Opinião: "Quem mora no morro não tem sonho" |
Fritz Utzeri, jornalista Eu acuso o governo do Estado de assassinar a menina Alana Ezequiel, baleada segunda-feira, no Morro dos Macacos, em Vila Isabel, durante tiroteio entre a polícia militar e os traficantes. A menina, de 12 anos, tinha acabado de deixar o irmão menor, de dois anos, numa creche, antes de voltar para casa e preparar-se para ir à escola. Alana era filha de Edna Ezequiel, diarista, que aos 29 anos tem ainda outros dois filhos, um total de quatro, de três pais diferentes, nenhum dos quais a ajuda. Ela é considerada uma boa mãe, todos os filhos estudam. A polícia afirma que a bala assassina partiu dos traficantes e é possível que isso tenha acontecido, mas por que o Estado é responsável? Há anos que denuncio, em vão, a política homicida do governo do Rio. Moro no Parque Guinle, local privilegiado, bem em frente ao Palácio Laranjeiras, e não muito longe da sede do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar (Bope). Essa polícia é treinada e condicionada para atuar como um grupo de extermínio. No tempo em que Rosinha & Rosadinho moravam no Palácio, era impossível que eles não ouvissem os cantos diários de instrução dessa "polícia", que entre outras coisas proclama a altos brados coisas como "eu faço coisas que assustam satanás", ou "sou treinado para matar" ou ainda "homem de preto, qual é a tua missão? É entrar lá na favela e deixar corpo no chão" ou, se não bastasse, "o interrogatório é muito fácil de fazer, pega o vagabundo e dá porrada até morrer", músicas que formam um songbook do terror, tortura, abuso e extermínio. Trata-se de uma verdadeira SS, a começar por seu emblema, um crânio atravessado por um sabre, símbolo que caracteriza certos grupos de "ações especiais", geralmente sujas, e movimentos neonazistas. É uma polícia de classe que recruta pobres, inculca-lhes um ódio aos membros de seu extrato social, ensinando-lhes que a favela é território de "vagabundos" que devem ser tratados a bala ou a "porrada". O maior indicador de presença dessa entidade criminosa é o chamado Caveirão, um blindado que ao chegar à zona de conflito vai logo anunciando: "Vim buscar a tua alma!", através de alto-falantes, semeando terror entre a imensa maioria de trabalhadores que vivem nessas comunidades e que se vêm colhidos pelo fogo cruzado dos bandidos declarados, de um lado, e dos que vestem farda, do outro. A morte de Alana é tão séria quanto a do menino João Hélio, que chocou a cidade por dois motivos, pela natureza cruel de sua morte, arrastado pela rua, preso ao cinto de um carro, mas igualmente, pelo fato de ser uma criança de classe média. Os pobres morrem como moscas e aparentemente ninguém se incomoda mais com isso. A polícia só tem um modo de ação: o confronto. Vale observar como muitas vezes já chegam às favelas atirando, enquanto os moradores não envolvidos no conflito correm para abrigar-se em meio a gritos de desespero e estampidos. Na ação em que Alana perdeu a vida, a polícia apreendeu 30 gramas de maconha e 45 de cocaína. Esse é o valor da vida de Alana, uma menina alegre, apesar de viver num barraco miserável, exatos 75 gramas de droga, apreendidas nessa guerra insensata. O governador Sérgio Cabral já manifestou publicamente sua discordância desse modo de ação. É uma proposta corajosa e é imperativo que dê seqüência às suas intenções e revolucione o meio de agir da polícia, sob pena de endossar, como o fizeram os seus antecessores, as ações de uma polícia que se ufana de seus crimes, cantando-os em plena rua. Até quando? JB Online, 11.03.2007 |
Sunday, March 11, 2007
Opinião: "Quem mora no morro não tem sonho"
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