Tuesday, February 06, 2007

Domingo, 04 de fevereiro de 2007
31.01.07 - BRASIL


Roraima e sua política anti-indígena

Verenilde Santos Pereira *

Adital - Está circulando pela Internet um texto da Juliana Moreira sobre Roraima. Texto que procura orquestrar o posicionamento das autoridades de Roraima contra os índios, já conhecido desde os anos 70. O texto não visa questionar a política norte-americana na região, como se propõe, mas apenas objetiva solapar a luta dos índios Makuxi, Wapitxana, Taurepang, Waimiri-Atroari, Wai Wai e Yanomami, bem como, daqueles que se aliaram à causa dos mesmos.

O fato de ter "passado em concurso público federal, trabalhar em Roraima, de ter conversado durante três dias com engenheiros e até com pessoas com um mínimo de instrução" e de se auto-considerar "uma pessoa conhecida e séria" não dá a Juliana o direito de difundir besteiras, preconceitos e mentiras como "desabafo de quem está lá". Tais como:

- Que "O mais difícil de se encontrar aqui é roraimense".

- Que a extensão da BR-174 dentro do território dos índios (Waimiri-Atroari) "é de cerca de 200 Km". Que esta rodovia BR-174 foi fechada para o tráfego noturno "pelos índios (Waimiri-Atroari) com autorização da FUNAI e dos americanos, para que os mesmos não sejam incomodados" e que "você não passa se for brasileiro".

- Que "A maioria dos índios fala a sua língua nativa além do inglês ou do francês, mas quase ninguém fala o português".

- Que "O acesso (às áreas indígenas) é livre aos americanos, europeus e japoneses" e que "os americanos entram na hora que quiserem; se você não tem uma autorização da Funai, mas tem dos americanos, então você pode entrar".

- Que "È comum na entrada das reservas encontrarem-se hasteadas bandeiras americanas e inglesas".

- Que "Os americanos comandam tudo (em Roraima) e que "você não entra em lugar nenhum porque eles não deixam".

- Que "no Iraque" os americanos "determinaram uma faixa para os curdos onde iraquiano não entra".

- Que pelo fato da ONU defender "o conceito de nação e as áreas demarcadas terem nome de nação indígena, pode levar os americanos a alegar que estão libertando os povos indígenas".

- Que "aqui (nas fronteiras com a Guiana e a Venezuela) nenhuma bagagem de estrangeiro é fiscalizada principalmente se for americano, europeu ou japonês".

- Que "os americanos querem proteger os índios".

- E que por tudo isto "Podemos ter a certeza de que em breve o Brasil irá diminuir de tamanho".

Juliana vem do Sul, atravessa o Brasil para ser funcionária pública federal em Roraima. Passa três dias no meio da burocracia daquele Estado e dos seus lobos e já uiva igual a eles. Se ela tivesse tido vontade de se informar corretamente poderia ter-se comunicado sim, em português, com professores indígenas das aldeias Makuxi, Wapitxana, Waimiri-Atroari...; com organizações indígenas, como o Conselho Indígena de Roraima e com entidades da sociedade civil: sindicatos, ONGs, como CIMI, CPT e Nós Existimos. E, então, certamente, não se teria sentido tão fora do Brasil e escreveria menos bobagens. O contexto em que se situa é o contexto do Governo de Roraima que é um caso à parte dentro do país. Não temos um Estado Brasileiro governado por um grupo político tão agressivamente anti-indígena como o de Roraima. Um governo nazista em pleno século XXI.

Os políticos do Estado elaboraram a sua própria política indigenista e a sua própria geopolítica, montada sobre mentiras políticas que Juliana em apenas três dias absorveu, como demonstra o seu texto. Do atual governador ao inimigo histórico dos índios, o senador Mozarildo Cavalcanti, passando pelo outro senador, Romero Jucá, não conhecemos exceção.

Não foram os índios, mas os militares que já em meados dos anos 70, logo após a sua inauguração, fecharam a rodovia BR-174 ao tráfego noturno. Na época foi para impedir o acesso de jornalistas, antropólogos e indigenistas que poderiam difundir os crimes que o Exército cometeu entre 1970 e 1975, quando os Waimiri-Atroari foram barbaramente agredidos e mais de dois mil mortos como se fossem "bandoleiros, maus, perversos..." (O Estado de São Paulo 26-10-75). (Nenhum Waimiri-Atroari foi indenizado por causa desses crimes sofridos como o foram as famílias dos guerrilheiros do Araguaia.) Poucos naquela época reclamaram contra o bloqueio da rodovia pelo Exército e FUNAI.

