Saturday, January 27, 2007

RITUAIS INDÍGENAS

Karajás apresentam ritos de passagem no Solar do Unhão

RITUAIS INDÍGENAS
Mariana Rios

Wajurema Karajá, 90 anos, é cacique e nunca tinha saído da aldeia no Parque Indígena do Araguaia, Ilha do Bananal, Tocantins, a 400km de Palmas. Há quatro dias, em Salvador, pela primeira vez em sua vida viu o mar. Senta, cruza as pernas, tira o pequeno cachimbo do bolso, com fumo, e acende. Nas maçãs do rosto, dois círculos tatuados. Nos vincos da face, traz ainda traços negros, que identificam sua etnia. Pergunta, misturando português e o karajá, se o artesanato trazido será comercializado na feirinha montada no Solar do Unhão. Ali, amanhã, às 19h, o rito de passagem que marca seu povo será apresentado, em projeto com patrocínio da Petrobras, tendo como pano de fundo o mar da Baía de Todos os Santos. A entrada custa R$6, e a meia R$3.

Desde sexta-feira, o solar sedia o projeto Ritos de Passagens – Canto e Dança Ritual Indígena, cuja proposta é aproximar e estabelecer um novo contato entre a tradição nativa do Brasil e seu povo urbano. Apenas olhar seu Wajurema Karajá é identificar os “brasis” perdidos na imensidão de desconhecimento de seu próprio povo. Sua visita é para apresentar-se:

“Awire, saúda”. Ele veio apresentar seu povo, quem são, como vivem e como mantêm, após 200 anos de contato, cerimônias como o hetohoky, quando os índios cobrem o corpo com o sumo do jenipapo e celebram.

Ontem à noite, duas aldeias apresentaram-se: o povo kiriri, da aldeia Mirandela, localizada entre os municípios de Banzaê e Quinjingue, norte do estado, e o povo pataxó, da aldeia Mãe da Barra Velha, no Parque Nacional de Monte Pascoal, em Porto Seguro. À tarde, fizeram uma prévia para o público presente, que pôde conferir a juventude na linha de frente para a manutenção do conhecimento e da cultura de seu povo. A voz grave e forte do jovem Raoni Pataxó, 20 anos, puxava o coro, acompanhado também por delicados pés femininos na encenação da cerimônia do Awê.

Nela a comunidade busca forças para enfrentar os desafios da vida e Inawã Brás, 18 anos, com traços e riso delicados, afirmou emocionar-se toda vez que dança com o grupo, cuja média de idade é de 20 anos. “É uma força que brota, danço desde os 5 anos e toda vez não faço sem lembrar minha ancestralidade. É uma homenagem”, explicou a jovem Pataxó. Hoje, às 20h, o público pode conferir a apresentação do povo xavante, vindos do Mato Grosso. Conscientes do seu papel, também no discurso coerente com a preservação dos seus espaços, os índios querem ser sujeitos ativos nesse novo processo. Sabem da importância de manter a floresta e o cerrado intactos para garantir a existência futura de seu povo e tradição.

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Aldeia sustentável

O cacique xavante da aldeia Wederã, a 700km de Cuiabá, Mato Grosso, explica, com propriedade, que é possível tornar a aldeia sustentável com a floresta e o cerrado em pé. “É uma coisa nova para gente e para o governo focar novas políticas públicas. Mas é viável explorar de forma sustentável o meio ambiente”, afirmou Cipassé Xavante, 38 anos, que aos 9 deixou a aldeia por determinação do seu avô, o então cacique Apow?, para estudar em Ribeirão Preto. Atualmente, nenhum índio precisa deixar a aldeia para ter acesso à educação formal, garante Cipassé.

A sobrevivência da aldeia está apoiada do tripé produção de subsistência, artesanato e turismo ecológico – este último, a aposta da nova geração em sustentabilidade. “Estamos testando um projeto-piloto e investigando a melhor forma de fazê-lo com o mínimo impacto. Por isso, todo cuidado”, garantiu Cipassé, que já recepcionou na aldeia três grupos, formados por dez pessoas, em geral de professores e estudantes universitários.

A programação, explicou, dura três dias e compreende recepção e acompanhamento da rotina na aldeia, uma aula indígena sobre o cerrado e as relações com o povo Xavante, além de acompanhar, pelo Rio das Mortes, a busca pela base da dieta da aldeia – a caça. A preocupação de Wajurema, do início desta história, com a venda do artesanato, tem tudo para se tornar secundária, se a população indígena ocupar de fato o posto de representante e defensora de nossas maiores riquezas.

Aqui Salvador, Correio da Bahia, 27.01.2007
http://www.correiodabahia.com.br/aquisalvador/
Snoticia_impressao.asp?codigo=121303

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