Saturday, February 03, 2007

Yemanjá: Adeptos do culto afro reforçam cuidados no preparo da oferenda

Adeptos do culto afro reforçam cuidados no preparo da oferenda

Ialorixás e iaôs zelam pelo bom andamento das homenagens à deusa das águas

Ciro Brigham

Em pé, no barracão, ela permanece o tempo todo ao lado da grande oferenda. Está inteira, aparenta tranqüilidade. Na mão esquerda, uma garrafa plástica de água mineral. No semblante, a expectativa disfarçada por sorrisos singelos e olhares atentos à movimentação dos que a ajudam. Aos 71 anos, mãe Aíce de Oxóssi exerce de forma silenciosa a autoridade de quem é responsável pelas homenagens a Iemanjá.

Para a ialorixá do terreiro Odé Mirim (Federação), filha de Oxóssi e Oxum, é assim há 14 anos, desde que foi escolhida para comandar as homenagens a Oxum e Iemanjá, por um conselho de pescadores. Ela é sucessora de Júlia Bogan, que foi ialorixá de um terreiro que ficava no bairro do Garcia, e que já não existe. O presente principal de 2007, um cavalo marinho, encobre as oferendas preparadas por Mãe Aíce (comidas rituais e “fundamentos” do povo-de-santo), que demoraram sete dias para ficar prontas. Um trabalho sagrado, envolto em segredos.

Por isso, com suas unhas vermelhas, anéis, pulseiras e colares de contas, a ialorixá que aguarda o momento da saída da oferenda tem motivos para trair a aparente serenidade. “Está tudo indo”, responde, nervosa, à pergunta sobre o estado das coisas naquela altura. Enquanto o atabaque é tocado e as caridosas baianas que cercam mãe Aíce derramam alfazema nas mãos de quem as projeta, a ialorixá atira milho, conserta o arranjo de flores e passa o tempo como pode. Assim que a oferenda ganha os braços dos pescadores, ela suspira. “Eu estava nervosa”, diz.

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Festas particulares às custas da tradição

A corte a Iemanjá faz do Rio Vermelho um turbilhão humano. Tem gente que vai deixar oferenda e por ali mesmo fica a fim de curtir o conseqüente rescaldo profano. Tem gente que aproveita a festa de largo com os amigos e a família, colocando umas cadeiras na varanda ou na calçada de casa. E tem gente que compra ingresso para estar no olho do furacão, mas longe o suficiente das motivações maiores da festa.

Há alguns anos que hotéis, restaurantes, bares e casas de shows aproveitam a data para organizar eventos fechados que nada ou pouco têm a ver com a manutenção da tradição em nome de Iemanjá. A onda é lucrar, aproveitando o perfil de quem prefere olhar tudo de maneira absolutamente higiênica, de preferência, se empanturrando com iguarias que abarrotam bufês cheios de esplendor.

Enquanto a fila das oferendas segue lenta, e os grupos de samba, blocos afros e rodas de capoeira se espalham em seus percursos pelo bairro boêmio, feijoadas completas e almoços reforçados são o carro-chefe de instalações adaptadas exclusivamente para o dia 2 de fevereiro. Parecem camarotes de Carnaval. “Vale a pena não ter o pé pisoteado e apreciar essa vista”, discursa a comerciante Alice Maria Oliveira, 35 anos, que se debruça na sacada do Restaurante Santa Maria Pinta e Nina, no Largo de Santana, ao som de músicas de boate.

Na creperia Sacre 227, a feijoada – que como várias outras tem direito a camiseta estilizada – ganha status de “sagrada”, devidamente atribuído em nome do marketing que transforma Iemanjá em fórmula de multiplicar cédulas. No Pestana Hotel, teve a Feijoadinha (com direito a bandas de pagode e axé). Não faltou comilança também na Companhia da Pizza e no Restaurante Extudo, precursor da moda que se estabeleceu como uma das principais providências caça-níqueis pré-carnavalescas de Salvador. Oportunistas ou não, na opinião dos que participam, as festas particulares emprestam charme à confraterização que já foi exclusiva das ruas. “Tem gente que não viria se não fosse assim”, argumenta o estudante Diógenes Almeida, prestes a garfar o calórico pedaço de baicon que nada no pré-textual e suculento feijão preto.

