Sunday, February 18, 2007

Indígenas preparam novo apogeu

Mica Rosenberg Reuters

POPABAJ, Guatemala. Enquanto o filme de Mel Gibson Apocalypto chama a atenção do mundo para a derrocada da cultura maia, nas montanhas e selvas da Guatemala o grupo indígena renasce. Um projeto de educação bilíngue na maioria das províncias maias do país traz de volta ao uso pelo menos 21 línguas que os colonizadores espanhóis quase levaram à extinção.

Estudantes da única escola da vila de Popabaj - no alto das montanhas, a duas horas de carro da capital, Cidade da Guatemala - aprendem a falar os números tanto em espanhol quanto no dialeto maia kaqchikel.

- Aprender as duas línguas é importante porque o kaqchikel é bonito e não queremos esquecê-lo - justicia Yessenia Saquec, de 14 anos.

Seus colegas de classe apresentam um seminário em kaqchikel, com histórias orais passadas pelos seus avós.

Os astros de Mel Gibson - personagens que praticam sacrifício humano - falam apenas maia yucatec, ainda usado por milhares de pessoas no México e em Belize. É apenas um dos 30 dialetos maias que que descendem de uma única língua ancestral, falada há 4 mil anos por cerca de 5 milhões de pessoas na Guatemala, México, Belize e em Honduras.

Cada uma das línguas maias está sendo padronizada com dicionários e gramáticas. A internet tornou ainda mais fácil criar e distribuir os materiais didáticos.

- Houve um aumento significante na quantidade de jovens que hoje falam línguas maias - festeja o advogado maia Amilcar Pop. - É um momento histórico.

O lingüista Michael Richards concorda. Registrou aumento em várias áreas da Guatemala no número de pessoas entre três e 14 anos que falam línguas maias.

- Há uma revitalização ocorrendo - disse. - Há mais orgulho étnico nas casas e escolas.

O editor maia Raxche Rodriguez lembra que cresceu com medo de falar seu dialeto maia nas ruas.

- Chamava muita atenção, só falávamos em casa - recorda.

Nos anos 80, educadores bilíngues que ensinavam crianças eram considerados guerrilheiros. Muitos foram sumariamente executados no meio da rua.

Outra prova de que hoje a situação étnica é melhor é a decisão da Prêmio Nobel da Paz, Rigoberta Menchu, de concorrer à Presidência da Guatemala. Se vencer, a ativista de direitos humanos vai se tornar a segunda líder indígena a chegar ao poder nas Américas nas últimas décadas. O primeiro é o presidente da Bolívia, Evo Morales.

Aliados do movimento indígena Winaq, dirigido por Rigoberta, já fazem campanha pela candidata - sempre usando as línguas nativas.

Os maias ainda sofrem na Guatemala com os maiores índices de pobreza, fome e analfabetismo dentre toda a população nacional, mas ativistas indígenas garantem que o trabalho de promoção de suas línguas e cultura ficou mais fácil desde o fim da guerra civil, em 1996.

Mais de 3 mil escolas bilíngues foram abertas em todo o país e todas elas dão prioridade aos dialetos maias nos três primeiros anos de educação de uma criança. Professores que aderem ao programa duplo recebem um bônus de 10% nos salários.

Os maias

Os conquistadores espanhóis chegaram à América Central a partir do século 15. Na Guatemala, aportaram em 1523 e, junto com a Igreja Católica, destruíram as civilizações indígenas e reprimiram o uso das línguas maias entre os sobreviventes.

De acordo com monumentos de pedra com os quais os maias costumavam contar a própria história, o esplendor da civilização deu-se entre o ano 292 e o século IX. Eles deixaram sua marca em outras culturas mesoamericanas.

O território maia estendia-se por quase toda a Guatemala, o ocidente de Honduras, Belize, e os atuais estados de Yucatán, Quintana Roo, Campeche, parte de Chiapas e Tabasco, no México.

Sem centralização estatal que unificasse as cidades, os maias desenvolveram um "mundo" homogêneo: o Mayab. Pode ser percebido como uma rede contínua de casas e campos de cultivo, interrompido apenas por acidentes topográficos e unidos pelos grandes centros urbanos.

Vilas maias inteiras foram massacradas pelas tropas do governo durante a guerra civil da Guatemala (1960-96). Muitos indígenas faziam parte de grupos guerrilheiros de esquerda. No conflito, mais de 250 mil pessoas morreram ou desapareceram.

www.Jb.com.br
18.02.2007

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