Sunday, April 29, 2007
Personalidades Negras: A Artista de temperamento forte
Artista de temperamento forte
A trajetória de Yêdamaria inspira livro com lançamento hoje, no Instituto Feminino da Bahia
Ana Cristina Pereira
Atuante nas artes plásticas baianas há cinco décadas, a artista plástica e professora Yêdamaria tem uma presença discreta, mas marcada pela constância e coerência. Sua trajetória, desconhecida de muitos baianos, ganhou um belo registro no livro Yêdamaria, publicação luxuosa do Museu Afro Brasil e da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. O trabalho será lançado hoje, às 19h, no Instituto Feminino da Bahia (Politeama), com a presença da criadora e exposição de alguns de seus trabalhos. Na ocasião, também será lançado o livro Meninos Deus - Os meninos do Recolhimento dos Humildes e outros Meninos Deus, iniciativa das mesmas instituições.
O projeto do livro, uma espécie de biografia artística, era acalentado por Yêdamaria há cerca de 12 anos. Queria registrar um pouco de sua história, reunir seus principais trabalhos. “Já estava perdendo as esperanças. A Bahia me deu régua e compasso, mas as coisas aqui são difíceis”, afirma Yêda Maria Corrêa de Oliveira, 75 anos. O tom não é de lamúria. Ao contrário, diz a artista, sente-se privilegiada. “Fiz muita coisa, viajei bastante, fui à África representar meu país. Morrerei sem mágoas da vida”.
Terceira geração de uma família de educadores, ela lembra que seu avô, negro, lecionou ainda no tempo da escravidão. Yêdamaria integrava uma elite negra, tendo recebido uma educação esmerada de sua mãe, a professora Theonila. Mais, incentivo materno e familiar para furar o bloqueio masculino e branco e seguir carreira nas artes plásticas, formando-se na Escola de Belas Artes da Ufba nos anos 50, onde viria a ensinar anos depois.
Na apresentação do livro, Emanoel Araújo, diretor do Museu África Brasil, afirma que Yêda sempre o impressionou “pelo temperamento forte e por seu absoluto silêncio em relação à sua carreira profissional”. As primeiras telas de Yêdamaria datam de meados da década de 50, dando início à fase em que ela pintava barcos e que durou cerca de 12 anos. À esta seguiram-se sereias e de Iemanjás, e a absorção de técnicas como litografia, colagens e gravuras. Neste período, final dos anos 70, Yêda fez mestrado em Arte Estúdio na Illinois State University, apontado pelos críticos como fundamental em sua carreira.
Ainda nos Estados Unidos ela inicia sua longa, colorida e delicada fase de natureza morta, com destaque para a gastronomia e para as mesas postas, que perdura até hoje. Num belo texto incluído na publicação, o escritor Ildásio Tavares destaca que Yêdamaria “devolve-nos o prazer prazeiroso de olhar um quadro e se apaixonar por ele, pois sua arte explora o que o artista sempre teve de melhor, o poder da sedução, da sedução direta”, anota. O livro traz, ainda, uma seleta de artigos biográficos e analíticos, assinados por nomes como Wilson Rocha, Carlos Eduardo da Rocha, Rai Santana Trindade, Mário Cravo Júnior e Consuelo Pondé de Sena.
A seleção de imagens, com vários exemplos de pinturas (guaches, óleo sobre tela) e trabalhos com colagens, litografia, gravura e desenho, é primorosa. “Acho que meu trabalho fala da Bahia, do povo daqui, da minha raça, as flores, as frutas, o colorido, ainda acho que não há festa mais bonita do que a de Iemanjá. Até mesmo as mesas, já vi algumas maravilhosas nas casas baianas”, observa a artista.
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FICHA
Livro: Yêdamaria
Edição: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo/Museu Afro Brasil
Direção de arte: Paulo Otávio Gonçalves
Coordenação editorial: Cecília Scharlach
Preço: R$100 (240 páginas)
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Devoção ao Menino Jesus
O livro - Meninos Deus – Os meninos do recolhimento dos Humildes e outros Meninos Deus é um projeto conjunto de Emanuel Araújo e da museóloga e pesquisadora Lúcia Bittencourt Marques (1919-2000). O objetivo, explica Emanuel, foi resgatar uma tradição da criação artística tipicamente baiana. Em dois textos ilustrativos, ele e Lúcia explicam que o culto ao Deus Menino veio para o Brasil juntamente com as variadas ordens religiosas que aqui desembarcaram como as Beneditinas, Franciscana e Carmelita.
Cultivada em muitas instituições, a tradição ganhou destaque, por exemplo, junto às freiras do Convento do Recolhimento de Nossa Senhora dos Humildes, em Santo Amaro da Purificação, alimentada pela riqueza açucareira. Parte da rica seleção de imagens do livro vem justamente desse convento, e impressiona pelo delírio barroco de brocados, pedrarias, rendas, sedas e fios de ouro. Outras imagens são do Museu do Carmo, Convento do Desterro, Lar Fransciscano Santax Isabel e Instituto Feminino. As religiosas cuidavam, pessoalmente, de enfeitar as esculturas, inventando detalhes como sandálias de ouro e doando-lhes suas jóias.
No ensaio Natividade de Jesus Cristo e o Deus Menino da Bahia, Lúcia Bittencourt trata da adoração popular do Deus Menino. Diretamente ligados à comemoração natalina, o santo nenê tinha, e ainda tem, espaço de honra nos presépios caseiros, mesmo nas versões mais simplezinhas, nu e deitado na manjedoura. A estudiosa, que durante anos respondeu pela Comissão de Arte Sacra de Salvador, resume sua opinião sobre a tradição religiosa: “Uma das mais alegres do Brasil”.
O livro também traz algumas imagens de Recife e exemplares do Menino Deus em terracota criados pelos santeiros contemporâneos Dinorá Oliveira e Osmundo Teixeira, que mantêm viva a tradição na Bahia. Hoje, no lançamento, parte da coleção de Meninos Deus do Instituto Feminino poderá ser conferida pelo público.
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FICHA
Livro: Meninos Deus - Os meninos do recolhimento dos Humildes e outros Meninos Deus
Autora: Lúcia Marques
Organização: Emanuel Araújo
Fotografia: Sérgio Benuti e Claudionor Gonçalves
Edição: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo/Museu Afro Brasil
Preço: R$90 (160 páginas)
Fonte: Aqui Salvador, Correio da Bahia, 30.04.2007
http://www.correiodabahia.com.br/folhadabahia
/noticia_impressao.asp?codigo=127249
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