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Diálogo entre as religiões

Adriana Jacob

Um encontro inter-religioso com representantes das três nações da cultura de matriz africana que coexistem em Salvador chamou a atenção de baianos e turistas que chegaram cedo aos festejos em homenagem a Iemanjá. O grupo Ilê Fun Fun, da Casa Branca – nação ketu, Esmeraldo Emetério, xicarangoma do Terreiro Tumba Junçara – nação angola –, Gilberto Leal, gano do Terreiro Bogum – nação jeje –, e dona Conceição, do Centro de Caboclos Sultão das Matas, participaram do ato, com direito a entoação de cânticos sagrados em homenagem à rainha das águas salgadas. O encontro, promovido pela Fundação Gregório de Matos, foi realizado em um pequeno palco montado ao lado da escultura Cetro da Ancestralidade, do artista plástico Deoscóredes Maximiliano dos Santos, o Mestre Didi.

“Esta festa é um momento muito particular de concentração e de homenagem a essa deusa da maternidade, divindade maior desse universo aquático que representa o mundo onde habitam seres materiais e imateriais”, afirmou o gano do Terreiro Bogum. Ele destacou a importância da água como elemento divino, independente da nação africana de origem religiosa.

Esmeraldo Emetério, o Chuchuca, destacou o local escolhido pelos antepassados para a realização da festa em homenagem a Iemanjá, o Rio Vermelho. É que, de acordo com as lendas africanas, a divindade transformou-se num rio para correr mais depressa tentando fugir do marido, que a maltratava. Barrada pelo antigo companheiro, que se transformou em uma montanha, ela pediu ajuda a Xangô. Com um raio, o senhor do fogo dividiu a montanha ao meio, e Iemanjá pôde correr para o mar. “Não foi por acaso que nossos antepassados escolheram este local para a realização da festa, afinal aqui também há um rio que deságua no oceano”, afirmou o xicarangoma do Terreiro Tumba Junçara. “É uma pena que, devido ao descaso dos poderes públicos, ele esteja poluído”, acrescentou.

Na segunda edição do encontro inter-religioso, o presidente da Fundação Gregório de Matos, Paulo Costa Lima, explicou que o objetivo da iniciativa era responder ao questionamento de como um órgão de cultura poderia se relacionar com uma festa popular que já possui sua organicidade, sem criar algo artificial. “Pensamos em promover um encontro de todas as Áfricas que existem na Bahia através da música e do pensamento”, afirmou Lima. Na noite do dia 1º de fevereiro, a fundação lançou o CD Cantigas de Iemanjá, com cânticos gravados pelos participantes do encontro. O álbum é o segundo lançamento da Série Trilhas Urbanas.

Para a enfermeira carioca Maria Padilha, que veio a Salvador especialmente para participar da festa, o ato pode ajudar a fortalecer o respeito à religiosidade de matriz africana. “É uma maneira de mostrar o culto afro para que todas as pessoas possam ouvir e ver uma parte dessas tradições. Apesar do encontro não refletir toda a essência da religião, ele ajuda a combater a intolerância religiosa, principalmente diante das religiões evangélicas”, afirmou Padilha, que participa, todos os anos, do 2 de fevereiro. “Venho oferecer o que tenho de melhor e pedir que o ano seja afortunado”.

