953. Num momento
'muito comovente,' nas palavras de Washington, eles
'deram-se as mãos e cantaram a mesma música que cantaram
para os Villas-Boas.' Nem todas as lembranças desse
primeiro encontro são felizes, porém. 'Raoni se diz
arrependido daquele contato,' conta Washington Novaes.
Lideranças indígenas revelaram que, naquele dia histórico,
tinham duas opções. O plano original era violento:
assassinar os sertanistas e esconder-se de novo na selva -
como ocorrera tantas vezes. Mas no meio do caminho eles
mudaram de idéia: 'Dois velhos nos disseram que poderíamos
ser bem tratados.'

Em 2006, as aldeias estão cercadas pelas idéias de
desenvolvimento daquela civilização que apertou a mão de
Raoni. Governadores de Estado já distribuíram sementes de
soja e até caminhonetes nas aldeias. Brasília planeja
construir seis usinas hidrelétricas por ali, o que iria
provocar um terremoto geral. Há duas décadas, o Xingu era
um mundo fechado, onde só entravam pessoas autorizadas.
Hoje está aberto por estradas que levam a pequenas cidades,
onde indígenas fazem compras, recebem influências, testam
valores.

Outra mudança é que a vacinação universal livrou a população
de endemias e fez a demografia crescer acima da média
brasileira. Para evitar a poluição dos rios, foram abertos
poços artesianos e todas as aldeias, hoje, se abastecem de
água em torneiras. Mas a transformação fundamental foi a
chegada do dinheiro. Examinando 93 horas de gravação,
Washington Novaes seleciona uma imagem-síntese das mudanças
- as cenas de indígenas de motocicleta. 'Agora eles tem um
sonho de consumo' explica.

Numa sociedade que funciona sob as regras da economia de
troca, onde cada família planta, pesca e caça o próprio
alimento, erguendo moradias em mutirões, o esforço para
conseguir R$ 5.500 - o preço de uma Honda CG 150, modelo
popular - implica em produzir bens que tragam dinheiro. Por
essa razão, a principal atividade econômica de boa parte das
aldeias já não é a agricultura, mas artesanato, para ser
revendido nas cidades. A título de exemplo: uma moto
representa três anos de trabalho na produção de colares.
Quando esteve no Xingu em companhia de Gisele Bündchen,
Leonardo di Caprio comprou um tapete sofisticadíssimo.
Agradecido, o indígena batizou um filho como Di Caprio. O
pagamento foi de U$ 500, um quinto de uma CG 150.

No final dos anos 70 Washington Novaes era editor-chefe do
programa Globo Repórter. As pressões da censura sobre
assuntos como economia e política eram tão grandes que, como
diversos profissionais, foi procurar oxigênio em áreas menos
vigiadas, entre elas meio ambiente e a questão indígena.
Décadas depois, já especialista de prestígio, convidado para
palestras dentro e fora do País, ele mantém velhas amizades
das aldeias. Costuma hospedar indígenas em sua casa, em
Goiânia, mesmo quando eles aparecem em grupo de uma dezena e
meia de pessoas - sem avisar. 'Eles esperam de nós a mesma
gentileza que nos dispensam,' diz.

Na semana passada, Washington Novaes abrigava em casa um
indígena chamado Tabata, protagonista de um episódio
dramático. Há pouco mais de um ano, Tabata teve dois filhos
gêmeos, um sinal de perigo nas culturas indígenas, que
encaram o fenômeno como ameaça de má sorte e recomendam que
as duas crianças sejam enterradas vivas para morrer. Tabata
não se conformou e, para salvar os filhos, deixou a aldeia.
Após muitas negociações com líderes da tribo, conseguiu ser
aceita de volta.

Washington reconhece que não pode ser considerado uma
testemunha neutra dessas mudanças - também é parte delas e
nem sempre esteve no lado preservacionista. Ele foi
pioneiro, em 1984, no pagamento de direitos de imagens aos
indígenas brasileiros, e repetiu os pagamentos agora.
Também conseguiu que um de seus patrocinadores mandasse um
trator para uma aldeia que pretendia incrementar as
plantações. Ele acha correto pagar pelo uso de imagens:
'Estamos fazendo uso de um produto da cultura deles,'
explica, com a autoridade de quem nunca usou dinheiro para
adulterar manifestações nem valores indígenas.

Depositado em contas bancárias em nome de associações
mantidas por cada aldeia, esse pagamento ajuda a criar
diferenças entre habitantes de uma mesma aldeia, e entre as
aldeias entre si, numa alteração difícil de ser avaliada
fora dali. 'Agora existe gente com moto e sem moto, com TV
e sem TV', diz o documentarista. A reconhecida coesão das
sociedades indígenas é fruto da igualdade que reina nas
aldeias, que torna possível a existência de um mundo que o
antropólogo Pierre Clastres descreveu como democracia do
consenso, onde cada um tem sua liberdade e ninguém é
obrigado a submeter-se a uma ordem alheia. O raciocínio é
que, sem desigualdade, não há necessidade de sistemas
políticos convencionais. Em princípio, todos estão
satisfeitos e os poucos descontentes podem mudar-se para
outra aldeia - pois jamais serão forçados a retornar. Não
existe o princípio de autoridade, como as sociedades
ocidentais o reconhecem. Quando se comenta que essa
situação é possível em sociedades que 'ainda não têm
Estado,' Washington Novaes corrige: 'Quem sabe sejam
sociedades que não querem um Estado.'

Descrevendo cenas que parecem a própria utopia de Bom
Selvagem, Washington Novaes recorda um grande chefe
indígena, Malawakuyalá, morto em 1986, a quem define como 'o
ser humano mais extraordinário que já conheci.' Ele diz que
Malawakuyalá 'não fazia um gesto quando bastava um olhar,
não dizia uma palavra quando bastava um gesto' e conseguia
liderar sua aldeia, onde viviam 200 pessoas, pela sabedoria,
pelo conhecimento, pela experiência. 'Estamos falando de
sociedades que preservam os valores mais simples e
fundamentais', afirma.

De volta ao Xingu, em companhia do mesmo câmara Lula Araújo
- com 75 anos, o técnico de som Antonio Gomes não pôde
seguir viagem -, Washington gerou em 1984 as imagens únicas
de um mundo que não existe mais. Para tanto, embrenhou-se
no meio do mato quando o País se mobilizava pelas Diretas-Já
e retornou com um tesouro histórico. Em 2006, captou sinais
de uma transformação dramática, que ninguém sabe como vai
terminar.

Paulo Moreira Leite

Tuesday, November 28, 2006

Juventude e Tráfico no Brasil



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Monday, November 27, 2006

Raça e saúde

Raça e saúde

Sueli Carneiro
Doutora em Filosofia da Educação pela USP e diretora do Geledés (Instituto da Mulher Negra)

O novo alvo de ataques dos que se pretendem defensores de uma sociedade a-racial é a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, recentemente aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde. Essa política decorre do reconhecimento pelo governo das iniqüidades raciais presentes na proteção à saúde, que expõem desproporcionalmente pessoas negras à mortalidade e à morbidade por causas preveníveis e evitáveis.

Para os que se recusam a aceitar a idéia de que nossa sociedade é racista, ou os que consideram que, embora o racismo exista entre nós, políticas públicas de recorte racial seriam indesejáveis por fomentar a racialização da sociedade e afrontar o princípio da universalidade das políticas públicas. Assim se mostram, igualmente, insensíveis às diferenças que se manifestam em todas as dimensões da vida das pessoas negras pois, em geral, mesmo entre os que reconhecem a existência dessas desigualdades, preferem o imobilismo, a inação às propostas que visam à correção do problema.

No entanto, ao contrário do que pretendem os detratores das iniciativas de recorte racial, para promover a igualdade de oportunidades dos negros brasileiros, a noção de raça está consolidada no plano teórico e na jurisprudência, destituída de conteúdo biológico. Refere-se a uma construção cultural e social, na medida em que, a despeito da irrelevância das diferenças biológicas entre os diferentes grupos humanos, o racismo persiste como ideologia que privilegia e inferioriza ou subordina alguns grupos humanos, no Brasil e em toda parte.

Em termos de jurisprudência, é exemplar a condenação do editor Siegfried Ellwanger pelo STF. Longe das ilações biologicistas e atento às manifestações concretas do fenômeno do racismo em nossa sociedade, corretamente o STF condenou o editor por crime de racismo, por divulgar literatura de cunho revisionista do holocausto e anti-semita. Entre os argumentos da defesa do réu estava o de ser improcedente a acusação de racismo uma vez que judeu não seria uma raça, mas, sim, um povo. Contrapondo-se a esse argumento, o jurista Celso Lafer ponderou, no artigo Racismo — o STF e o caso Ellwanger, que, “os judeus não são uma raça, mas também não são uma raça os brancos, os negros, os mulatos, os índios, os ciganos, os árabes e quaisquer outros integrantes da espécie humana. Todos, no entanto, podem ser vítimas da prática do racismo”.

