Luiz Bassegio
Será que a Europa um dia compreenderá que não se trata de muros, baias, sistema de vigilância, patrulhas, centros de internamento, etc., mas sim de se investir e gerar trabalho nos países de origem para que a migração seja uma opção e não uma decisão forçada?
No dia 18 de dezembro, data da aprovação da "Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de suas Famílias", diversos países das Américas celebraram o Dia Mundial do Imigrante. No entanto, mais do que celebrar, as mobilizações mostraram que há muito por lutar e exigir para a promoção e o respeito aos direitos humanos e à cidadania universal dos migrantes. Exemplo da dura e triste realidade migratória aconteceu na véspera da data, quando 102 pessoas que partiram da África em "cayucos" (caiaques) tentando chegar às Ilhas Canárias, Espanha, morreram após tentar percorrer mais de 1200 quilômetros no mar, para chegar as ilhas.
Desde que se intensificaram os fluxos migratórios da África, rumo a Europa, nos últimos 5 anos, calcula-se que morreram mais de 6 mil imigrantes afogados nas águas do Atlântico e mais de 200 mil foram devolvidos aos países da África.
A busca de uma vida melhor dos africanos de Marrocos, África subsahariana - Malí, Serra Leoa, Guiné e Senegal -, em contingentes massivos, teve início há mais de dez anos. A princípio através das "pateras" (barcos) que partiam de seu país, atravessavam o Mediterrâneo e chegavam à Espanha, ou melhor, no sul do país. Aos poucos, porém, foram colocadas "baias" nas cidades de Ceuta e Melila, norte de Marrocos, câmeras de vigilância, radares e patrulhas no Mar Mediterrâneo. Mas nada disso tem impedido o fluxo migratório.
Nova rota de Imigrantes
Após uma promessa de 40 milhões de euros por parte da União Européia, a título de "Desenvolvimento", o governo de Marrocos colocou o exército para impedir a passagem dos migrantes. Também foi instalado ao longo da costa Norte da África o chamado SIVE (Sistema Intensivo de Vigilância Externa).
Agora, a nova rota de imigrantes para chegar à Europa torna-se ainda mais longa e perigosa. Trata-se de empreender uma longa e perigosa viagem passando pela Mauritânia, parte do Deserto do Saara, para chegar ao Senegal, por terra. Daí, por mar, os migrantes sobem pela costa africana até a altura das Ilhas Canárias. Quando chagam, são levados para os Centros de Internamento do sul da Espanha. Permanecem nos centros por 40 dias e depois são repatriados ou soltos na rua. Uma boa parte deles acaba trabalhando nas colheitas das frutas da região, em condições de semi-escravidão.
Se por um lado os muros não são suficientes para deter os imigrantes, além de tornar a viagem mais longa e perigosa tanto por terra como por mar, por outro, percebe-se que a iniciativa estimula o aumento das migrações. Os Senegaleses, que até então quase não migravam para as Ilhas, ao verem as pessoas de outros países passando pelo território do Senegal, começaram a seguir os mesmos caminhos. Assim, a vigilância e os muros do Mediterrâneo fizeram eclodir outro fluxo migratório, dos senegaleses para a Europa.
Para repatriar os que chegam às Ilhas Canárias, a Espanha, sempre a título de "Apoio ao Desenvolvimento", deu 35 milhões de euros ao Senegal. Em troca, este país teve que aceitar a repatriação de 5 mil imigrantes - teoricamente senegaleses, mas como boa parte não tem documentos, nesta cota são repatriados migrantes da Mauritânia, Serra Leoa, etc.
A perversa tática da União Européia
A externalização de fronteiras cria mecanismos pelos quais a possibilidade de se chegar à Europa torna-se mais difícil e mais perigosa e o local de partida dos migrantes cada vez mais distante do destino. Se antes eram apenas algumas dezenas de quilômetros através do Mediterrâneo, agora são 1500 km para se chegar ao Senegal e outros tantos ou mais, por mar, para se chegar às Ilhas Canárias, em "cayucos".
Mas não é só isso, a Europa serve-se de outros artifícios. São os próprios países de origem que devem exercer o controle através da polícia e da dificuldade de se conseguir visto; muitos pedidos de asilo passam a ser feitos nos países de trânsito, o que é muito difícil; há policiais da Europa nos aeroportos dos países de origem que fazem o controle mais rigoroso e as próprias empresas aéreas são obrigadas a ser rigorosas no controle, sob pena de multas. E mais, com a criação de "zonas de espera" nos países de trânsito, estes acabam se tornando país de destino.
Serão estas as soluções?
Como já dissemos muitas vezes, a migração é denúncia e anúncio. Denúncia de um modelo concentrador excludente e anúncio de outro mundo, outra política, onde além do direito de emigrar deve haver também o direito de não migrar, com condições de vida digna para se fixar no lugar de origem.
Será que a Europa um dia compreenderá que não se trata de muros, baias, sistema de vigilância, patrulhas, centros de internamento, etc., mas sim de se investir e gerar trabalho nos países de origem para que a migração seja uma opção e não uma decisão forçada, uma busca por melhores condições de vida e de trabalho. Além do mais, quando perceberão os europeus que os imigrantes rejuvenescem sua população, criam riquezas, cuidam de suas crianças e seus idosos e, além de tudo, alegram a vida dos países de destino?
A solução não está nos muros, mas no desenvolvimento sustentável dos países de origem.
Luiz Bassegio é secretário executivo do Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM), da CNBB.
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