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Samba-de-roda embala a devoção

Flávio Costa

Do alto de seus 57 anos, Maria Rita C.M. dos Santos, ou melhor, Rita da Barquinha rebola seu franzino corpo para lá para cá, ao som da chulada. Ela equilibra na cabeça uma barca de 70cm de comprimento e que pesa pelo menos 4kg enquanto anda pelas ruas do Rio Vermelho, apertadas e apinhadas de gente. O horário marca meio-dia e sol é inclemente. O sacrifício dela vale a pena: dentro da barquinha que Rita carrega no alto do cocuruto estão oferendas para a rainha do mar. São rosas brancas, sabonetes, espelhos de pequeno porte e pentes. E música também. Rita é movida ao som do samba-de-roda, que junto com a axé music e as marchinhas dos antigos carnavais dão o tom das homenagens a Iemanjá. No início da tarde de ontem, vários blocos levaram suas oferendas à bela e vaidosa orixá, sem esquecer o lado profano da festa.

“É uma emoção muito grande estar dançando aqui na festa de Iemanjá, é um sonho que se realiza e que eu espero repetir a partir de agora”, diz Rita da Barquinha. Ela mantém uma tradição secular de Saubara (96km de Salvador), mais precisamente no distrito de Bom Jesus dos Pobres, onde as mulheres costumam carregar pequenos barcos na cabeça pelas ruas da cidade para recolher donativos para os pescadores da região.

A saída de Rita e sua banda de dez músicos se deu a partir da Rua Fonte do Boi, em frente ao espaço cultural e loja de cds e dvds musicais Midialouca. Ela percorreu dançando as ruas do bairro até chegar à Praia da Paciência, onde depositou, em uma das embarcações, sua barquinha com oferendas a Iemanjá. O proprietário da Midialouca, Paulo Brandão, considera que a presença da barquinha de Rita contribui para manter a tradição da festividade, como evento essencialmente da cultura popular. “A idéia é poder mostrar música popular no espaço que é seu por excelência”.

No caminho, o grupo de Rita encontrou-se com o Cortejo 2 de Fé, formado por estudantes da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia. Todos devidamente fantasiados: os rapazes pescadores, as meninas de marinheiras, sem contar as representações de Iemanjá e Oxumaré, seguidos por uma música de uma orquestra do candeal. Logo atrás, os outros integrantes do cortejo, vestidos de camiseta branca. “É uma forma de homenagear de maneira artística Iemanjá e ao mesmo tempo que se brinca a festa de maneira leve e alegre”, declarou o professor de teatro e organizador do cortejo Paulo Cunha, vestido de babalorixá.

Diante das dezenas de integrantes do 2 de Fé, o cortejo Sambão do China Pau, formado por não mais de dez pessoas parecia sumir no meio da multidão. Porém, reduzido grupo arregimentava “fiéis” por causa de sua disposição para tocar pagode o dia inteiro, apesar da concorrência do som alto que vinha das barracas.

Rainha homenageada

Devotos mantêm viva a lendária vaidade de Iemanjá, depositando
dezenas de balaios com presentes no mar

Ciro Brigham

Iemanjá deve ter dormido contente. A julgar pelo fato de que baianos e turistas conservaram viva sua lendária vaidade, entupindo o mar de presentes numa festa que durou o dia inteiro, deve sim ter dormido feliz da vida. Fila a perder de vista para a entrega das prendas, sol a esturricar testas desprevenidas, ruas e travessas abarrotadas de gente, hotéis e festas paralelas lucrando à vontade: o que não vale a pena nisso e que Salvador tem de mais característico? No fundo, o desejo é o mesmo: que os presentes não voltem trazidos pela maré. Que Iemanjá os devolva apenas em forma de prosperidade.

À 1h da madrugada foi Oxum, deusa das águas doces, quem primeiro recebeu homenagens – no Dique do Tororó. Três horas depois, os fogos no Rio Vermelho anunciavam que o grande presente para Iemanjá estava a caminho do barracão, montado ao lado da Colônia de Pesca Z1. Ali, a imagem de um cavalo marinho, encobrindo a comida especial preparada pela ialorixá mãe Aíce, receberia a companhia de dezenas de balaios com os aditivos da fé popular, feitos para agradar a deusa dos oceanos.