Entre os ministros do STF que adotaram essa tese, está a ministra Ellen Gracie, que avançou na mesma direção ao declarar: “É impossível, assim me parece, admitir-se a argumentação segundo a qual se não há raças, não é possível o delito de racismo”. Portanto, para efeito dessa condenação, entendeu-se que o termo raça poderia determinar qualquer agrupamento humano sob o qual pesem processos de inferiorização, exclusão, discriminação ou qualquer forma de prejuízos e preconceitos, quando comparados a outros grupos sociais e raciais.

A associação entre raça e saúde no Brasil decorre de uma realidade muito concreta, corroborada por estudos e pesquisas que atestam desigualdades sofridas pelos negros na proteção à saúde. Por exemplo, se a identificação da anemia falciforme pode ser feita no teste do pezinho, que permitiria o tratamento precoce da doença em benefício da qualidade e esperança de vida dessas crianças, por que não aplicá-la rigorosamente em todos os bebês, sobretudo os negros, que apresentam as chances maiores de serem portadores dessa doença, que atinge em torno de 10% da população? Se os negros em geral apresentam maior prevalência de hipertensão arterial, e sendo esse, sabidamente, um fator de risco de morte materna, que vitima em maior grau as mulheres negras, por que não haver atenção especial com a gestante negra? Se as gestantes devem receber igual tratamento, por que se observou na pesquisa realizada pela FioCruz (no período de 1999 a março de 2001,no RJ) diferenças no atendimento de brancas e negras, no uso de analgesia de parto, ausculta de batimentos cardíacos do feto, medida do tamanho do útero durante o pré-natal, respostas às dúvidas durante o pré-natal, permissão de acompanhante antes e depois do parto, se a pesquisa controlou escolaridade e classe social das gestantes? Outros estudos demonstram o atendimento diferenciado entre pacientes negras e brancas no tratamento de miomatoses, que resultam nos índices expressivamente superiores de histerectomia entre mulheres negras. Atentar para esses fatores não implica promover determinismo biológico. Significa, sim, a rejeição ao histórico descaso em relação a essa população.

Diante dessa realidade, que os poucos exemplos arrolados não recobrem na totalidade, louve-se a sensibilidade do Conselho Nacional de Saúde pela sinalização positiva que dá à sociedade brasileira de que, ao menos para o Estado brasileiro, não é mais possível tergiversar diante das graves desvantagens experimentadas por negros, no tocante à saúde, que os expõem ao risco permanente de perder o maior de todos os bens da pessoa humana, que é vida.

Tendler filma o olhar de Milton Santos

Documentário sobre as idéias do geógrafo encerra a mostra competitiva

O cineasta Silvio Tendler não tem pressa: chega a consumir até duas décadas com um filme. Com a mesma paciência, desenvolve projetos simultâneos. Agora retoma a produção de “Santiago de las Americas”, que iniciou em Havana, em 1988, e finaliza “Utopia e barbárie”, documentário sobre 1968. Ele ainda trabalha no lançamento de toda a sua obra em DVD. Mas hoje Tendler estará na primeira exibição aberta de “Encontro com Milton Santos ou o mundo global visto do lado de cá”, que encerra a mostra competitiva do Festival de Brasília.

O documentário aborda a globalização, a cultura da periferia, os movimentos sociais, e enfoca a tecnologia como elemento libertador, pelo olhar de Milton Santos.

Geógrafo morto em 2001, deixando mais de 40 livros, Santos era professor da Universidade Federal da Bahia até 1964, quando se afastou do Brasil, por causa do golpe militar. Ensinou em universidades da Europa, da África, da América do Sul e do Norte. Em 1994, ganhou pelo conjunto do seu trabalho o Prêmio Vautrin Lud, que equivale a um Nobel da geografia.

— Ele foi clarividente em tudo que falou no filme. Afirmou que a gente não estava escutando o mundo muçulmano, previu que eles iriam se manifestar.

Falava da China, que ninguém prestava atenção na época. Mas afirmava que o país vinha construindo um socialismo à sua maneira, que ia virar uma potência. Previa a explosão dos sem-teto, dos sem-terra, sobre os quais naquela época não se comentava tanto.

Para Tendler, o pesquisador foi uma ponte para outra visão do mundo, inclusive da cultura de subúrbio do Rio. O documentário retrata um grupo de cinema de Japeri que usa cabos de vassoura como tripé de suas câmeras. Aborda o hip hop, a imprensa da periferia, as rádios comunitárias e o fotógrafo de uma cidade-satélite de Brasília que trabalha quase sem recursos. Mostra, ainda, uma invasão de moradores de favelas a um shopping center.

— Eu entrevistei Milton pela última vez em 2001, em São Paulo, com um assistente com uma pequena câmera. Quando perguntei o que lhe dava a certeza de que a cultura da periferia representa a renovação, ele apontou para a câmera e disse: “É isso que me dá certeza.

Com poucos recursos, você pode fazer grandes coisas”.

O Globo Online, Caderno B 27.11.2006
www.oglobo.com.br
http://www.experimenteoglobo.com.br/flip/?idEdicao=
b820747569cdb45d71c9a7f46d12de1e&idCaderno=73f623ca7d54cc1
ec852a0e4d0e929e3&page2go=1&origem=4

Sunday, November 26, 2006

Índios Mapuches brigam com Microsoft por causa de idioma

Os índios chilenos Mapuche tentam levar a gigante do software Microsoft à Justiça em uma batalha que levanta a questão sobre a "posse" da língua falada pela tribo.

A briga começou depois que a Microsoft decidiu, no mês passado, lançar um pacote do Windows em mapuzugún - língua Mapuche falada por 400 mil indígenas chilenos.

No lançamento do pacote, na cidade de Los Sauces, a Microsoft informou que pretende ajudar os Mapuches a entrar na era digital. "Vamos abrir uma janela para o resto do mundo poder acessar as riquezas culturais deste povo indígena", declarou a empresa.

Líderes tribais Mapuche têm acusado a companhia norte-americana de violar a riqueza cultural e herança coletiva de seu povo ao traduzir o software para o idioma mapudungun sem autorização.

Eles chegaram a enviar uma carta ao co-fundador da Microsoft, Bill Gates, acusando a empresa de "pirataria intelectual".

"Sentimos que a Microsoft e o Ministério da Educação chileno passaram por cima de nós ao criar uma comissão sem nosso consentimento e sem nossa participação", disse Aucan Huilcaman, um dos líderes Mapuche por trás da ação judicial.

A Microsoft não comenta o caso, afirmando que não pode fazê-lo enquanto o processo não for legalmente resolvido. (Folha Online)

Fonte: Ambiente Brasil, Brasília, DF – 13 11 2006
Site: www.ambientebrasil.com.br

Baianas festejam o seu dia com missa e cortejo


Baiana Rita

Multidão de mulheres vestidas de branco lotou a Igreja do Rosário dos Pretos e encantou os turistas



Mariana Rios

Uma multidão delas tomou os bancos da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Do alto, os torços brancos tingiram toda a nave do templo para a missa festiva, ontem pela manhã, em comemoração ao Dia da Baiana – personagem da história do estado e patrimônio cultural imaterial do Brasil. Elas sentaram-se juntas naquela emblemática igreja para ouvir de um padre católico a importância de sua força e altivez para o sustento de lares, de uma história, da tradição.

A comemoração após o reconhecimento ano passado, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), tornou a festa ainda mais emocionante e concorrida. Dezenas de turistas com máquinas fotográficas em punho não perdiam um só detalhe da saia rodada, da bata de renda, dos colares de conta e balangandãs. As artistas do dendê eram as rainhas da festa. A baiana Maria Emília Bittencourt, 55 anos, e desde os 10 na profissão, não armou o tabuleiro ontem no Largo de Amaralina para aproveitar o dia dedicado a ela.

“Amo o que faço e sou uma artista na arte de fazer o acarajé”, afirmou sem esconder a nostalgia de quando começou. “Tinha uma hierarquia, respeito. Hoje qualquer um põe uma roupa dessa. Antes, tinha que vir do axé”, reclamou Bittencourt, após reforçar o batom antes da missa. Na homilia, o padre Josival Barbosa falou da importância da baiana como matriarca na história do povo negro na Bahia e como matriz da religiosidade negra.

“Precisamos valorizar essas mulheres de personalidade e cultura fortes que desempenharam um papel importantíssimo na vivência cultural e econômica do povo baiano”, declarou o padre, que é pároco da Igreja do Sagrado Coração de Jesus em Valença e que há seis anos participa das comemorações ao Dia da Baiana. Antes de iniciar a homilia, um cortejo delas desfilou pela igreja e encheu de axé todos os espaços do templo. De todas as idades dançaram e com um suingue próprio emocionaram-se os presentes.

Origem - A atividade de baiana, predominantemente feminina, teve início no Brasil colonial pelas escravas de ganho ou negras libertas e proporcionou a sobrevivência de famílias de ex-escravos após a abolição da escravatura. Símbolo da resistência, o alimento que produziam tem origem sagrada e associada do culto de divindades do candomblé. Na igreja, não faltou os componentes de um tabuleiro típico, como acarajé, cocada, bolinho de estudante e abará.

