Tuesday, January 02, 2007
Ano regido por Exu pode ter mudanças importantes
Orixá da comunicação em nada se assemelha ao diabo cristão, com quem é associado
Adriana Jacob
E se você soubesse que o ano de 2007 será regido pela divindade africana que mais se aproxima da personalidade humana? Houve quem estranhasse, mas a consulta ao ifá, feita nas primeiras horas do ano nos terreiros de candomblé, confirmou: Exu e Omolu vão mesmo guiar a vida dos mortais nos próximos 364 dias. Apelidado de Homem das Encruzilhadas, Exu costuma agir exatamente como os homens. Quando bem tratado, retribui com carinho e atenção, mas quando é contrariado, não há quem escape de suas traquinagens. O que pouca gente sabe é que o Senhor dos Caminhos, orixá da comunicação, em nada se assemelha ao diabo cristão, com quem é tão freqüentemente associado. Ao contrário, tem papel fundamental na dinâmica do universo e, por isso mesmo, impulsiona grandes transformações.
“A sociedade pode passar por transformações importantes neste período, já que Exu é um provocador de mudanças. É ele quem impulsiona a vida e cria as condições dialéticas necessárias para a existência”, afirma o antropólogo, professor universitário e babalorixá Júlio Braga. De acordo com essa visão, Exu seria o responsável por promover a percepção do contrário e mostrar o outro lado de uma questão.
“Exu não é apenas o orixá das encruzilhadas, mas o Senhor dos Caminhos, em um sentido mais amplo, que vai desde a circulação sangüínea, passando por tudo o que se movimenta, até as relações infinitas das esferas celestes no universo”, explica o historiador Jaime Sodré. “Logo, não se pode ter uma visão reducionista, de achar que ele é o diabo”, ressalta o pesquisador.
Equilíbrio - Conhecedora dos mistérios dos orixás, a egbomi Cici, uma das antigas mães do Terreiro Ilê Axé Opô Aganju, localizado em Lauro de Freitas, destaca que as pessoas devem ter atenção redobrada para a ligação de Exu com o equilíbrio.
“Pode ser um ano de muita confusão, já que Exu governa o equilíbrio. No mesmo instante em que você está no alto, você pode cair. No mesmo momento que está cercado de coisas positivas, podem aparecer outras negativas. Tudo vai depender do seu procedimento: é preciso ter cuidado com o que se fala, o que se faz e o que se pensa”, afirma. Como Exu está associado ao movimento cotidiano, seja nas feiras, nas festas ou mesmo nas ruas, de acordo com a egbommi Cici, é importante ouvir, a cada dia, com muito cuidado, a própria intuição. “Ele é o orixá mais similar ao ser humano, com todas as suas paixões, defeitos e qualidades”, sintetiza.
Talvez devido à polêmica que cerca a imagem do orixá, ainda é difícil ver, nas mais antigas casas de candomblé, iniciados que sejam filhos e filhas de Exu. Mas aqueles que têm o orixá como divindade protetora garantem que o Senhor dos Caminhos só lhes traz alegrias. “Tenho orgulho de ser filho de Exu. Logo que descobri, achei um pouco estranho, mas depois que tomei a decisão de ser iniciado, ele só me deu forças. Hoje, me sinto outra pessoa. E todos os que me ajudaram também tiveram prosperidade”, afirma o babalorixá Edgar Costa de Carvalho, 32 anos, o único filho de Exu do Terreiro Ilê Axé Opô Aganju.
Cheio de admiração pela divindade africana, Edgar acredita que 2007 será um ano de prosperidade, mas exigirá cuidados especiais. “Como Exu adora o movimento, ele deixa os caminhos abertos, então pode haver muita briga. Exu gosta de alegria e de barulho”, diz. Edgar compara o espírito do orixá ao de uma criança: “Se você der uma oferenda de coração, ele aceita. Mas cuidado com o que prometer, porque ele vai cobrar”.
Omolu - O Senhor dos Caminhos vai reinar em 2007 ao lado de Omolu, o Senhor da Terra, orixá associado às doenças. “Ele pode estar ligado às endemias, mas também atua como um condutor das curas, o que pode ser um prenúncio do fim de alguns males”, analisa Júlio Braga. “Como está ligado à terra, dominando a natureza, pode ser que este seja um período de fartura”, diz o babalorixá.