Assim como a comitiva capitaneada pela mãe-de-santo responsável pela oferenda, muitos foram ver os primeiros raios de sol esculpirem o amanhecer do movimentado 2 de fevereiro. Branco e azul no corpo (cores de Iemanjá), flores na mão e pedidos lançados ao mar _ esse mensageiro de uma devoção tão híbrida quanto democrática. O dia prossegue, a fila dos que querem deixar objetos para a deusa no barracão se dilata a perder de vista, e os rituais do candomblé na areia da praia convidam os orixás ao baile.

Pedem proteção os que acendem velas e derramam alfazema no corpo, os que atiram champanhe ao mar, e também aqueles todos que levam fitas, colares, anéis e pentes para os balaios de Iemanjá. Quantos foram os que alugaram barcos e privatizaram a entrega em domicílio? Muitos, centenas pagam R$40, para singrar a rota da encomenda expressa em mar aberto.

À tarde, o calor aumenta, juntamente com a fila e a quantidade de gente que se dirige ao Rio Vemelho. Não há nuvens, tudo é muito claro, inclusive a confusão para quem deseja se aproximar do barracão ou das areias da praia. Falta pouco para as 16h. A oferenda principal tem hora marcada de sair do barracão, enquanto o batuque sobre a pele do atabaque sugere o clima místico para o momento sagrado.

Embarque - Às 15h50 já não há o que esperar: é hora do cavalo-marinho tomar o rumo das águas. Um pesadíssimo balaio vai à frente carregado por quatro pessoas. O cavalinho marinho vem atrás, empurrado pela ovação de centenas. É a fé de quem enfrentou sol e cansaço. Com a oferenda, vão as esperanças de usufruto do poder e bênção da rainha. No trajeto para a praia, o balaio ganhou ainda mais flores e alfazema dos que estavam na fila. Cinco minutos de percurso no meio do povo e a prenda está na areia, pronta para zarpar no local repleto de gente.

“O momento é esse”, deve pensar a vendedora, ao anunciar de forma estridente que tem “água mineral para alegrar”. A dois metros dali, um turista enterra os joelhos à milanesa para captar o ângulo perfeito da baiana paramentada. São muitos os que tomam banho dentre os tantos barcos que aguardam o início da procissão. São muitos os que batem palmas, para garantir que as preces ganhem o reforço do entusiasmo.

Às 16h, o grande presente está na beira do mar e pronto para ser colocado na embarcação que vai levá-lo ao encontro de Iemanjá. Sobem com ele pescadores, homens da Marinha e salva-vidas. Vão deslizar por três milhas naúticas (aproximadamente 5,5km) – distância estabelecida pela Colônia de Pesca e aprovada pela Capitania dos Portos – até cumprirem a sina de agradar à rainha vaidosa. Fogos. Mais palmas. E mais presentes em outros barcos.

Descalça, gorro de crochê, a velhota de 92 anos que não diz o nome por nada, mandou o filho de 51 anos para casa. “Ele estava com dor de cabeça, foi descansar”. Moradora da Vila Matos (imediações do Rio Vermelho), ficou o dia todo sentada à sombra de um toldo na praia, até o momento do embarque do grande presente. Acompanha de pertinho e sai satisfeita, relembrando a intimidade com a festa. “Meu pai era pescador, eu ia junto com ele no barco”.

Já o casal ao lado se pergunta sobre a possibilidade de o presente não ter sido embarcado. De longe, o cavalo marinho não ostenta, para eles, o perfil de um grande presente. “Achei muito fraco. Também, os hotéis, que mais ganham com tudo isso, nem colaboram com nada”, critica a senhora que ouvia a conversa.