Promovida pela Associação das Baianas de Acarajé e Mingau (Abam), a programação festiva incluiu ainda a exibição do filme Axé do acarajé, do cineasta baiano Póla Ribeiro, no Senac (Pelourinho), e um almoço no Memorial das Baianas (Praça da Sé). Com 2.350 baianas cadastradas, a associação tenta manter a história da profissão.

“Incentivamos o debate e estamos aqui para propor políticas afirmativas para preservar nossa história. Não vamos ficar ricas, mas mantemos nossa dignidade”, afirmou a presidente da Abam, Lêda Marques. A resistência é comemorada, mas ainda há muito para avançar. De acordo com Marques, pelo menos 65% das baianas filiadas têm dificuldade de leitura. As primeiras mulheres empreendedoras, que ocuparam o mercado de trabalho, numa Salvador colonial ainda carregam o peso da primazia.

As vitórias são comemoradas sabendo que há muito a se fazer. “O reconhecimento como patrimônio nacional e o registro do ofício da baiana de acarajé são, sem dúvida, conquistas. Mas ainda nossa função não é reconhecida como profissão”, argumenta Marques, que ao solicitar o passaporte teve que ser encaixada na profissão cozinheira.

Aqui Salvador, Correio da Bahia, 26.11.2006
www.correiodabahia.com.br

Friday, November 24, 2006

O mito da igualdade


O mito da igualdade

titulosMateria AZUETE FOGAÇA

O jornal “O Estado de S. Paulo” noticiou recentemente comportamentos racistas na Universidade de Brasília, primeira universidade federal brasileira a adotar o sistema de cotas. A questão do racismo no Brasil tomou vulto nos dois últimos anos, exatamente por conta da ação dos movimentos negros que, na defesa da implantação de ações afirmativas que minimizem os efeitos perversos da discriminação racial, enfrentam a difícil tarefa de desmontar o mito da democracia racial que aplaca a consciência das nossas elites, revelando a verdadeira face da relação entre brancos e negros neste “Brasil moreno”.

O episódio da UnB é emblemático, porque trata do preconceito que sustenta relações aparentemente cordiais.

A referência aos alunos negros como “a crioulada” teria sido feita apenas a título de “fazer graça”, como justificou o professor acusado de racismo, já que é reconhecido como “brincalhão” e “destemperado”.

Essa é uma justificativa típica do racismo à brasileira, no qual os não-negros se dão o direito de usar expressões pejorativas, herdadas do período escravista, a pretexto de que, ao longo do tempo, elas passaram a ser de uso corriqueiro e, supostamente, teriam perdido seu caráter discriminatório.

Essa é mais uma das grandes mentiras da nossa “democracia racial”.

Em primeiro lugar, porque, na verdade, essas expressões se consolidaram no vocabulário dos brancos exatamente porque eram ditas num contexto de dominação e de violência, que não permitia que negros se insurgissem contra a forma como eram tratados e contra agressões verbais e os rótulos que lhes eram conferidos arbitrariamente.

Mesmo quando se considera o tratamento mais brando que eventualmente se dispensava aos escravos que trabalhavam dentro da casagrande, em nenhum momento isso significou a aceitação da igualdade entre brancos e negros. Eram relações que, embora ocorressem no espaço doméstico, mantinham a distância que separava os escravos de seus proprietários.

Em segundo lugar, porque as expressões consideradas “afetuosas” ou “brincalhonas” são as mesmas largamente usadas quando negros e brancos se confrontam como tais: e, aí, palavras como crioulo, neguinho, pretinho, mulatinha, moleque etc. rapidamente tomam o sentido original — o da condição de inferioridade que a nossa sociedade ainda confere aos negros.

Como afirmou Joaquim Nabuco, o “bom senhor” era aquele que só administrava seus escravos “com brandura relativa..., quando esses escravos obedeciam cegamente e se sujeitavam a tudo”. Atualmente, o “bom senhor” foi substituído por aqueles que dizem que não são racistas, porque “até têm um amigo negro”; ou por aqueles que se referem aos negros que mantêm certa aceitação dos padrões de relacionamento que lhes são impostos, como “negros de alma branca”. E negros de alma branca não reclamam dos termos que os brancos usam em suas “brincadeiras”.

A atitude dos alunos negros na UnB certamente é considerada por muitos como um exagero; afinal, o professor sempre foi tão brincalhão! Não são poucos os que, defendendo a “democracia racial”, imputam aos negros a condição de racista quando se trata de reagir e denunciar os episódios de discriminação. Acontece que estamos no século XXI e mais de cem anos se passaram após a abolição da escravidão; se fôssemos de fato uma democracia racial, tais expressões há muito já não estariam em uso. Nos Estados Unidos, hoje, a não ser que queira criar grandes problemas ao afirmar publicamente seu preconceito contra os negros, nenhum branco se atreve a usar o termo “niger”, que, entre nós, equivale ao termo “crioulo”. E isso ocorre não só porque existem leis anti-racismo, mas, principalmente, porque os próprios negros não admitem receber esse tipo de tratamento.

Se o escravo submisso, que Nabuco classificava como um “cadáver moral”, é uma “prova de como a humilhação penetra fundo na alma e no coração da população escrava”, a atitude dos alunos da UnB talvez seja uma prova de que as novas gerações de negros brasileiros não vão se transformar nesses cadáveres porque não vão se deixar enganar pelo mito da igualdade, ainda que isso implique se insurgir contra a ira de alguns e contra as “brincadeiras” de muitos.

AZUETE FOGAÇA é professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora.

O “bom senhor” agora é quem diz não ser racista porque “até tem um amigo negro"

Opinao, O Globo Online, 24.11.2006
www.oglobo.com.br

Thursday, November 23, 2006

Europeus e africanos discutem imigração ilegal em Trípoli

Foto

Europeus e africanos discutem imigração ilegal em Trípoli

Refugiado africano chega a Tenerifa, nas Ilhas Canárias, em março de 2006

Refugiado africano chega a Tenerifa, nas Ilhas Canárias, em março de 2006

O controle de fronteiras não é o único tema da conferência entre europeus e africanos, em Tripoli. As causas da migração e os direitos humanos dos refugiados também estiveram na pauta.

http://www.dw-world.de
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Mano Brown sem dúvidas

São Paulo, segunda-feira, 20 de novembro de 2006



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movimento

Mano Brown sem dúvidas

Manter-se na periferia ou crescer com a mídia?
Para o líder dos Racionais, na estrada há 18 anos,
a primeira opção é óbvia

André Caramante/Folha Imagem

Mano Brown, líder dos Racionais MCs



DENISE BRITO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A descrição de uma realidade dura e crua, de pobreza e de discriminação pela polícia e pela sociedade são constantes nas letras do rap, como é o caso do pioneiro Racionais MCs. Em 18 anos de estrada, prestes a lançar o quinto CD e mantendo a mesma formação original, Ice Blue, Edy Rock, KL Jay e Mano Brown conseguiram uma posição ímpar no cenário do rap. Trata-se do único grupo que obteve projeção nacional mantendo-se à distância da grande mídia. Mano Brown, 35, falou ao Folhateen sobre o fato de companheiros ingressarem na grande mídia e sobre outros temas ligados aos rumos do país.

FOLHATEEN - Qual a sua opinião sobre os colegas que fizeram contratos com a grande mídia?
MANO BROWN
- Somos jovens cheios de vontade de vencer e, às vezes, somos arrogantes. Quando a mídia abriu as pernas e disse "vem", a gente falou "não". Mas, se hoje chegou o momento de alguns companheiros ocuparem a mídia, eu não vou oprimir a vontade deles. Sou a favor da liberdade.

FOLHATEEN - Você se refere também ao Thaíde, que começou junto com vocês e hoje está numa minissérie da Globo ?
BROWN
- O Thaíde não tem o pensamento igual ao nosso, mas temos mais coisas em comum do que diferenças. Ele conhece o rap, está na estrada há anos e conhece os espinhos. Cada um defende com amor as suas razões, e elas não são iguais. Porque os pretos não têm todos as mesmas idéias.

FOLHATEEN - Você apoiou o Lula nas eleições? Chegou a pedir voto?
BROWN
- Democracia é isso. Pedi voto para o Lula em shows. Fui pelo olhar e pelas idéias dele.

FOLHATEEN - Houve mudanças no panorama da vida na periferia nesses últimos anos?
BROWN
- Eu não sei até que ponto conseguimos fazer esse tipo de análise. Vejo pequenas mudanças. Uma que me deixou contente foi um aumento do pequeno comércio nas ruas das favelas. Salões de beleza, pizzarias, locadoras, e os bares perdendo espaço. Acho que prefiro não ver as mudanças para não perder a ambição de fazer outras. Eu sempre quero mais.

FOLHATEEN - O que você gostaria de ver mudar?
BROWN
- Tenho sonhos românticos, com a população ouvindo música nas ruas, se dedicando a uma atividade dentro de seu próprio bairro, fazendo academia, cuidando do corpo, tendo uma boa alimentação... Mas isso tudo não está tão longe. Há metas próximas, como a divulgação da prática de esportes. O ser humano atrás da favela também pode ser sensível.

