Saturday, April 07, 2007

Declaração controversa

Carmen Azevêdo

Noticiada em revistas e jornais de circulação nacional, a declaração da ministra Matilde Ribeiro, titular da Secretaria Especial de Política da Promoção da Igualdade Racial (Seppir), em entrevista à BBC Brasil na semana passada, tomou proporções extremas. Ela disse que considera “natural” a discriminação dos negros contra os brancos. “A reação de um negro de não querer conviver com um branco, eu acho uma reação natural. Quem foi açoitado a vida inteira não tem obrigação de gostar de quem o açoitou”, afirmou. O comentário reacendeu os debates sobre o racismo no Brasil.

“É uma opinião absolutamente infeliz”, enfatizou o presidente da seccional baiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Saul Quadros Filho. Para ele, a justificativa para o fato só pode estar em um momento de entusiasmo, de emoção, da ministra, no trato de alguma questão relacionada ao assunto. “Acredito que tenha sido uma explosão emocional”, define. O jurista admite que existe, sim, a mancha do preconceito, mas que ela foi deixada pelos colonizadores portugueses. “Essa mancha não surgiu com a origem do povo brasileiro, não com o Brasil atual, civilizado. O próprio movimento abolicionista foi liderado por negros e brancos”, relembra.

Mas se o jurista acredita na infelicidade da afirmação de Matilde Ribeiro, alguns representantes do Movimento Negro acham que “infeliz” foi a forma como a imprensa se posicionou sobre o fato. O coordenador nacional do Movimento Negro Unificado (MNU), Marcus Alessandro Mawusí, é um deles. Ele considera a postura de alguns veículos de comunicação como “maldosa” e pontua que a análise tem sido feita por alguns setores da mídia que não aceitam a criação de uma secretaria dedicada a cuidar da promoção da igualdade racial. “Além disso, é importante esclarecer que não existe possibilidade de os negros serem racistas. O racismo é uma ideologia de poder. Tínhamos que estar no controle para isso”, ressalta.

A postura da imprensa foi também alvo das críticas do negro africano Detoubab N´Diaye, 34 anos. Doutorando em ciências sociais pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), ele vê com ressalvas a repercussão do tema na mídia. “O contexto em que ela falou isso é que tem que ser considerado. Afinal, quando o negro olha a história dele, fica amargurado com o que sofreu. Foram muitos anos de ódio, inclusive de cotas para brancos na educação – afinal, os negros eram proibidos de estudar”, relembra. Para N’Diaye, a ministra foi apenas mal interpretada, principalmente porque até hoje os negros sentem o peso dos atos dos brancos.

Quem partilha desta opinião é o procurador geral de Justiça, Lidivaldo Britto. “Acho que a afirmação foi tirada de um contexto e criticada. O que eu achei mais interessante é que ela (Matilde Ribeiro) fez questão de ressaltar que não estava incitando o racismo. Para mim, isso já não daria margem a essas críticas”, observa.

Com a mesma naturalidade com que a ministra teria feito a afirmação, o presidente do Ilê Aiyê, Antonio Carlos dos Santos, o Vovô, percebe o ocorrido. “Não vi nada demais no que ela disse. Acho apenas que os brancos podem dizer o que querem – isso é visto como injúria, difamação –, mas quando o negro fala o que quer, é racismo”, comparou. O líder negro acredita ainda que a declaração, como receiam alguns, não incita o racismo. “Acho importante que ela mesma (a ministra) disse que não estava incentivando a prática”, concluiu.

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Trecho polêmico

Confira o contexto em que a ministra deu a declaração à BBC Brasil

BBC Brasil - E no Brasil tem racismo também de negro contra branco, como nos Estados Unidos?
Matilde Ribeiro - Eu acho natural que tenha. Mas não é na mesma dimensão que nos Estados Unidos. Não é racismo quando um negro se insurge contra um branco. Racismo é quando uma maioria econômica, política ou numérica coíbe ou veta direitos de outros. A reação de um negro de não querer conviver com um branco, ou não gostar de um branco, eu acho uma reação natural, embora eu não esteja incitando isso. Não acho que seja uma coisa boa. Mas é natural que aconteça, porque quem foi açoitado a vida inteira não tem obrigação de gostar de quem o açoitou.

Fonte:www.bbc.co.uk/portuguese/

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A CRIAÇÃO de uma TV pública foi um dos pontos altos do discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a posse de novos ministros, no Palácio do Planalto. Durante a solenidade, Lula disse que essa TV deve ser séria e fazer “o que muitas vezes a TV privada não faz”. O presidente acrescentou que quer uma coisa 24 horas por dia e que não seja chapa branca. Em tom exaltado, afirmou: “Chapa branca parece bom mas enche o saco. E gente puxando saco, não dá certo”. O que você acha da criação de uma TV pública? Esse é o próximo tema do debate do Correio da Bahia. Quem quiser pode participar enviando opiniões e depoimentos através do e-mail debate.redacao@correiodabahia.com.br.

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FALA-POVO

O que você acha da declaração da ministra?

“A MINISTRA Matilde Ribeiro está meio equivocada. Essa atitude de racismo está indo contra a função que ela exerce hoje no governo. Acho que foi uma avaliação impensada”.
Cristóvão Teixeira, 21 anos, estudante

“DEVIDO ao cargo que a ministra ocupa hoje, acho que ela não está desempenhando bem o trabalho que deveria. É natural que o negro tenha ódio do branco, porque conhece o histórico em que os brancos açoitaram para se manterem no poder. Mas com uma declaração dessas, em vez de amenizar, ela está incentivando os conflitos”.
Eldo Santana, 21 anos, estudante

“NÃO HÁ justificativa para um tipo de declaração dessas. Os que açoitaram já não vivem mais, fazem parte do passado. Hoje, as pessoas têm outra mentalidade. Acho que a declaração só se justificaria se a escravidão, por exemplo, continuasse até hoje”.
Conceição Pinheiro, 38 anos, administradora de empresas

“ESSA declaração não tem nada a ver com a realidade. Isso é coisa do passado, não se pode continuar mais com esse pensamento. Os negros estão conseguindo mudar a situação - apesar de ainda não ganharem o mesmo salário, já estão mais próximos do patamar salarial dos brancos. Eles também contam com as cotas agora”.
Railson de Sousa, 23 anos, auxiliar de produção

“FAZ sentido a afirmação, pois alguns brancos se acham melhores do que os negros. Se aproveitam de algumas situações para mostrar que são superiores. E isso irrita. Na verdade, são todos a mesma coisa. Quando morrerem, vão todos para o mesmo lugar”.
Antonio Silva, 44 anos, motorista

Aqui Salvador, Correio da Bahia, 07.04.2007
http://www.correiodabahia.com.br/aquisalvador/
noticia_impressao.asp?codigo=125746

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