Hoje os índios voltaram, a ficar "maus e perversos" por que aprenderam a escrever a sua língua e o português, se conscientizaram e mantém por seus próprios motivos a interdição da estrada, ou seja, para que os interesses dos governantes de Roraima de olho grande nas riquezas que Juliana relaciona ("ouro, diamante e outras pedras preciosas") não invadam o seu território e também para preservar do tráfego noturno outras riquezas mais preciosas, como a vida dos animais silvestres. Aliás, o controle hoje não é tão rígido como Juliana descreve. Se Juliana foi de Manaus a Boa Vista de ônibus noturno, não foi barrada pelos índios. Provavelmente foi barrada pela policia roraimense depois da reserva, a qual por sinal, exerce um controle de fronteira interna sobre os cidadãos brasileiros que não conhecemos em outro Estado. Além do mais, o controle da reserva Waimiri-Atroari, desde 1987, está a cargo da Eletronorte, através do Programa Waimiri-Atroari e não da Funai e dos americanos.

Que a maioria dos índios de Roraima fale hoje, preferencialmente, a sua língua nativa, isto merece elogios para os promotores deste acontecimento que só orgulha um país pluri-étnico como o Brasil. Quando em 1976 visitei pela primeira vez aldeias Makuxi, Wapitxana e Taurepang, boa parte das aldeias já tinha seus próprios professores que, na época, apenas lecionavam na língua portuguesa. Hoje, praticamente 100% das escolas indígenas de Roraima estão nas mãos dos índios, inclusive as dos Waimiri-Atroari e dos Yanomami e as aulas, em sua maioria, são dadas na língua materna, e/ou em português.

Não é verdade que você pode entrar nas áreas indígenas de Roraima se você tem autorização dos americanos.

Gostaria que a Juliana relacionasse uma só aldeia onde ela viu hasteada uma bandeira estrangeira.

A base militar americana na Colômbia citada com o ‘caso curdos’ reflete bem o que está em questão. Para Juliana, a questão não a política americana na Colômbia e nem propriamente a invasão do Iraque, mas é relacionar os americanos entre os defensores da etnia curda mesmo sabendo que isto nunca ocorreu. Lembro-me que já no Tribunal Russel de 1980, em Rotterdam, os povos indígenas das Américas marcaram presença como os curdos. O massacre que então sofriam por parte do governo Saddan Hussein era sustentado pelos americanos. A defesa dos curdos foi preocupação das entidades de direitos humanos e não dos americanos.

Não conheço nenhum indígena de Roraima que fale fluentemente inglês e muito menos francês. É provável que existam indígenas guianeses em Roraima, os quais, obviamente, falam inglês. Mas, isto não pode ser motivo para que se pregue uma xenofobia mentirosa. Por ingenuidade ou por astúcia, Juliana, semeia a política do Governo racista de Roraima, mediante mentiras e meias-verdades ou confusões para ver se consegue romper as áreas indígenas e colocá-las ao dispor do saque das suas riquezas naturais.

Os políticos de Roraima têm sua própria visão e maneira de ver o perigo americano, assim como a sua visão do patenteamento de plantas e da biopirataria. Somos contra o patenteamento de qualquer bem amazônico, mas atribuir isto simples e puramente aos americanos ou ingleses é ser ingênuo. O cupuaçu, por exemplo, citado por Juliana, pelo que se sabe, foi patenteado por um americano, que pesquisou o produto no INPA, em Manaus, entidade brasileira. Depois vendeu a patente para uma firma japonesa. Não se atribua, porém, aos índios e a FUNAI o que foi feito com uma assessoria equivocada de brasileiros.

Dizer que os americanos já tomaram conta da Amazônia é xenofobia cega, embora não descartamos o perigo americano na Amazônia, principalmente através de vias legais, como seria o acordo Alca. Nunca vimos um governante roraimense se manifestar a favor de Hugo Chávez ou Fidel Castro e muito menos conhecido algum que tomou posição contra o perigo institucional à vista que é a Alca. Por outra parte, também não tenho nenhuma notícia de algum americano ou americana que se tenha distinguido na defesa das terras indígenas. Era importante que Juliana citasse algum.

Enquanto os índios continuarem os defensores de suas terras, estas não serão transferidas para os americanos. Acho até que os Waimiri-Atroari mereciam um monumento especial como heróis da pátria, pois já em 1944 destruíram uma expedição de militares americanos que fazia pesquisas suspeitas no Alto Rio Alalaú, exatamente onde hoje a Paranapanema explora minérios estratégicos.

Por tudo isto, o texto de Juliana é, no mínimo, leviano. Com mentiras e meias verdades apóia a política do governo de Roraima, ou seja, quer desmantelar a segurança das terras dos índios, bem como, qualquer política em favor de sua autonomia e de seus territórios, garantidos pela Carta Magna brasileira.

Por isso, lhe interessa pichar os índios, a política indigenista da Funai e todas as forças pró-índio de Roraima que desde os anos 70 apóiam os indígenas na defesa dos seus territórios, opondo-se ao governo de Roraima.

Um precursor dessa política, Ramos Pereira, Governador nos anos 70, exprimiu, na época, sem meias palavras as intenções ocultas: "Sou de opinião que uma área rica como essa não pode se dar ao luxo de conservar meia dúzia de tribos indígenas atravancando o seu desenvolvimento".


* jornalista, escritora e professora universitária

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