FOLHATEEN - O crescimento do rap atrapalha ou ajuda o movimento?
BROWN
- Quando você se impõe e passa a ser uma coletividade não é ruim; é bom para o rap. Ao mesmo tempo, os valores não são aqueles que se gostaria de difundir. Há muita valorização de roupas, aparência, cabelo. Ainda mais para nós, que somos pretos, se vestir melhor faz muita diferença. Mas não me agrada ver os irmãos escravos de marcas. É a escravidão do século 21. É ficar pondo comida na boca do monstro.

FOLHATEEN - Como você vê o alcance do discurso do rap?
BROWN
- Esse discurso contra a elite foi defendido por toda uma geração. De 1988 até hoje, 2006. Algumas idéias foram insistentemente repetidas durante uma época, em palavras, em discos. Essa mensagem de vencer, de lutar, seja negro, tenha orgulho, não abaixe a cabeça, responda, estamos juntos. Como filosofia de vida, a primeira que aprendi e fielmente tentei seguir foi "se imponha, você não depende deles, muitos de nós já foram esmagados".

Wednesday, November 22, 2006

Salvador Negritude



Ubiratan Castro recebe a medalha




Jony Torres

Um dos maiores defensores da igualdade racial no país foi homenageado ontem à noite, na Câmara Muncipal de Salvador. O professor e historiador Ubiratan Castro de Araújo, presidente da Fundação Cultural Palmares (FCP), recebeu a Medalha Zumbi dos Palmares. A solenidade realizada no plenário Cosme de Farias que ficou lotado de estudantes, líderes de entidades de combate ao racismo, vereadores e autoridades, além de artistas e representantes de religiões de matriz africana.

Entusiasta de diversas atividades em defesa dos direitos dos negros, Ubiratan recebeu a honraria por iniciativa da vereadora Aladilce Souza (PCdoB). Ela justifica a homenagem como um reconhecimento do trabalho de um homem que iniciou os estudos ainda na década de 60 e nunca fugiu do compromisso que ele próprio estabeleceu com sua gente. “Ele sempre se debruçou sobre questões relacionadas à negritude e através da sua atuação profissional garantiu maior visibilidade à cultura negra e popular brasileira”, afirmou a vereadora.

Em meio a tantas pessoas que representam e colaboram com o seu trabalho, Ubiratan declarou se sentir muito honrado em ser lembrado pelo trabalho, realizado muito em função de sua paixão pela cultura afro-baiana. “Não poderia estar mais feliz em receber um presente tão belo de uma cidade como Salvador”, afirmou o membro da Academia de Letras da Bahia, que ocupa a cadeira 33, cujo patrono é o poeta Castro Alves. O carinho pela primeira capital do Brasil e o fascínio pela sua história, o motivaram a escrever os livros Salvador era assim e Memórias da Cidade.

Autor de dezenas de artigos publicados em revistas e coletâneas em diversas partes do mundo, Castro sempre se dedicou aos estudos como forma de mostrar a importância da contribuição negra na formação da nação brasileira. Com extenso currículo acadêmico, Ubiratan é doutor em história pela Université Paris IV-Sorbone, mestre em história pela Université Paris X-Nanterre, licenciado em história pela Universidade Católica de Salvador e bacharel em direito pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), atua ainda como professor e presidente do Centro de Estudos Afro-orientais da Ufba.

Premiado por diversas instituições ao longo da vida, é na FCP, mantida pelo Ministério da Cultura, que ele concentra suas atividades atualmente. Defendendo através de uma metáfora, a reinstalação do quilombo dos Palmares no coração da república, procura alternativas para a plena cidadania da população negra e, por isso, foi um dos mais ferrenhos defensores da inclusão do ensino da cultura africana em todas as escolas brasileiras. “Ainda há o problema da falta de livros, mas vamos continuar apostando na idéia e promovendo a produção do material necessário”, lembrou Castro.

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Negritude em cartões-postais


Peças do Museu Tempostal servem de base para livro que inaugura coleção da editora P555



Ana Cristina Pereira

Com quatro anos de existência, a editora P555 avança na tradução da cultura local com o lançamento da coleção EtnoBahia, hoje, a partir das 18h, no Museu Afro (Terreiro de Jesus). O primeiro título, Bahia negra na coleção do Museu Tempostal, leva assinatura dos antropólogos baianos Jeferson Bacelar e Cláudio Pereira, também responsáveis pela coordenação da série.

Como o título indica, os autores mergulharam no acervo do Museu Tempostal, que funciona no Pelourinho e exibe a impressionante coleção de cartões-postais de Antonio Marcelino dos Santos. A novidade é o olhar que os pesquisadores lançaram ao material, selecionando cerca de 60 flagrantes que retratam o negro nas ruas da cidade entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX.

As imagens, explica Jeferson Bacelar, ajudam a compreender a presença ou ausência do homem negro na sociedade de então, como foi visto por brancos brasileiros e estrangeiros no período final da escravidão ou logo após a abolição. “Eles estão sempre em situação de trabalho e, muitas vezes, são meros acessórios para o postal. Como se fossem invisíveis”, afirma Jeferson. Os registros mostram carregadores, vendedores, e estivadores mal vestidos ou quase sem roupa, descalços, sempre em situações desfavoráveis.

Jeferson destaca um único postal em que um senhor aparece distintamente trajado – paletó, chapéu e gravata – tendo ao fundo a bela paisagem da Cidade Baixa. Além das leituras sobre Salvador, diz o autor, os postais também informam um pouco da fixação do negro do interior do estado, já que há exemplares de Cachoeira, Vitória da Conquista, Castro Alves, entre outros. O livro traz textos de Bacelar e Pereira analisando a presença do negro na iconografia brasileira, no nosso estado e na própria coleção do Tempostal. Também faz um pequeno histórico sobre a fotografia e os cartões-postais.

A EtnoBahia terá seguimento com a publicação, em dezembro, de Candomblé – Tradição e mudança, do antropólogo Júlio Braga. Para o ano que vem, adianta Jeferson, está programado um livro de ensaio de Antonio Risério e relançamentos de estudos na área antropológica. A P555 já conta com uma outra coleção de perfil semelhante: a A/C Brasil, parceria com o Theatro XVIII e que tem resgatado importantes textos fora de catálogo ou restritos a pesquisadores. A editora tem a coleção Cadernos do Vila, co-edição com o Teatro Vila Velha, e linhas editoriais dedicada à poesia e prosa de ficção.

***

ficha

Livro: Bahia negra na coleção do Museu Tempostal
Autores: Jeferson Bacelar e Cláudio Pereira
Editora: P555
Lançamento: amanhã, às 18h, no Museu Afro (Antiga Faculdade de Medicina – Terreiro de Jesus)
Preço: R$15 (à venda na Civilização Brasileira, Galeria do Livro e Espaço do Autor Baiano)


Aqui Salvador, Correio da Bahia, 24.11.2006
www.correiodabahia.com.br

Relato trata do cotidiano de Palmares

Do enviado a Lisboa


Dois extensos documentos relatam o cotidiano, os costumes e as leis que vigoravam no interior dos vários quilombos que compunham Palmares. Um deles foi escrito em 1677 por Manuel de Inojosa, um proprietário de terras e de escravos que buscava destruir Palmares.

Inojosa encarregou um de seus negros de _em troca de futura alforria_ se infiltrar nos quilombos e na volta relatar o que viu.
O documento foi transcrito pelo historiador Décio Freitas.

O outro relato foi localizado pela Folha no Arquivo Municipal e Biblioteca Pública de Évora (145 km a leste de Lisboa). O arquivo foi fundado em 1805 pelo arcebispo local e reúne documentos de nobres e autoridades que tiveram responsabilidades no governo do Brasil colônia.

Cópia dos relatos de Évora também foi achada por Freitas na Biblioteca Nacional de Lisboa e no Arquivo Histórico. Foi transcrita no Brasil pela ''Revista do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico'' de 59 (volume 22).

O documento, batizado de ''Guerras Feitas aos Palmares de Pernambuco'' (1), foi escrito a pedido do então governador Pedro de Almeida entre 1675 e 1678.

Os dois relatos _o de Inojosa e o do governador_ trazem informações contrastantes sobre os costumes familiares em Palmares.

O segundo diz que ''cada um tem as mulheres que quer; (...) o rei, que nesta cidade assistia (na época era Ganga-Zumba), estava acomodado com três mulheres, uma mulata e duas crioulas, da primeira teve muitos filhos, das outras nenhum''.

É certo que o rei tinha companheiras à disposição _como também teria se dado com Zumbi_, mas os palmarinos viviam à míngua de mulheres. Tanto assim que Inojosa relata o regime de poliandria estabelecido em Palmares, especialmente no Macaco, o mocambo principal onde o rei vivia protegido por maior número de guerreiros.

Cada fugitivo que chegava a Palmares era distribuído a uma família em que comandava uma mulher, relata Inojosa. ''Todos estes maridos se reconhecem obedientes à mulher, que tudo ordena, assim na vida como no trabalho.''

Cada família _formada pela mulher e vários homens_ recebia uma data de terra que deveria cultivar em proveito de todos. ''Entre eles tudo é de todos, e nada é de ninguém, pois os frutos do que plantam e colhem, ou fabricam nas suas tendas, são obrigados a depositar às mãos do conselho, que reparte a cada um quanto requer seu sustento.''