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Devotos dão demonstração de fé no Rio Vermelho

Centenas de pessoas aguardam, debaixo do sol causticante, a extensa fila para homenagear Iemanjá

Adriana Jacob

Se no Bonfim quem tem fé vai a pé, na festa de Iemanjá, a tradição é entrar na extensa fila que leva aos cestos de oferendas da Colônia de Pesca do Rio Vermelho. A avenida onde ocorre a maior manifestação pública da religiosidade popular de matriz afro-brasileira não tem, nem de longe, os 8km que levam à Colina Sagrada, mas as cerca de duas horas que muitos devotos passam, caminhando a passos lentos até chegar ao local de entrega dos presentes, são uma verdadeira prova de devoção. “Quando as coisas são feitas de coração, nem a coluna dói”, garantiu a gaúcha Meg David, 48 anos, depois de mais de duas horas na fila.

A peregrinação tem um motivo: todos os presentes depositados nos balaios são levados à morada de Janaína no fim da tarde, quando os barcos da colônia saem em cortejo marítimo. O sol forte, o calor e o suor não impedem que os filhos da rainha das águas salgadas carreguem flores, perfumes, sabonetes e até equilibrem na cabeça balaios cheios de presentes enquanto caminham no asfalto quente. Há até quem faça todo o percurso de salto alto, como a transformista Cláudia Gasparelli, esteticista baiana que mora na Itália e mandou bordar um vestido longo cheio de pedras brilhantes especialmente para a ocasião. “As pessoas esquecem que vêm homenagear uma rainha. Por isso, faço essa produção, em homenagem àquela que me dá tudo na vida”, enfatiza.

No fim da manhã, a aglomeração de fiéis já alcançava a curva do Rio Vermelho, no sentido Ondina, mas nem o último da fila, o inspetor de segurança Carlito Vitório, 44, demonstrava desestímulo. “Tenho esperança de chegar lá”, disse, observando as centenas de devotos que o separavam da Colônia de Pesca. Ele herdou a crença da mãe, a pensionista Áurea Francisca dos Santos. Ela nem se dá o trabalho de calcular o tempo que já passou na fila das oferendas, desde a infância até os atuais 68 anos. “Isso aí eu nem conto, a hora que eu chegar está boa. O que eu quero é colocar meu presente lá”, explica dona Áurea, que levou também o neto de 9 anos para a festa.

Já a inglesa Chloe Jones, 29 anos, não sabia ao certo o que a esperava no fim da fila, mas fez questão de enfrentar a espera para conhecer de perto a tradição religiosa. Assim como outros devotos, Dona Áurea – que mora no Largo de Roma –, nem cogita depositar as oferendas diretamente no mar, como fazem os fiéis que se assustam com o tamanho da fila. “Prefiro ir lá na frente mesmo. Só o fato da gente ir nos pés de Iemanjá (a escultura ao lado da colônia de pesca) já é uma grande coisa”. Para a consultora comercial Lourdes Trigueiro, 27, moradora da Graça, a fila é uma espécie de penitência religiosa. “Passar na frente é até falta de respeito”.

Mas nem todos pensam assim. Mesmo sem desistir de entregar os presentes, houve quem reclamasse da organização. “No ano passado, foi bem mais rápido. Este ano, não colocaram barreiras suficientes. Tenho certeza de que estão furando”, afirma a dona de casa Patrícia Souza, que tentava encorajar as filhas de sete e quatro anos a continuar de pé.

Na frente da fila, cordas de proteção foram colocadas para tentar impedir que devotos mais apressados driblassem os quatro policiais militares que tentavam manter a organização do percurso. Mesmo assim, houve quem conseguisse ultrapassar a barreira. “Pedi ajuda a Iemanjá para furar a fila e ela concedeu”, comemorou uma moradora de Feira de Santana que pediu para não ser identificada. Todos os anos, ela vem à festa, agradecer pelas graças alcançadas, dentre elas o fato da filha ter sido aprovada no vestibular para o curso de medicina.

