Friday, December 08, 2006

A violência e o caos social analisados por um policial militar

Renato Dutra Pereira*


A quantidade de detentos no Brasil dobrou nos últimos oito anos. Em 1995 era de 148.760, em 2006 eles já são 358.404. E segundo uma pesquisa do Ministério da Justiça sobre os presídios no Brasil, a quantidade de vagas necessárias para acabar com a superlotação dos presídios só aumenta. Em 1995 era de 80.163, em 2006 já é de 157.058. E ainda segundo o Ministério da Justiça, criar uma vaga num presídio custa ao Estado R$ 20 mil, o equivalente a cinco casas populares. E dos 25 Estados pesquisados, 18 admitem a existência de facções criminosas nas cadeias.

Com o método de manter os presos sem trabalho e sem atividade, os presídios geram despesas para o Estado e inviabilizam a recuperação dos condenados, transformando-se em universidades do crime. Hoje 23,9% dos que são condenados entram no presídio por roubo, 10,5% por tráfico, 9,1% por furto, 8,9% por homicídios e 47% por outros crimes. Desse total, 98% são negros, pobres e uma grande maioria, 80%, são analfabetos ou não completaram o ensino fundamental. Sem contar que 60% têm menos de 30 anos, 83% não estudam e 74% não trabalham.

Já diz o ditado popular que “mente vazia é oficina do diabo”. E por isso mesmo a principal chance de ganhar dinheiro na cadeia é com o tráfico e com extorsões praticadas por intermédio de celulares. Os mesmos celulares que comandam assassinatos, seqüestros, roubos, estelionatos e outras tantas ações criminosas organizadas ou não.

Querer que apenas a polícia dê conta de resolver a questão da violência é querer tapar o sol com uma peneira. Isso porque policiais recebendo salários achatados e incompatíveis com sua função de agentes públicos de segurança não têm condições de combater de forma eficiente essa avalanche de crimes e ações criminosas.

As polícias, civil, militar e federal não conseguem combater toda essa onda de violência porque na verdade suas origens não estão no crime organizado. Mas na desigualdade social, na urbanização desordenada, desestrutura familiar, na impunidade, na falta de políticas públicas, no acesso fácil às armas, na concentração de renda, no desemprego, no narcotráfico e em outras tantas mazelas do nosso sistema político e econômico.

A morosidade do Poder Judiciário leva o cidadão a deixar de lutar por seus direitos e freqüentemente pensar que é possível “fazer justiça” com as próprias mãos. Além disso, outro fator inibidor é o alto custo das taxas judiciais e custas processuais, que torna as pequenas demandas impraticáveis. Acrescente-se ainda o baixo salário dos delegados, muitas vezes desestimulados. Contraditoriamente, juízes ganham salários astronômicos, muitas vezes equivalentes a vários meses de trabalho de um delegado ou até em mais de um ano de um agente policial.

Cesare Beccaria, um pensador do século XVIII, já nos advertia: “As vantagens da sociedade devem ser distribuídas eqüitativamente entre todos os seus membros. Entretanto, numa reunião de homens, percebe-se a tendência contínua de concentrar no menor número os privilégios, o poder e a felicidade, e só deixar à maioria a miséria e debilidade”. Eis a raiz da violência e da barbárie que vivemos e que ainda nos levará para um caos social quase impensável hoje.

*Renato Dutra Pereira é 1º Sargento da Brigada Militar em Santa Cruz do Sul, RS

Título original: A violência e o caos social

Fonte: Gazeta do Sul, Santa Cruz do Sul, RS – 04 12 2006
Site: www.gazetadosul.com.br

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