O documento do governador diz que ''são grandemente trabalhadores, plantam todos os legumes da terra, cujos frutos formam providamente celeiros para os tempos da guerra e do inverno''.

Os dois textos falam da organização política dos mocambos. ''Suas queixas, assim as da pretendida família como as da república, são vistas por conselhos de justiça, sem recurso; os maiorais, todos, são escolhidos em reunião pelos negros que assistem no mocambo, mas o maioral principal é escolhido só pelos maiorais (...).''

NOTA
(1) Biblioteca Pública de Évora, códice 116/2-13, peça 9, folhas 51 a 59v; transcrição de Jair Rattner; Arquivo Histórico Ultramarino, códice 265

Colaborou Jair Rattner, especial para a Folha, de Lisboa

Leia mais: Arquivo revela que Zumbi sabia latim

Capitão holandês descreve Palmares

Da enviada a Recife



O trecho abaixo foi extraído da obra ''Diário da Viagem do Capitão João Blaer a Palmares em 1645'', do holandês Jan Blaer, incluída no nº 56, de 1902, da ''Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano'', em tradução de Alfredo de Carvalho.

Blaer era padre, cura de Vreeswijek, aldeia da província de Utrecht (Holanda). Veio para o Brasil em 1629, como capelão, numa expedição de guerra. A expedição foi uma das primeiras enviadas a Palmares pelos holandeses. Saiu de Salgados (Alagoas) em 26 de fevereiro de 1645. Blaer chamava de Palmares todos os mocambos que encontrava.

"A 18 do dito (março), ganhamos o cimo do referido monte, que era alto e íngreme, e sobre o qual encontramos água para beber; (...) em seguida chegamos ao velho Palmares que os negros haviam deixado desde três anos, abandonando-o por ser um sítio muito insalubre e ali morrerem muitos dos seus; este Palmares tinha meia légua de comprido e duas portas; a rua era da largura de uma braça (...)

A 19 do dito pela manhã caminhamos meia milha e chegamos ao outro Palmares, onde estiveram os quatro holandeses, com brasilienses e tapuias, e incendiaram-no em parte, pelo que os negros abandonaram-no e mudaram o pouso para dali a sete ou oito milhas, onde construíram um novo Palmares igual ao que precedentemente haviam habitado. (...)

A 20 do dito (...) encontramos todas as meias horas mocambos feitos pelos negros quando deixaram o velho Palmares pelo novo, situado ao leste e sudeste do primeiro. (...)

Ao amanhecer do dia 21 chegamos à porta ocidental de Palmares, que era dupla e cercada de duas ordens de paliçadas; arrombamo-la e encontramos do lado interior um fosso cheio de estrepes em que caíram ambos nossos cornetas; (...) um dos nossos cornetas, enraivecido por ter caído nos estrepes, cortou a cabeça a uma negra (...).

Este Palmares tinha igualmente meia milha de comprido (...); as casas eram em número de 220 e no meio delas erguia-se uma igreja, quatro forjas e uma grande casa de conselho; havia entre os habitantes toda a sorte de artífices e o seu rei os governava com severa justiça, não permitindo feiticeiros entre a sua gente (...); o rei também tem uma casa distante dali duas milhas com uma roça muito abundante, a qual casa fez construir ao saber da nossa vinda, pelo que mandamos um dos nossos sargentos com 20 homens a fim de prendê-lo; mas todos tinham fugido (...).

A 22 do dito pela manhã saiu novamente um sargento com 20 homens a bater o mato (...); neste dia a nossa gente queimou para mais de 60 casas nas roças abandonadas; o caminho deste Palmares era marginado de aléias de palmeiras que são de grande préstimo aos negros, porquanto em primeiro lugar fazem com elas as suas casas, em segundo as suas camas, em terceiro abanos com que abanam o fogo, em quarto comem o exterior dos cocos e também os palmitos; dos cocos fazem azeite para comer e igualmente manteiga, que é muito clara e branca e ainda uma espécie de vinho; nestas árvores pegam uns vermes da grossura dum dedo, os quais comem, pelo que têm em grande estima estas árvores (...). Este era o Palmares grande de que tanto se fala no Brasil. (...)


Trecho de ''Diário da Viagem do Capitão João Blaer a Palmares em 1645''.
Fonte: ''Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano'', nº 56, págs. 87-96, Fundação Joaquim Nabuco, Recife, 1902

http://www1.folha.uol.com.br/fol/brasil500/zumbi_5.htm

Leia mais: Escravos sofriam mutilações

Tuesday, November 21, 2006

Índias de tribos do Nordeste têm encontro

Cerca de 30% das aldeias do Nordeste têm caciques mulheres, enquanto nas demais regiões brasileiras esse percentual não chega a 5%. Diante de tamanha representatividade feminina nas lideranças das tribos, índias de 50 diferentes etnias estão reunidas no I Encontro Regional das Guerreiras Mulheres Indígenas do Nordeste e Leste (Minas Gerais e Espírito Santo), com o objetivo de criar um espaço de diálogo e construir um mecanismo de organização permanente entre si. O evento, organizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), em parceria com Serviço Alemão de Cooperação Técnica e Social, Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e a Ong Oxfam, começou ontem e termina hoje, na Casa Betânia, em Itapuã.

Na ocasião foi feita uma grande homenagem a Maninha Xukuru-Kariri, uma das fundadoras da Apoinme e coordenadora da entidade durante 15 anos, que faleceu em outubro, na cidade de Palmeira dos Índios, em Alagoas. Segundo a entidade, ela teria sido vítima da inexistência de uma política nacional de saúde para o atendimento aos povos indígenas. O coordenador geral da Apoinme, Manoel Uilton dos Santos, mais conhecido como Uilton Thuxá, falou sobre papel das mulheres nas tribos indígenas e ressaltou a importância do encontro. “Muitas delas ocupam espaços de liderança nos seus povos e não são reconhecidas como deveriam. Finalmente, depois de mais de uma década de existência, a Apoinme conseguiu organizar esse evento que visa o fortalecimento dessas mulheres guerreiras”, frisou o coordenador.

Iaranauwy foi cacique da tribo Pataxó hã-hã-hãe, no sul da Bahia, durante dois anos e por problemas de saúde foi obrigada a se afastar do posto. Hoje, ela é o braço direito da cacique Ilza Rodrigues que não pôde participar do evento e lhe enviou como representante oficial. “Eu enfrentei muitos problemas, em muitas situações me senti excluída por ser mulher. Mas, enquanto fui cacique lutei pelos interesses das 390 famílias da tribo”, afirmou Iaranauwy. Ela considera que as mulheres são capazes de desenvolver um bom trabalho por que são fonte de força e sabedoria. (CV)

Aqui Salvador, Correio da Bahia, 22.11.2006
www.correiodabahia.com.br

Conselho de Cultura homenageia mãe Hilda e o ator Lázaro Ramos

Momentos de emoção marcaram cerimônia na sede do órgão



Jairo Costa Júnior

O Conselho Estadual de Cultura homenageou, na tarde de ontem, dois símbolos de gerações diferentes, que personificam a luta dos negros pela conquista de espaços na sociedade: o ator Lázaro Ramos e a ialorixá mãe Hilda Jitolu, líder espiritual e presidente de honra do Ilê Aiyê. A cerimônia, marcada por momentos de forte emoção e realizada em meio às atividades da Semana da Consciência Negra, ocorreu no auditório Nilda Spencer, na sede da entidade, situada no Palácio da Aclamação, centro da cidade.

Na abertura da cerimônia, a presidente do conselho, Eulâmpia Reiber, disse que a moção de mérito dedicada a ambos foi a forma encontrada pela entidade para homenagear “duas personalidades universais que contribuíram para a afirmação e construção da cidadania dos negros no país”. O evento contou com a presença de intelectuais como os historiadores Jaime Sodré e Luís Henrique Dias Tavares, o compositor, professor e apresentador de televisão Jorge Portugal e o reitor da Universidade Federal da Bahia, Naomar Almeida.

Embora a moção dedicada a mãe Hilda tenha sido solicitada por Eulâmpia Reiber, coube ao presidente do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac), Júlio Braga, explicar à platéia que lotou o auditório os motivos que levaram o conselho a homenageá-la. “Mulher marcada pela grandeza de sua sabedoria e humildade, uma líder no plano religioso, um nome paradigmático da construção civilizatória dos negros no país”, discursou Braga.

Silenciosa e aparentemente frágil, mãe Hilda, 83 anos, filha de Obaluaê e Oxum, é considerada uma das mais importantes ialorixás (mãe-de-santo) do país, conselheira para todas as horas de seus milhares de filhos espirituais. Apesar de seu papel como líder religiosa, foram ações sociais e de resgate da auto-estima dos negros desenvolvidas por ela na Liberdade que a tornaram um símbolo da resistência afrobrasileira.

