Saturday, December 02, 2006

Bate-Folha abriga Alaiandê Xirê pela primeira vez

Festival de sacerdotes músicos das três nações do candomblé agrega diversidade negra

Flávio Costa

Com a abertura da nona edição do Festival Alaiandê Xirê, o tradicional Terreiro do Bate-Folha, na Mata Escura, transformou-se, desde a noite de ontem, no ponto de encontro dos sacerdotes músicos das três nações de candomblé, queto, angola e jeje. O evento, que tem o objetivo de congregar as diversas religiões de matriz afro-brasileira, reúne, de maneira festiva, os mestres tocadores dos ritmos africanos – alabês (queto), xicarangomas (congo/angola) e runtós (jeje).

Além do caratér musical, o Alaiandê Xirê, que pela primeira vez acontece em um terreiro que não o Ilê Axé Opô Afonjá (em São Gonçalo do Retiro), também reunirá pesquisadores de temas ligados aos cultos afro-brasileiros. A entrada para o evento, que terminará amanhã, é gratuita. O festival foi aberto na noite de ontem com a exposição Fogo que fica, da artista plástica Suzana Duarte, que homenageia os inquices, as divindades da natureza cultuadas pelo povo de candomblé angola.

Logo depois, houve uma apresentação musical de vários grupos ligados a terreiros de Salvador e dos estados do Rio de Janeiro e de Pernambuco, com a direção musical de Fred Dantas. Ao final, ocorreu o show da banda Canjerê de Sinhá. Antes, a atriz Chica Xavier deu um depoimento a respeito da história do evento. “Para mim, é sempre uma honra participar deste evento, que antes de tudo significa uma celebração entre os povos de candomblé. Acho que este ano ele ganha mais significado com a sua realização num terreiro histórico como o Bate-Folha”, afirmou a atriz.

Festa do mestre tocador – Alaiandê Xirê significa, em língua iorubá, “festa do mestre tocador”. Alaiandê serve também como epíteto do orixá Xangô, que rege o evento. De acordo com a mitologia da religião dos orixás, Xangô é o mestre tocador, o maior dentre todos os tocadores e dançarinos de batá, um toque ritual em sua homenagem. Cada orixá ou inquice tem cântico, dança e batida rítmica próprios. “Para Oxalá, que é considerado o maior de todos os orixás, a batida é mais lenta e reverente. Já para Iansã, que é rainha dos ventos e dos raios, a batida é mais acelerada, mais dançante”, explica o advogado e membro do terreiro Alaketu, Florivaldo Cajé.

Ele coordenará hoje, a partir das 10h, a mesa-redonda Bate-Folha, o Mansu Banduquenqué: 90 anos de resistência, que será coordenada e terá a participação de estudiosos de todo o país. “A intenção da mesa-redonda é discutir e redimensionar a importância histórica do terreiro do Bate-Folha, que é um dos mais tradicionais da Bahia”, afirma Cajé.

Logo após, haverá a exibição das delegações de alabês, xicarangomas e runtós. Além dos grupos dos terreiros de Salvador, como a Casa Branca, haverá a presença de outros vindos do Rio de Janeiro e de Recife. Durante a exibição, Xangô “dobrará os couros” para os 90 anos do Bate-Folha, ou seja, o terreiro será homenageado. Amanhã será a vez da realização de uma outra mesa-redonda a respeito da origem dos povos bantos e uma nova apresentação de delegações .

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Músicos iniciaram evento há oito anos

O festival foi criado há oito anos por um grupo de membros do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, que sediou todas as edições do evento até este ano. Sua intenção é permitir o entrosamento de músicos especializados nas diversas nações culturais procedentes da África na diáspora brasileira, que vêm contribuindo na formação da música popular.

A decisão de mudar a sede do festival foi resultado da necessidade de ampliar sua abrangência. O Bate-Folha foi escolhido, sobretudo, por conta da amizade entre Manuel Bernardino da Paixão e mãe Iani, fundadora do Ilê Axé Opô Afonjá. “A escolha do terreiro Bate-Folha, além casar com os seus 90 anos de existência, tem este aspecto mais que simbólico como se fosse a celebração desta amizade entre os dois”, afirma a escritora e uma das fundadoras do Alaiandê Xirê, Cléo Martins.

“Desde a primeira edição, em 1998, o Alaiandê tem como escopo o apoio e o desenvolvimento de ações em prol da defesa, elevação e manuntenção da dignidade e da qualidade da vida – em especial das camadas mais pobres da população”, afirma Cléo Martins. Ela informa que uma das metas do grupo que organiza o festival é o estudo, a preservação e o resgaste dos mitos transmitidos oralmente.

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Árvores centenárias do terreiro

Ao ser iniciado na nação angola pelo muxikongo (designação dos naturais do Congo), Manuel Nkosi, sacerdote iniciado na África, Manuel Bernardino da Paixão recebeu a dijina de Ampumandezu – espécie de nomenclatura específica da religião. Após a morte do sacerdote, ele ligou-se a Maria Genoveva do Bonfim – Mam’etu Tuhenda Nzambi – mais conhecida como Maria Neném, mãe do angola da Bahia. Maria Neném era filha--de-santo de Roberto Barros Reis, escravo angolano, de propriedade da família Barros Reis, que lhe emprestou o nome pelo qual era conhecido.

A cerimônia de Maku-a-Mvumbi (Mão do Morto), à qual Bernardino se submeteu, coincidiu com a iniciação de Manoel Ciríaco de Jesus, nascido em 8 de agosto de 1892, também na Bahia, o que ocasionou a ligação estabelecida entre os dois. Com o falecimento de seu irmão-de-santo mais velho, Manuel Kambambi, que na época tinha casa aberta na Bahia, Ciriaco sucedeu Kambambi no terreiro que hoje é conhecido por Tumba Junçara.

Com o passar do tempo, Bernardino, já muito famoso, fundou o candomblé Bate-Folha, situado na Mata Escura no ano de 1916. O terreno onde está estabelecido o candomble é cercado de árvores centenárias e considerado o maior terreno do Brasil. As origens do Bate-Folha remetem a Congo e a Manuel Nkonsi e também de Angola por parte de Maria Neném.

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Programação

Sábado
10h – Mesa-redonda Bate-Folha, o Mansu Banduquenqué: noventa anos de resistência que será coordenada por Florivaldo Cajé, com a participação de João Antônio, Ricardo Freitas, Ângelo Peçanha, Tauá e Roberval Marinho
1h30 às 18h – Exibição das delegações de alabês, xicarangomas e runtós: Xangô dobra os couros para os 90 anos do Bate-Folha

Domingo
10h – Mesa-redonda As diferentes origens dos povos bantos
11h30 às 18h – Apresentação das delegações de alabês, xicarangomas e runtós: Xangô dobra os couros para os 90 anos do Bate-Folha

Aqui Salvador, Correio da Bahia, 02.12.2006
www.correiodabahia.com

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