Já a egbommi Cici conta que a mitologia de Omolu, associada ao seu oriki, diz que ele é o único escultor da carne humana, dono de todos os tipos de doenças, inclusive as deformantes e viroses. “É ele que espalha essas doenças. As pessoas devem, então, tomar cuidado e ser precavidas. Também podem prestar oferendas para Oxalá, que atrai a calma, a paz e a tranqüilidade”, aconselha.
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JORGE AMADO
Amante dos mistérios da Bahia e do candomblé, Jorge Amado – e também artistas como Mário Cravo e Tati Moreno – se encantou com a personalidade de Exu. Para o orixá, escreveu: “Exu come tudo que a boca come, bebe cachaça, é um cavalheiro andante e um menino reinador. Gosta de balbúrdia, senhor dos caminhos, mensageiro dos deuses, correio dos orixás, um capeta. Por tudo isso sincretizaram-no com o diabo: em verdade ele é apenas um orixá do movimento, amigo de um bafafá, de uma confusão, mas, no fundo, uma excelente pessoa. De certa maneira, é o não onde só existe o sim; o contra em meio do a favor; o intrépido e o invencível”.
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Tradição foi criada no Brasil
A escolha de um orixá, inquice ou vodun para reger o ano não está entre as tradições herdadas da África. De acordo com pesquisadores, essa foi uma das modificações que a religião de matriz africana adotou para se adequar às necessidades do novo mundo. “A religião é dinâmica, evolui e adquire novos hábitos. Nas antigas casas, as pessoas não recorriam aos búzios para saber o orixá do ano, ele era regido pelo conjunto de orixás”, explica o historiador Jaime Sodré.
Na opinião do pesquisador, a demanda por previsões fez com que passasse a ser adotado o critério do dia da semana em que se iniciasse o ano para definir que divindades regeriam seus 12 meses. Dessa forma, se o ano começa por uma segunda-feira, seus regentes serão Exu e Omolu, orixás homenageados toda segunda. “Curiosamente, trata-se de uma influência do calendário gregoriano, já que a semana africana só tinha quatro dias”, diz Sodré.
Na opinião do antropólogo, professor e babalorixá Júlio Braga, o atual modelo foi uma solução encontrada para adequar os mais de cinco mil terreiros de candomblé à demanda por uma divindade que “governe” o ano. “Na África, absolutamente, isso não existe. Lá, há um orixá protetor para cada cidade: Oxum, em Osobgó, Iemanjá, em Agbeokutá, e Iansã em Irá, são alguns exemplos”, enumera o pesquisador, que viveu por dez anos no continente africano.
Para determinar o regente do ano, outros terreiros fazem o jogo no dia 1o de janeiro, independente da coincidência com o calendário. “Muitas vezes, considera-se que essas divindades vão reger apenas o espaço interno daquela casa e sua relação com o mundo, e não todo o país”, compara Jaime Sodré.
Os dois pesquisadores, entretanto, enfatizam o respeito às novas práticas, fruto da adequação da prática religiosa a uma nova realidade, espacial e temporal. “O elemento importante é que se colocou no cotidiano a possibilidade de uma maior veiculação das divindades africanas. É uma oportunidade de conhecer, com mais clareza e menos preconceitos, a natureza de cada orixá, inquice ou vodun”, afirma Jaime Sodré.
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MEDIADOR
O sistema religioso do candomblé está baseado na comunicação, através da troca do axé, que possibilita a harmonia da existência. A oferenda é o fator de equilíbrio, e todo desequilíbrio é recomposto por uma oferta. Como Exu é o mediador, é através dele que a oferta é levada ao orixá. Nesse sistema, Exu é a figura-chave, já que somente através dele pode acontecer a troca de axé. Todas as cerimônias religiosas do candomblé são iniciadas com o despacho a Exu. Trata-se de uma reverência, já que ele é o único capaz de abrir os caminhos para que homens e orixás possam se comunicar. Por isso, é ele que deve ser homenageado primeiro, em todas as festas, antes de qualquer outra divindade. Para a saudação aos outros orixás começar, é preciso contar com a proteção de Exu. Nas casas de nação Angola, Exu é chamado de Izila. Já na nação Jeje ele é Elegbara.
Aqui Salvador, Correio da Bahia, 02.01.2007
http://www.correiodabahia.com.br/aquisalvador/noticia_impressao.asp?codigo=119717
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