Mãe biológica de cinco filhos – um deles, o presidente do Ilê Aiyê, Antônio Carlos dos Santos, o Vovô –, a ialorixá do terreiro Ilê Axé Jitolu foi a “pedra fundamental” para a construção do afro do Curuzu, um dos mais importantes grupos culturais ligados aos negros do país. Até hoje é tida como o ícone máximo da entidade. Voz baixinha, quase inaudível, mãe Hilda resumiu seu contentamento pela homenagem recebida, afirmando estar emocionada por ter seu trabalho reconhecido. Aos afrodescendentes, um conselho sábio: “Estamos em um momento importante. Devemos nos unir para poder conquistar nossos direitos”, advertiu.

Ainda experimentando o furor causado pelo seu trabalho na novela Cobras e lagartos, da Rede Globo, Lázaro Ramos, fenômeno de público na pele de Foguinho, também se declarou fã da ialorixá. “Acho que eu nem deveria estar aqui recebendo essa homenagem, por não ter uma pequena parte do valor que mãe Hilda tem. Ainda tenho que ralar muito, sambar muito”, brincou, horas antes de receber a moção por mérito cultural, o ator de 28 anos, formado nas hostes do Bando de Teatro Olodum e que já representou papéis de destaque em filmes de sucesso do atual cinema brasileiro. Entre eles, Madame Satã, O homem que copiava, Carandiru, Meu tio matou um cara e Cidade baixa.

Responsável pela indicação do ator para a homenagem do conselho, o compositor Jorge Portugal deixou o discurso escrito no papel de lado e partiu para o improviso. “Você, Lázaro, condensa em si milhares de negros que têm alma para sonhar e força para conquistar. Você é a negação de tudo que nos negaram: inteligente, brilhante e competente. Você é a prova de que a genialidade é capaz de dobrar a espinha do preconceito. Você é ainda o Lazinho do Garcia, embora não seja mais um só, e sim, milhões”, declarou Portugal, enquanto Ramos chorava timidamente.

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Estação da Leste abriga feira africana

O estudante Jailton de Moraes, 24 anos, mora desde que nasceu em Massaranduba, um dos quilombos urbanos da cidade baixa. Nunca havia repousado o olhar sobre as diferenças existentes entre a comunidade que habita e um bairro próximo, Boa Viagem, onde moram alguns de seus parentes. Até que se tornou um dos 120 mobilizadores culturais escolhidos para integrar o Programa de Educação e Profissionalização para a Igualdade Racial e de Gênero (Ceafro), ligado à Universidade Federal da Bahia (Ufba). Na tarde de ontem, Moraes e outros jovens com história de vida semelhante a dele puderam mostrar parte do que aprenderam na 6ª Feira das Nações Africana, cuja abertura aconteceu na Estação da Leste, na Calçada.

Este ano, a feira elegeu como tema Juventude Negra: Ancestralidade e Políticas Públicas. Através de debates, apresentação de pesquisas, recitais de poesia e exposição fotográfica, os mobilizadores culturais do Ceafro discutiram os principais problemas relacionados à falta de ações reparatórias em relação aos jovens afrodescendentes na Bahia. A mostra poderá ser visitada na Leste até o fim da tarde de hoje. Amanhã e depois, o evento acontecerá na sede da entidade, no Dois de Julho, e sábado, na Associação Tenda de Olorum, localizada em Massaranduba.

Como morador de um quilombo urbano, Moraes descobriu através das lentes fotográficas e de doses maciças de observação do cotidiano do bairro, que o principal fosso que separa os habitantes da sua comunidade e os da Boa Viagem está na diferença de investimentos realizados pelo poder público. “Estamos muito próximos, só que os de lá (da Boa Viagem) recebem mais obras de pavimentação, saneamento e lazer do que nós”, avaliou o mobilizador cultural. Contudo, Moraes pôde observar também que o local onde vive é um espaço onde a resistência negra se dá por meio de mecanismos como a religiosidade e a união em torno de celebrações compartilhadas por grande parte dos membros da comunidade.

Para elaborar a feira, os jovens de 18 a 24 anos capacitados pelo Ceafro em vídeo, fotografia, cultura hip-hop, teatro e dança realizaram incursões em cinco quilombos urbanos de Salvador: Massaranduba, Curuzu, Engenho Velho da Federação, Bairro da Paz e Bom Juá. Registraram imagens que sintetizam a vida nessas comunidades e conversaram com moradores sobre demandas e problemas vivenciados pelos negros que as habitam. “A cidade é culturalmente bloqueada para a juventude negra. Um exemplo claro se refere à intolerância religiosa relacionada ao candomblé”, analisou a socióloga Vilma Reis, coordenadora do Ceafro.

Vilma explica que há relatos de preconceito nas escolas contra alunos que seguem a fé da religião afro-brasileira. “Esse é um dos motivos pelo qual realizamos a feira: mostrar para a população que transita em espaços onde não tem voz, que é necessário a elaboração de políticas públicas que protejam e preservem a ancestralidade para as novas gerações de negros, criando também mecanismos de combate ao ódio racial velado e ao genocídio de jovens negros, que representam 91% dos mortos por causas relacionadas à violência no país”, destacou a socióloga. (JCJ)

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Vozes da contemporaneidade

Cilene Brito

O valor da literatura negra e as diferentes experiências de afrodescendentes na área de educação é um tema cada vez mais discutido no Brasil. A importância da divulgação desses conhecimentos se dá por diversos aspectos, sobretudo pelo resgate e preservação dos valores, memória e ciência de origem africana. É também um dos principais meios de valorização da auto-estima e da cultura afro, tão estereotipada no Ocidente. O tema, cada vez mais relevante nos dias atuais, será discutido por pesquisadores, estudantes, professores e representantes do movimento negro no IV Seminário Vozes Negras na Contemporaneidade das Américas, que acontece durante a Semana da Consciência Negra da Universidade do Estado da Bahia (Uneb).
Iniciado ontem, o evento prossegue até o dia 30, no Centro de Estudos das Populações Afro e Indígenas Americanas (Cepaia), no Pelourinho. A noite foi marcada pela abertura da exposição coletiva Arte Negra na Bahia, que integra trabalhos dos artistas Luiz Marcelo, Gleide Almeida, Gene, Sérgio Soares, Gilmar Tavares, Manoelito Damasceno, Djalma Soares, Mazo e Júnior.

“A construção de uma literatura negra é fundamental para fazer a desconstrução de alguns estereótipos negativos sobre os negros. Há uma forte idéia de que o negro não pensa, não escreve e não produz conhecimento”, afirmou o diretor do Cepaia, Vilson Caetano. Para ele, o modelo de conhecimento tradicional não caracteriza o saber africano, além de esconder as raízes negras. O conhecimento passado para todos é branco, racista e promove a exclusão. É um conhecimento baseado no legado ocidental, que não contempla as fases de transição do povo negro”, avaliou.

Realizado pela primeira vez no Cepaia, o encontro deste ano vai marcar as comemorações da Semana da Consciência Negra da universidade. O objetivo, segundo Caetano, é também marcar a presença do Cepaia como um local de produção e pesquisa voltada para a população negra. Criado em 1998, o centro possui diversos trabalhos de ensino, pesquisa e extensão das culturas indígenas e afrodescendentes. “Pretendemos reunir as diversas experiências dos pesquisadores que trabalham com a temática negra, unindo arte, literatura, educação e religiosidade”, pontuou Caetano.

O encontro também vai discutir a herança e a presença africana na Bahia, através de uma visão panorâmica sobre a cultura, música e religião negra no estado. Além das temáticas dos debates, o evento será marcado por manifestações de expressões das raízes negras, como as apresentações do Recital de Poetas Negros, Rap e Repente, e o Samba de Roda de São Braz, de Santo Amaro da Purificação. Inclui ainda na programação oficina de bonecas negras de pano e a mostra de filmes africanos.

Aqui Salvador, Correio da Bahia, 22.11.2006
www.correiodabahia.com.br

Um dia de golpes no preconceito

Juliana Cariello

O Dia da Consciência Negra - quando é lembrada a morte do principal ícone negro brasileiro, Zumbi dos Palmares - reuniu cerca de mil pessoas na Praça Onze, Centro. Apesar da festividade de ontem, os negros não têm muito que comemorar segundo uma pesquisa divulgada em novembro pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

De acordo com o estudo, no Rio, os negros ganham apenas 50,5% do salário dos brancos, têm 13, 9% a menos profissionais com carteiras assinadas e freqüentam dois anos a menos a escola.

Ainda assim, as comemorações continuaram com toda a força e se estenderam ao aniversário de 20 anos da estátua de Zumbi, iniciativa do então deputado José Miguel. A lembrança da lei responsável por tornar o racismo crime inafiançável, de autoria do deputado Carlos Alberto Oliveira, também provocou aplausos dos presentes.

A reação foi a mesma depois do discurso do secretário de Estado de Cultura Oswaldo Alves Pereira, o Noca da Portela, que pediu aos negros que não perdessem a esperança de um Brasil mais justo.

- Não é preciso dizer que a desigualdade racial persiste desde a época da escravidão aos dias de hoje, mas, se eu e o Gilberto Gil ocupamos a secretaria e o ministério da cultura, é sinal de que o negro não só tem capacidade de ir como vai bem longe - disse Noca, pouco antes do discurso do governador eleito do Rio, Sérgio Cabral (PMDB).

