Monday, February 05, 2007

Deusa do Ilê

A dançarina Fernanda Ramos do Nascimento, 20 anos, reina na Noite da Beleza Negra 2007

Ciro Brigham

O manto de Deusa do Ébano 2007 do Ilê Aiyê pertence à dançarina Fernanda Ramos do Nascimento, 20 anos. Ela, que encantou os jurados e deixou outras 14 postulantes finalistas para trás, vencendo a 28ª Noite da Beleza Negra. Ela, que juntou o gosto das lágrimas ao sorriso incontido, e que agora, é a mais nova rainha de uma estética fundamentada na valorização e no respeito à ancestralidade africana. Às 03h35 de ontem, no recém-inaugurado Museu du Ritmo de Carlinhos Brown, inquisses, orixás, voduns e caboclos salpicaram suas bênçãos sobre a mulher que será o destaque do “mais belo dos belos” na avenida, e a cara do Ilê durante um ano.

No antigo Mercado do Ouro, na cidade baixa (Comércio), deusas negras a peso de diamante se preparam para brilhar. São 15 mulheres que, dentre 57 inscritas, foram alçadas à passarela em função de um sonho: reinar para os súditos da Senzala do Barro Preto, sede do Ilê. É olhar para cima e ver que a Liberdade está logo ali, quase a se derramar por sobre as veneráveis. Elas vestem trajes e ostentam torços de amarração. Enfrentam o calor dos bastidores, a curiosidade, os flashes e os microfones. Estão mais do que prontas.

A festa que as aguarda tem palco e atrações musicais. Tem telão com depoimentos das Deusas de Ébano veteranas. Tem a banda Só Samba de Roda, que se soma ao mormaço da noite e inicia a transformação do Museu du Ritmo em caldeirão. Tem Vovô do Ilê, presidente do bloco, ansioso. “Está muito bonito, né? Cada vez que você vê um resultado desses, é emocionante. A gente percebe que a transformação está acontecendo”. Vovô fala da consciência racial, da assunção plena da identidade negra, da reparação histórica. Depois sorri, e segue a receber cumprimentos e convidados.

Identidade - Um deles é o governador Jaques Wagner, acompanhado da primeira-dama Fátima Mendonça. “Não é um simples concurso, é um desfile de afirmação da identidade negra, uma reverência à história e à cultura do povo negro. E neste espaço recuperado por Carlinhos Brown, conseguiram casar de forma muito bonita e harmoniosa a busca da identidade do Ilê com a de Carlinhos”, comenta Wagner. Outra é a atriz Regina Casé, amiga de longa data do Ilê e fã incondicional da filosofia que rege o bloco. “Milhares de coisas eu aprendi com a Bahia, com o Ilê. Fazer parte disso, ter me envolvido com isso, é uma das coisas mais importantes da minha vida”, se derrama a atriz, sorridente.

Rainha e princesas do Carnaval, escolhidas semana passada, também estão ali, bem próximas à passarela. Agora é a Band’Aiyê que se apresenta. Músicos e dançarinas interagem com o público – casa cheia. Os apresentadores anunciam os nove membros do júri. Está na mão dessa gente escolher a rainha negra. “A beleza tem que ter afinidade com essa questão que é tão bem representada pelos negros. Tem que ser bonita, ter a expressão generosa, ter o sorriso da Bahia, abençoado pelos orixás”, sugere a jurada Emília Salvador Silva, que é presidente da Bahiatursa. “A Deusa do Ébano tem que traduzir o sentimento do pioneirismo, da tradição e da cultura. Tem que unir a alegria e a força da luta negra”, coloca o também jurado Sérgio Guerra, fotógrafo responsável pela exposição Salvador Negroamor, que espalhou, por toda a cidade, banners e pôsteres retratando a gente negra da Bahia.

Desfile de candidatas encanta a platéia

As 15 concorrentes dividiram holofotes e olhares no Museu du Ritmo, até ser definida a Deusa do Ébano 2007

Ciro Brigham

Por ordem alfabética, as 15 candidatas à Deusa do Ébano entram em pés, mãos e pele de igualdade, ao som da Band’Aiyê. Dançam juntas, azeviches, mulheres do ventre d’África. São como orixás, voam sutis num bailado rente ao solo, apresentam sorrisos como oferenda, abanam as ancas sugerindo a fertilidade que os deuses lhe comunicam ser possuidoras. Dividem as luzes e os olhares no recém-inaugurado Museu du Ritmo.

Recebem os aplausos e vão se preparar para o retorno em busca do triunfo.
É hora do desfile individual. São poucos os minutos para que cada uma justifique sua presença. Lindas, livres, uma a uma, se apresentam. Uma a uma, emocionam. Criam atmosfera própria, absorvem seus personagens. São iorubás, jêjes, nagôs, bantos. Vêm da Costa do Ouro, da selva do Congo, da Baía de Luanda. Fazem a rota do passado, anunciam uma nova diáspora, encarnando tudo o que não se perdeu nos porões da grande travessia. Encantam. A beleza negra é não é menos que o esplendor de sua cultura, e a mais esplendorosa é Fernanda Ramos do Nascimento.

Vencedoras - Entre o fim do desfile e o resultado, show de Edson Gomes. Diversão para o público, espera angustiante de quase duas horas para as candidatas. Jedjane de Souza, 25 anos, arte-educadora, atriz e dançarina de Pernambués, fica com o terceiro lugar (Troféu Azeviche, R$1 mil e fantasia para o Carnaval). Geórgia dos Santos Cardoso, 24 anos, moradora da Estrada da Rainha, é a segunda na soma dos pontos (Troféu Azeviche, R$2 mil e fantasia). Campeã, a menina de 20 anos do bairro de São Caetano, dançarina formada pela Escola de Dança da Fundação Cultural do Estado, é ovacionada.

Fernanda volta a dançar, para receber o manto de campeã das mãos de Kátia Alves de Jesus, que reinou em 2006. As duas choram e se abraçam. Dona Judite Maria dos Santos, pequenina e eufórica, baila e delira: é a avó orgulhosa, que se faz presente. “Dedico a Deus e à minha avó, que com certeza, foi a pessoa que mais torceu por mim. Pra ela também foi um sonho”, reconhece a neta, que completa: “Estou muito orgulhosa por representar a mulher negra e poder defender a sua valorização”.

Vovô do Ilê aproveita a entrega do Troféu Deusa do Ébano para mandar um recado, bem ao estilo Ilê Aiyê: “Tem uma minoria racista incomodada com a exposição de Sérgio Guerra (Salvador Negroamor), mas a Bahia tem a cara preta e é assim que ela tem que ser mostrada. Eu estou muito feliz”. A Salvador que se aceita de todas as cores, também.

Fonte: Aqui Salvador, Correio da Bahia, 05.02.2007
http://www.correiodabahia.com.br/
aquisalvador/noticia_impressao.asp?codigo=121891

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