Saturday, August 26, 2006

Carta Aberta pelas Ações Afirmativas

Prezadas/os
Esse texto foi elaborado pelo GT de Ações Afirmativas e lido na abertura do seminário institucinal promovido pela ufgrs sobre a pauta. Vale citar a brilhante exposição da Dra. Dora Bertulio, procuradora da federal do paraná.

Zapata
Porto Alegre, 21 de Agosto de 2006.

CARTA ABERTA
Ao professor José Carlos Hennemann
MD: Reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Ao Conselho Universitário da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Prezadas/os,
Diante dos debates públicos e dos embates ideológicos neles subjacentes, vimos por meio desta manifestar mais essa contribuição para a realização positiva desse seminário, manifestar, sobretudo, nossas preocupações com a forma de tratamento das demandas em pauta, como também apresentar nossas sugestões, solicitações e exigências as instâncias deliberativas desta Universidade. Assim, considerando:
  1. Que as Nações têm se comprometido em reparar os resultados nefastos da colonização racista européia, expressos nos pactos internacionais como a Convenção da ONU para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (CERD), de 1969, e, mais recentemente, ao Plano de Ação de Durban, resultante da III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, ocorrida em Durban, na África do Sul, em 2001.
  2. Que a reparação dos erros cometidos contra povos inteiros é um movimento que vem ocorrendo no mundo todo, conforme a II Conferência de Intelectuais Africanos e da Diáspora, ocorrido em Salvador entre 12 e 14 de Julho de 2006, que reafirma o tráfico negreiro, a persistente pirataria, a espoliação e o genocídio dos povos africanos e indígenas, bem como a escravização desses como CRIMES CONTRA A HUMANIDADE. Ressaltando-se que o Brasil é signatário de todas essas conferências e pactos jurídicos internacionais.
  3. Que o povo africano e indígena foram fundamentais na construção econômica, cultural e política desse Estado-Nação e ao mesmo tempo violentados física, psíquica e moralmente durante toda a história da nação brasileira. Subjaz à nossa história o sangue desse genocídio: nunca devemos nos esquecer disso!
  4. Que o Estado brasileiro favoreceu, manifestando um racismo de estado, a chegada de imigrantes europeus com doações de terras, incentivos financeiros e isenções fiscais durante o século XIX e início do século XX, mantendo-se atualmente na forma de espaços privilegiados de investimento público. Na contramão os descendentes de africanos e indígenas que trabalharam para produzir a acumulação primitiva do capital brasileiro foram alijados de qualquer partilha da riqueza nacional.
  5. Que, ao mesmo tempo em que os povos originários e africanos nessa terra forneceram valiosos conhecimentos, em todas as áreas, para a sobrevivência e estruturação da sociedade, somos vítimas de uma produção discursiva falsificadora que nos apresenta como seres subumanos desprovidos de capacidades intelectuais e de existência espiritual.
  6. Que a elite branca brasileira ao invés de projetar uma nação verdadeiramente democrática e multirracial, preferiu por empreender um projeto de extermínio físico, cultural e cromático via ideologias do branqueamento, da democracia racial e da miscigenação, ainda em curso no nosso país. Uma miscigenação compulsória forjada no estupro bizarro das nossas Avós africanas e indígenas, as Guerreiras Ancestrais.
  7. Que as organizações do povo negro desde o início do século XX tem alertado o Estado e sociedade brasileira sobre a urgência de políticas de Ações Afirmativas para corrigir as desigualdades raciais herdadas da estrutura escravocrata e mantidas pelos dispositivos construídos pelo racismo silencioso, letal e cínico.
  8. Que a Força Espiritual e as Organizações dos Povos Indígenas contemporâneos têm manifestado, cada vez ainda mais tenaz, o desejo de continuarem existindo nesse mundo e se realizarem na contemplação divina das formas mágicas presenteadas pela Grande Mãe. Portanto, o extermínio e a assimilação/integração compulsória e subalterna precisam ser eliminados enquanto projeto de Estado e desejo da sociedade nacional e, em vez disso, assegurados os direitos invioláveis da manutenção das suas/nossas culturas e formas específicas de subjetividades, bem como, garantir a propriedade territorial e acesso àquilo que possa ser considerado "benesses" dessa sociedade. As vozes e vidas indígenas estão para o futuro, resistem no presente porque não pararam no passado.