Cabral, diante das lideranças do movimento negro que estavam presentes, prometeu lutar contra as desigualdades entre brancos e negros em seu mandato no Palácio Guanabara.

- Não quero que policiais parem negros para revistá-los apenas pela cor da pele ou que porteiros olhem para uma pessoa negra e abram as entradas de serviço - diz Cabral.

A advogada Marlene Mendes, 62 anos, apesar de ter sido vítima de discriminação profissional por causa da cor da pele, faz questão de demonstrar seu orgulho em ser negra.

- Sou auditora fiscal aposentada e, alguns colegas de trabalho, me perguntavam quem era meu padrinho por não acreditarem na capacidade de uma negra alcançar, sozinha, um cargo desta relevância - relembra a advogada, que reagia ao preconceito com bom humor. - Eu, que tenho e sempre tive orgulho de ser negra e passei esse sentimento para minha filha, apontava para o céu e dizia que o meu padrinho era Deus.

Marlene, hoje integrante de ONGs em defesa da cultura e da pessoa negra, lamenta que o negro ainda não tenha plena consciência de seu valor.

- Eventos como o de hoje (ontem), que preservam um dos poucos ícones negros existentes, aumentam, sem dúvida alguma, a auto-estima de seu povo - conclui Marlene, que levou integrantes de uma igreja messiânica, todos brancos, para rezar para uma das lendas negras brasileiras.

A coordenadora de Relações Internacionais e Comércio Exterior Tatiana Zanon, 26 anos, também apoia o Dia da Consciência Negra.

- Apesar de ser branca, não esqueço que o sangue negro está no sangue dos brasileiros em geral e, em especial, na minha família - conta Tatiana. - Por isso sou completamente a favor do negro resgatar seus valores, assim como os índios.

Lideranças indígenas, convidadas a participar do evento, lembraram que antes de um homem ser índio ou negro, é um ser humano.

- E todo ser humano merece todo o respeito - disseram.

JB Online, 21.11.2006
http://jbonline.terra.com.br/
editorias/rio/papel/2006/11/21/rio20061121002.html

Violência contra crianças negras é maior

JB Online, 21.11.2006

Josie Jeronimo

Levantamento feito pelo Fundo das Nações Unidas para a infância (Unicef), com dados do programa da ONU para desenvolvimento (PNUD), indica que, no ano passado, o número de homicídios de crianças negras foi o dobro do registrado entre brancas. O resultado foi divulgado ontem, no Dia Nacional da Consciência Negra. A Unicef alerta que o abismo racial evidenciado desde a infância estenderá o racismo às gerações futuras.

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Palavrão contra o racismo

Em festa no Centro, Sérgio Cabral repete frase de intelectual, que ataca racistas

O governador eleito Sérgio Cabral disse ontem que manterá a política de cotas em universidades e criticou o preconceito racial.

Ele esteve no evento em homenagem ao Dia Nacional da Consciência Negra, junto ao monumento Zumbi dos Palmares, que completou 20 anos, na Avenida Presidente Vargas. Durante a solenidade, houve um constrangimento: ao discursar, Paulo Roberto Santos, do Conselho Estadual dos Direitos do Negro, afirmou que Cabral já teria dito, certa vez, que “todo o racista é filho da puta”. Ao fim do evento, Cabral disse que apenas reproduzira a frase atribuída ao escritor Astrojildo Pereira: — Há uma verdade no mundo. Todo racista é um f.d.p. A frase é de Astrojildo Pereira, grande intelectual e fundador do Partido Comunista do Brasil em 1922.

A festa reuniu cerca de 250 pessoas, entre elas, integrantes de entidades religiosas e culturais. A homenagem a Zumbi dos Palmares — cujo monumento foi inaugurado em novembro de de 1986 — teve apresentação de músicas e desfile cívico na pista central da Presidente Vargas, que ficou fechada.

Anunciada pelo microfone, a chegada de Cabral foi aplaudida pelo público.

— Política de cotas já é uma realidade do Estado do Rio de Janeiro. Ela foi aprovada quando eu era presidente da Assembléia Legislativa do Rio (Alerj) e será mantida no meu governo — afirmou ele.

Durante a solenidade, que teve até chuva de pétalas de rosas lançadas de um helicóptero do Corpo de Bombeiros, Cabral disse que a Secretaria de Ação Social e Direitos Humanos terá papel fundamental para punir qualquer tipo de preconceito.

— Queremos uma sociedade plural, onde um PM jamais pare uma pessoa desconfiando dela por causa da cor e que um porteiro jamais impeça a entrada de alguém por causa da cor. Muito axé e viva Zumbi dos Palmares — disse Cabral, ao lado da mulher, Adriana, e dois filhos.

Cerca de cem manifestantes também estiveram no local protestando contra o prefeito Cesar Maia, que proibiu a realização de pré-vestibulares comunitários em escolas municipais. O protesto começou na Candelária terminou na prefeitura.

© CopyRight O Globo Online -21-11-2006
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Cabral manterá sistema de cotas na Uerj e Uenf

21/11/2006 00:27:00

O Dia Online

Na homenagem a Zumbi, governador eleito diz que acesso a negros continuará facilitado

Rio - O governador eleito, Sérgio Cabral Filho, participou ontem da homenagem a Zumbi, no Dia da Consciência Negra, que ocorreu em frente ao monumento da Avenida Presidente Vargas, altura da Praça 11, no Centro. Ele garantiu que manterá a política de cotas raciais e públicas em universidades públicas administradas pelo governo estadual, como a Uerj e a Uenf.

“A Secretaria de Ação Social vai adotar políticas afirmativas na área de educação e cultura. A política de cotas continuará”, afirmou o governador eleito, em meio a chuva de pétalas de rosa, despejadas de helicóptero para festejar a data.

Na Uerj e Uenf, 20% das vagas são destinadas alunos oriundos da rede pública, 20% para negros e 5% para nascidos ou pertencentes a povos indígenas.

Este ano, segundo levantamento de fevereiro, haviam ao todo 7.880 cotistas nas duas universidades, o menor número desde 2003, desde que o sistema começou a ser adotado no Rio.

Cabral foi duro com os que ainda hoje têm qualquer preconceito e brincou ao discursar para os presentes: “Há uma verdade no mundo: todo racista é um grande f.d.p”, afirmou, citando frase de um dos fundadores do Partido Comunista Brasileiro, Astrogildo Pereira.

Com a mulher, Adriana Ancelmo, e dois dos cinco filhos, aproveitou para cantar, tocar tambor e dançar timidamente, após enfatizar a importância da data: “É muita emoção estar aqui. Muito axé e viva Zumbi”, afirmou.

Maior ícone da história dos negros no Brasil, Zumbi dos Palmares foi homenageado ontem, dia de sua morte, diante do monumento em sua homenagem na Praça 11, que está completando 20 anos de existência.

A celebração na Presidente Vargas contou com a participação do secretário estadual de Cultura, Noca da Portela; estudantes da rede pública de vários municípios, comunidades de países africanos, escolas de samba e da banda da Polícia Militar.

Pela manhã, houve desfile cívico e, à tarde, grupos de capoeira e shows musicais. Noca da Portela recebeu a condecoração de comendador da Ordem Rio Branco, homenagem do Ministério das Relações Exteriores. “Que a nossa raça continue unida”, defendeu.

NÚMERO DE INSCRITOS NAS UNIVERSIDADES CAI 60%

O número de inscritos nas faculdades públicas estaduais para se beneficiar do sistema de cotas é quase 60% menor do que há quatro anos, quando o programa foi implantado.

Conforme O DIA mostrou em agosto, em 2003, houve 8.533 inscritos. Este ano, foram 3.620. Também vem caindo o total de matrículas. No primeiro ano do programa, foram preenchidas 3.081 vagas na Uerj e Uenf. Em 2005, só 1.753 lugares foram ocupados.

Três razões explicariam em parte o porquê da desistência sem se tentar ao menos o vestibular: a dificuldade em preencher os requisitos para concorrer; a prova final exige acerto de 20% das questões e a falta de programas de permanência — a bolsa de R$ 190 é dada só no primeiro ano.

http://odia.terra.com.br/rio/htm/geral_68365.asp

Multidão afrodescendente vai às ruas reivindicar direitos

Membros de entidades ligadas ao movimento negro participaram da Marcha Zumbi dos Palmares



Jairo Costa Júnior

Reparar. Segundo o Aurélio, compensar é um dos significados dados para a palavra. Foi em busca de mecanismos de compensação relegados ao plano inferior através dos séculos que centenas de pessoas participaram na tarde de ontem, do Campo Grande à Praça Municipal, da 27ª Marcha Zumbi dos Palmares. A caminhada foi organizada pelo Conselho Nacional de Entidades Negras (Conem), como forma de homenagear o Dia Nacional da Consciência Negra e o aniversário da morte de Zumbi, símbolo máximo da resistência latino-americana à opressão contra africanos e seus descendentes.