Enquanto os devotos seguem a fila que leva aos balaios de oferendas, equilibrando-se entre vendedores ambulantes com toalhas, santinhos, flores e bebidas, alguns aproximam-se do aglomerado na tentativa de aparecer. “Olha, eu não vou furar fila, não. Só quero que o apresentador de tevê me veja, para eu ser entrevistado”, cochichou o filho de Iemanjá, Júnior Marcondes, que veio de São José do Rio Preto, em São Paulo, para a festa, mas só volta para casa após o Carnaval. “Vir à Bahia e não passar o Carnaval, não dá”, revelou, depois de conseguir a tão desejada aparição na tevê.

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HISTÓRICO

De acordo com integrantes da Colônia de Pesca do Rio Vermelho, a Festa de Iemanjá foi criada na década de 20 por pescadores. Em um ano fraco de pescaria, eles pediram ajuda à deusa africana e, com o auxilio de uma mãe de santo, aprenderam como realizar o preceito para agradar a rainha das águas. O pescador Claudino Bispo Teles, o Sariga, 78 anos, conta que seu pai, Simião Alves dos Santos fazia parte desse grupo inicial de devotos. “Participaram ainda Astério, Dominguinhos e Burí, que também pescavam aqui”, relata.

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Ritual particular na areia da praia

Nem todos os devotos de Iemanjá enfrentam a fila para depositar os presentes nos balaios da Colônia de Pesca do Rio Vermelho. Muitos visitantes e integrantes das religiões de matriz africana fazem seus rituais particulares na areia da praia. Diante da morada da rainha das águas salgadas, há espaço para manifestações organizadas por terreiros, que chegam a criar pequenos altares com imagens, velas e flores; para fiéis que meditam, solitários, com os pés nas águas sagradas, e até para filhas de orixá que incorporam a própria Iemanjá, como uma mãe que vem até a porta de casa, abençoar seus filhos com um abraço carinhoso. Há um lugar especial inclusive para um grupo de surfistas que organizou uma homenagem diferente na celebração, formando um círculo com as pranchas.

“Senti um alívio no corpo”, descreveu a empregada doméstica Jussara da Silva, 27 anos, logo depois de receber um abraço de proteção de uma mulher vestida de azul, que distribuía bênçãos aos fiéis na beira da água. Para os devotos, era a própria rainha do mar, que retribui, com proteção, os filhos que vêm saudá-la. Em busca dessas bênçãos, Jussara pagou R$20 de transporte de Feira de Santana até Salvador. Sem enfrentar a fila dos presentes, ela não se importou em esperar, na beira da água, para receber as saudações de diversas mulheres que incorporaram a orixá homenageada no Dois de Fevereiro.

Santuários - Representantes de terreiros, muitos vindos do interior do estado em caravanas, montaram pequenos santuários na areia da praia, que foram louvados ao som de atabaques e pandeiros. Foi o caso do Terreiro de Iansã, localizado em Conceição de Jacuípe, que trouxe um grupo de 46 filhos de santo para participar da festa, fora as crianças. “Saímos de lá às 6h, mas tudo o que a gente faz com amor vale a pena”, explicou o babalorixá Marcelo Oliveira.

Houve quem preferisse desembolsar R$5 por um passeio de barco, com direito a colete salva-vidas, para depositar as próprias oferendas no mar. Foi o caso da médica paulista Janaína Piorelli, 28 anos, que veio a Salvador especialmente para reverenciar Iemanjá. Ela saiu da capital paulista de manhã cedo e voltou ao trabalho de tarde. “Espero que meu chefe não leia o jornal, senão vai ficar sabendo”, comentou. Para muita gente, para participar da festa, vale até mesmo o risco de perder o emprego.

