A gravidez na infância
Fecundidade em mães até 19 anos é única que cresce. No Rio, 1.755 são menores de 14 anos
Rio - Aos 10 anos, mãe. Em vez das brincadeiras naturais de sua idade, Stephane enfrentou depressão pós-parto, situação difícil até para uma mulher adulta. Precisou superá-la, amamentar e cuidar de um bebê, aprendeu a trocar fraldas e abandonou os estudos. Hoje, sua filha tem 2, e ela, grávida mais uma vez, completou 13. Na cidade do Rio, uma a cada oito adolescentes de 15 e 19 anos é mãe. O atendimento custa à rede pública R$ 14 milhões por ano no estado. É um problema que não se pode mais empurrar com a barriga.
Assim como o número de filhos cresce ao diminuir a renda — situação revelada ontem por O DIA na série sobre planejamento familiar —, a gravidez precoce atinge principalmente comunidades pobres. Stephane mora em favela da Zona Sul, não estuda nem trabalha. O pai de sua filha tem 18 anos e renda que mal chega a um mínimo (R$ 350). Ao todo, o Estado do Rio tem 230.195 mães adolescentes.
Apesar de as taxas de fecundidade terem caído quase pela metade desde 1980, as estatísticas mostram que o único índice que cresceu foi o de mães adolescentes. “As meninas menstruam e entram na vida sexual cada vez mais cedo”, analisa o economista Marcelo Néri, autor da pesquisa ‘Perfil das Mães Brasileiras’. Casos tão precoces quanto o de Stephane já não são incomuns. A experiência de ser mãe faz parte da infância de 1.755 meninas de 10 a 14 anos no Rio.
Chefe do Pré-Natal do Instituto Fernandes Figueira (IFF), no Flamengo, Maria Célia de Freitas Leite Costa afirma que a maioria engravida sem desejar. “Muitas escondem da família, que só descobre no quarto ou quinto mês. Ou seja, têm pré-natal tardio”.
O serviço da Fiocruz na unidade também oferece às mães orientação para o planejamento familiar, na consulta de um mês após o parto. “Demoram tanto a vir que quando vêm muitas vezes já estão grávidas de novo”, lamenta Maria Célia.
Não é por falta de informação. Para a chefe do Pré-Natal do IFF, a maior parte das meninas conhece os métodos contraceptivos. “A maioria pensa: ‘Não vai acontecer comigo’. É como os jovens que dirigem em alta velocidade”.
Orientação. Esse é o foco do projeto Ana e Maria, do Viva Rio, em comunidades cariocas. Meninas atendidas pelo programa recebem aconselhamento aos estudos, incentivo à auto-estima, preparo para o nascimento do bebê e apoio psicológico.
No Jacarezinho, uma grávida em cada cinco
Rio - Em nenhum outro lugar do Rio é tão comum ouvir uma adolescente ser chamada de mãe como na Favela do Jacarezinho. Uma em cada cinco meninas entre os 15 e 19 anos na comunidade já deu à luz — ou 20% das jovens. No Rio, as cinco áreas de maior incidência de gravidez precoce ficam em comunidades carentes. Mas o que favorece tanta fertilidade juvenil? O bolo populacional cresce à base de ingredientes fartos na comunidade: baixa escolaridade, renda pífia e famílias desestruturadas. “O índice de gravidez é alto. É o resultado do meio em que vivem. Há programa para atender o adolescente. Marcamos com o grupo, mas a maioria falta às palestras”, observa a enfermeira Luzia Garcia Moraes, 62 anos, há oito no posto Renato Rocco, na entrada principal do Jacarezinho. A distribuição de preservativos enviados pelo Ministério da Saúde é insuficiente para atender a comunidade. Quem se cadastra no planejamento familiar recebe 20 camisinhas, contra as 30 recomendadas. Para adolescentes não inscritos, a cota é entre 10 e 15, dependendo do estoque. O trabalho de prevenção fica comprometido. Uma realidade que se alastra por outras comunidades. A assistente social Samantha Olivetti, 31, com atuação pela ONG Renascer, rodou por quase todas as favelas: “O número de preservativos nos postos de saúde é deficiente. Cansei de distribuir no Cantagalo e no Pavão-Pavãozinho. O material demora e quando chega é pouco. Em vez de 20 camisinhas, distribuía quatro”. MÃE-CRIANÇA: AOS 10 ANOS “Ela menstruou com 8 anos e ficou grávida aos 10. Na festa de 11 anos, estava com bebê no colo”, conta a mãe de Stephane, Rita de Cássia de Lima, 30 anos. “Desde que tinha uns 6, vi que ela poderia entender e comecei a orientar, mas nunca imaginei que menina dessa idade fosse gostar desse tipo de coisa”, completa, ainda surpresa em ter sido avó aos 28 anos. Rita passou a comprar anticoncepcional para a filha, que é casada. “Eu falava: ‘Tem que tomar todos os dias’. Aconteceu de novo por irresponsabilidade”, completa. “Eu esqueço de tomar”, admite Stephane, no quarto mês de gestação. Para Rita, T. é como uma filha. “Tenho que explicar que ela é pequena, que não adianta brigar, tem é que ensinar”, conta Rita, que fez laqueadura após o quarto filho.
No comments:
Post a Comment