Desde às 14h de ontem, membros de entidades ligadas à educação, cultura e direitos humanos, líderes religiosos, políticos, intelectuais, estudantes, artistas, atletas e simpatizantes das causas ligadas aos afro-brasileiros se reuniram no Campo Grande para informar à população sobre as principais bandeiras do movimento negro nos próximos anos. “É o momento de expor nossas reivindicações mais urgentes, que são a criação de um plano de cotas mais abrangente e a aprovação do Estatuto da Igualdade racial”, lembrou o coordenador estadual do Conem, Normando Batista.

Entre as lideranças de entidades voltadas à defesa dos direitos dos negros ouvidas pelo Correio da Bahia, é corrente a queixa de que sistemas de cotas adotados por algumas universidades brasileiras ainda está longe do ideal. “São cotas sociais e não étnicas. Basta olhar dentro das salas de aula de cursos de maior prestígio, como medicina e direito. A maior parte dos alunos é constituída de brancos”, disparou o vice-presidente da Associação Cultural do Reggae, Magnaldo Guimarães, que também integra o Conem.

Guimarães explica que há sistema de cotas para negros nas penitenciárias, nas marquises, nos empregos sem status sociais, mas não existe o mesmo na fatia mais generosa do mercado de trabalho e no sistema educacional superior do país. “Tudo que é de muito ruim na nossa sociedade – favelas, prisões, sinaleiras – está sempre cheia de negros. É necessário questionar por que não temos a mesma proporção no que tem de melhor”, analisou Guimarães.

Enquanto a banda Pagoleiros executava sambas-de-roda no trio elétrico, pedindo “reparações já” em forma de canção, representantes de organizações não-governamentais tentavam explicar os motivos pelos quais o Congresso Nacional até o momento não aprovou o Plano de Cotas e o Estatuto da Igualdade Racial. “Não há interesse de grande parte dos nossos políticos em tornar reais projetos que sirvam para compensar a enorme segmentação que aflige a população negra no país. Basta o tema entrar em pauta, para a Câmara dos Deputados esvaziar”, criticou Batista, que também preside o conselho consultivo do Centro de Educação e Cultura Popular (Cecup).

Apesar do atraso de mais de duas horas para iniciar a marcha, nada parecia arrefecer os ânimos das pessoas que se juntavam em prol das causas reparatórias, a exemplo da implementação no resto do país da Lei 10.639/03, que torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileiras nas escolas de ensinos médio e fundamental. Até o momento, apenas a capital e algumas cidades do interior obedeceram à legislação.

“Salvador foi pioneira na aplicação da legislação, mas é preciso que todas as cidades façam o mesmo, pois essa seria única forma de fazer com que a grande população negra existente no país possa aprender sobre suas raízes, sua ancestralidade, elevar a auto-estima. Veja que nos ensinam até a mitologia grega, mas não a iorubá, que é belíssima e muito mais próximas de nós”, ressaltou a advogada Darci Xavier, coordenadora da Comissão de Implementação da Lei 10.639/03 da Secretaria Municipal de Educação e Cultura.

Já passava das 18h30 quando o cortejo, composto também por grupos de capoeira e música, atingiu a Praça da Piedade, ao som de reggae, samba-de-roda e pagode. Embora dançassem e repetissem em coro as músicas executadas nos dois trios elétricos, ninguém parecia ter esquecido as palavras ditas horas antes pela professora Macota Valdina, uma das mais antigas militantes do movimento negro baiano: “Devemos fazer tudo com alegria, mas somos obrigados também a lembrar que a marcha não é uma festa, é o momento de reivindicar os espaços a que temos direito”.

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Lázaro Ramos recebe homenagens

No aniversário de 35 anos da oficialização do 20 de Novembro como o Dia da Consciência Negra, a comunidade afro-brasileira de Salvador que foi à 27ª Marcha Zumbi dos Palmares recebeu de presente a visita do mais ilustre negro baiano no universo das artes dramáticas. Cabelo e bigodes raspados, o ator Lázaro Ramos abandonou o figurino de Foguinho, protagonista da novela global Cobras e lagartos, e participou do evento como um dos homenageados da caminhada.

Lázaro Ramos chegou por volta das 16h30 e causou frissom no Campo Grande. Todo mundo queria tocar, abraçar, falar ou pedir autógrafos ao ator cuja carreira foi iniciada no Bando de Teatro Olodum e que, à noite, seria homenageado com a Medalha Zumbi dos Palmares na Câmara de Vereadores. Solícito com o povo que lhe jogava camisas, bonés e cadernetas no afã de levar a assinatura do artista, Ramos era o símbolo do orgulho negro.

“O melhor de tudo é receber o afago e o carinho do povo de minha terra, mas é importante lembrar que ainda faltam muitas coisas a se conquistar. E precisamos cobrar isso tudo, mostrando à sociedade através de eventos como esse que temos muitas questões a serem resolvidas”, afirmou o ator. Mas Lázaro Ramos não foi a única personalidade negra ligada à arte que participou da marcha. De surpresa, a cantora Margareth Menezes apareceu na concentração, no Campo Grande, e cantou, à capela, o hit Alegria da cidade, espécie de hino informal da negritude, sendo observada na pista por um dos autores da música, o compositor Jorge Portugal.

Além de Lázaro Ramos, Zumbi e João Cândido (líder da Revolta da Chibata, ocorrida em 1910) a marcha homenageou também a cantora Zezé Mota, o ator de cinema Mário Gusmão (1928-1996), a feminista Lélia Gonzáles (1935-1994) e duas figuras de proa no movimento negro que morreram este ano: o sociólogo autodidata Lino de Almeida (1958-2006) e o agitador cultural Luís Orlando da Silva (1945-2006).

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PM promove curso de cultura negra

Por Camila Vieira

A Lei 10.639/03 obriga todos os estabelecimentos de ensino fundamental e médio da rede pública e privada, a oferecer a disciplina de história e cultura afro-brasileira. A implantação da medida e sua repercussão na sociedade brasileira foi o tema da aula magna do curso de especialização para a disciplina ministrada pelo professor paulista e presidente do Instituto Brasileiro da Diversidade, Hélio Santos, ontem, às 9h, no Colégio da Polícia Militar, nos Dendezeiros. O curso em comemoração ao Dia da Consciência Negra e Combate ao Racismo tem carga horária de 60 horas e está sendo promovido pela Associação Nacional para Advogados Afrodescendentes (Anaad) em parceria com a Fundação Visconde de Cayru e Colégio da Polícia Militar.

O Colégio da PM é a primeira instituição baiana que se preocupa em especializar os professores com o objetivo de implantar de forma adequada a disciplina. O professor paulista, mestre em finanças, doutor em administração e militante do movimento negro há 27 anos, Hélio Santos, afirmou que na Bahia essa iniciativa é inédita, mas 400 profissionais de outros estados já foram capacitados para ministrar a disciplina. “Os mestres que forem formados podem ensinar a matéria e reproduzir o curso como multiplicadores”, disse o mestre, assinalando que o artigo nº79 da lei é bem claro com relação à obrigatoriedade da matéria no currículo das instituições de ensino médio e fundamental.

Santos falou sobre a importância do Dia da Consciência Negra. “É um dia em que devemos participar de rodas de samba, capoeira e comer acarajé, mas acima de tudo isso é um momento crucial para a reflexão. Precisamos remontar a história de meio milênio atrás quando no sul desse estado os portugueses chegaram”, lembrou o professor. Durante a aula ele fez questão de ressaltar que o Brasil viveu 350 anos de escravidão e foi o último país a extinguir a assinar a Lei Áurea. “Precisamos avaliar toda a história e a partir daí refletirmos no que pode ser feito”, afirmou o militante.

A presidente da Anaad, Sílvia Cerqueira, considera que o cumprimento da lei na escola da PM é um ato de reparação e precisa ser seguido por outras instituições de ensino. “É uma iniciativa que visa a igualdade, uma ação afirmativa. Está aqui hoje (ontem) é uma trajetória bonita, mas ao mesmo tempo sofrida”, disse. Ela considera que o cumprimento da obrigatoriedade da disciplina vai minimizar as desigualdades. “Esse é um grande passo para aprendermos a conviver com as diferenças”, considerou.

O diretor da Fundação Visconde de Cayru, Walter Cripino da Silva, falou sobre a satisfação em ser parceiro do Colégio da Polícia Militar. “É muito gratificante fazer parte de um projeto como esse. Espero que o nosso laço jamais seja desfeito”, afirmou. Na opinião do gestor da instituição que existe há 101 anos, somente através da cultura e educação os homens vão ter direitos iguais na sociedade. “Esses são os principais alicerces para o crescimento. Acredito que para a cultura não existem fronteiras, ao contrário ela universaliza os homens”, finalizou Silva.

Durante a apresentação do curso, o professor Jorge Portugal emocionou a platéia quando recitou seu poema Pele de Ébano, canção gravada pelo cantor Lazzo Matumbi. O coronel Deraldo Carvalho Neto representante do comandante geral da PM Antônio Jorge Ribeiro, justificou a ausência do comandante e fez um discurso emocionado: “O negro tem muito valor e nossas raízes hoje (ontem) estão felizes. Tenho certeza que através de uma iniciativa como essa a PM se torna mais brava, mais altaneira”, finalizou o coronel.

Aqui Salvador, Correio da Bahia, 21.11.2006
www.correiodabahia.com.br