Na beira da água, não há espaço para a desigualdade: na morada de Iemanjá, dividem espaço pessoas de bairros pobres e ricos, gente de perto e de muito longe. “Pedi paz para o mundo, união entre as famílias e respeito ao que a natureza nos deu. Isso aqui é um lugar de axé. Às vezes, até por descuido, acabamos poluindo e maltratando um lugar como este, que nos traz tanta força”, afirmou a balconista Delzuite de Jesus, 43, que veio da cidade de Coração de Maria ao lado de outros filhos do Terreiro de Ogum.

A areia também serviu como palco para o protesto organizado pelo Fórum Permanente de Defesa do São Francisco que, pelo segundo ano, veio pedir proteção a Iemanjá para salvar o Velho Chico .

Fonte: Aqui Salvador, Correio dda Bahia, 03.02.2007
http://www.correiodabahia.com.br/aquisalvador
/noticia_impressao.asp?codigo=121761

1 comment:

arte todo dia a dia said...

Senhores, contamos com seu apoio e engajamento nesta “oferenda” à nossas florestas, para que esta campanha em prol da conservação de nossas matas se solidifique e tenhamos cada vez mais nossas matas fortes e belas com seus conservadores ambientais atuantes. Asé

Olhar de Oiá!

Campanha pelas Oferenda responsáveis e sustentáveis nas Matas Brasileiras para os que cultuam as forças da Natureza, começa dia 20.

Engaje seu Ilê ou igreja ou templo para receber a o Painel itinerante.

Com apoio e engajamento do Pai de Santo Francisco de Osun, o primeiro Pai de Santo a assumir a proposta, o Projeto Ecolambelambe/Ecofotografias, da fotógrafa Malouh Gualberto com curadoria do artista plástico, fotógrafo e artista gráfico Odilon Cavalcanti, estendendo seu espaço de atuação na divulgação de imagens e informações ambientais para entidades religiosas que louvam a Mãe Natureza, ou que dela se utilizem, lançando a idéia do oferendas responsáveis e sustentáveis, com a proposta do replantio de árvores e oferendas biodegradáveis, sem utilização de velas, para evitar o imenso risco de incêndios florestais, principalmente em áreas de mananciais. A idéia, acrescenta, é evitar garrafas de vidro e pets que, além de poluir, ainda causam risco a crianças e animais, trocando-as por oferendas sustentáveis – como sementes pertencentes à biodiversidade da mata onde é feita a oferenda , por exemplo. A idéia é fortificar as matas de onde entidades de várias religiões tiram sua força e inspiração, respeitando-as e conservando-as. O Brasil é pleno de religiosidade e assim deve dar este exemplo. Bom que se diga e remarque que diversas religiões se utilizam das matas como foco de suas orações e oferendas e todas elas, indistintamente, precisam de se conscientizar desta necessidade urgente de se conservar o que sobrou destes mananciais e reservas.

O grupo Ecofotografias itinera, atualmente, uma mostra nos Parques Estaduais contemplados pelo Projeto Ecoturismo na Mata Atlântica – no momento sua exposição “Trilhas do Olhar” está no Parque Carlos Botelho, em S. Miguel Arcanjo até 21/12/2009.

O primeiro terreiro de Candoblé a abraçar à idéia é o Ilé Asé Iyá Osun será o de Osun.

No próximo dia 20/12/2009 –na Festa de Iansã (ou Oyá), que é uma das entidades evocam a sustentabilidades, já que representa os ventos, que fazem a distribuição das sementes em seu corpo, Francisco de Osun, Presidente do Instituto Afro religioso Ilé Ase Iyá Osun lançará a campanha durante a Festa, expondo em lugar de destaque o painel que a representa. A idéia é conscientizar a todas as religiões da necessidade de respeito e dedicação a sustentabilidade de nossas matas.

Serviço:

Data dia 20/12/2009

Às 17:30 hrs

Endereço R. Almirante Marques,284- Bela Vista

Telefone: 11 32538950