  9. O reconhecimento da sociedade brasileira ao heroísmo do Quilombo dos Palmares e da atuação de Zumbi e Dandara na liderança daquele povo, expresso nas manifestações políticas e culturais em vinte de novembro de cada ano após a Grande Marcha de 1995 na cidade de Brasília.
  10. Que após a conferência de Durban em 2001, o debate acerca das Ações Afirmativas/cotas para negros e índios teve um acirramento fantástico na sociedade brasileira, bem como, primeiros ensaios de implantação dessas políticas, inclusive em órgãos ministeriais do Governo Federal.
  11. Que os argumentos disparados contra o avanço das demandas sociais e políticas do povo negro e indígena foram suplantados pelos fatos, pesquisas, dados oficiais e acadêmicos no debate público como, por exemplo, o discurso que tenta fazer sobreviver o ‘mito da democracia racial’ e da miscigenação afetivo-sexual nas supostas relações harmônicas entre as raças e etnias constitutivas do Brasil foi desmascarado como mais uma dissimulação racista do pacto da branquitude após a produção e divulgação de dados oficiais acerca das desigualdades raciais e, sobretudo, quando esses dados permitiram maior visibilidade a cor das mortes por homicídios nesse país.
  12. Que a busca da convivência e desejo de perseguir o ideal republicano e democrático da igualdade não possam mascarar as desigualdades engendradas sob a égide da diversidade religiosa, de gênero, sexual e, ao nosso caso, étnico-racial, pois, o princípio jurídico da igualdade tem sido acionado, nas sociedades multirraciais pós-coloniais como mais um dispositivo de manutenção das desigualdades e dominações, desenhando relações raciais e sociais contrárias ao que se propõe apregoar.
  13. Que é inconteste a fragilidade, a má-fé e a falsidade ideológica dos argumentos que reclamam pelo mérito como a forma de inclusão nas universidades públicas e nas outras instituições desse Estado-Nação, bem como, é atentatória a dignidade e mesmo agressiva a idéia segundo a qual a inclusão de índios e negros afetaria a suposta qualidade e excelência acadêmica produzidas nessas universidades.
  14. Que a recusa, por essa Universidade, em reconhecer que as Ações Afirmativas/Cotas para indígenas e negros é uma dívida histórica que deve ser paga agora, indiciará a continuidade do beneficiamento exclusivo dos descendentes de europeus, como também, manterá as dores e as fraturas dessa história ainda em pleno vigor.
Portanto, senhor reitor, senhoras e senhores conselheiros, palestrantes, cidadãs e cidadãos aqui presente, tendo em vista o exposto, exigimos da administração desta Universidade que institua, no prazo de quinze dias, uma COMISSÃO para elaborar o Programa de Ações Afirmativas/Cotas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, para que, no prazo de um mês, entregue ao Conselho Universitário desta instituição o projeto/resultado dos trabalhos PARA SER VOTADO EM REGIME DE URGÊNCIA até o mês de outubro do corrente ano conforme previsão anterior da reitoria.
Deve-se assegurar, ainda, a representação dos Movimentos Sociais Negros e Indígenas, bem como de outras organizações da sociedade civil que se façam legítimas na formação dessa Comissão, sobretudo, reconhecendo a contribuição deste GT.
Assim, chamamos a todas e a todos, aqui presentes, para o necessário crescimento humano e moral que esse movimento nos enseja. Lembramos, sobretudo, a desventura dos históricos Lanceiros Negros, os exímios combatentes na Revolução Farroupilha, que, ao empreenderem mais uma contribuição do povo negro-africano à constituição desta nação, foram TRAÍDOS pelo pacto de dominação branco-européia. Da mesma forma que os Lanceiros Negros, desejamos constituir e formar essa sociedade, então, instamos aos gestores, estudantes e professores desta universidade a não permitirem a continuidade dessa traição covarde e que aprovem, sem mais delongas, as COTAS PARA NEGROS E INDÍGENAS JÁ!!!
GRUPO DE TRABALHO DE AÇÕES AFIRMATIVAS DA UFRGS

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