

Quilombos News Berlin, Clipings e "notícias" sobre afro-brasileiros e indígenas. Ras Adauto Berlin.
Por Jony Torres
Uma centena de histórias de lutas, vitórias e desafios pessoais são contadas através de cem perfis de mulheres negras que se destacaram em suas atividades profissionais. O livro Mulheres do vento mulheres do tempo, organizado pela microempresária Mônica Kalile e escrito pelas jornalistas Lidia Silva e Ana Maria Vieira, com ajuda do professor de história Angelo Pinto, foi lançado ontem à noite, na Câmara de Vereadores de Salvador. A publicação tem patrocínio da Fundação Cultural Palmares, apoio da Secretária Municipal da Reparação e produção da Fundação Gregório de Mattos.
O livro, produzido e escrito em apenas um mês, tem 206 páginas com textos enxutos e objetivos, no quais são narradas as trajetórias de vida de cem mulheres negras escolhidas pelo sucesso profissional, independente da área de atividade, condição religiosa ou militância política e social. O curto prazo foi a única maneira de conseguir lançar a obra no Dia Internacional da Luta da Mulher Negra da América Latina e do Caribe. "Colocar tantas realizações e conquistas em apenas duas páginas foi um desafio pois são relatos muito ricos", revelou a jornalista Ana Maria.
Entre muitas mulheres, estão as cantoras Wil Carvalho e Margareth Menezes, a percussionista Mônica Millet, a comerciante Maria das Graças da Silva Osvaldo, conhecida como Gal do Beco, a religiosa mãe Hilda Jitolu e a vendedora de Acarajé, Aidil dos Santos, a Dica do Acarajé. A médica Alda Veloso, órfã desde os primeiros anos da adolescência, foi criada pela irmã mais velha, e, aos 40 anos de idade, se formou em medicina. Atualmente é diretora do 3º Centro de Saúde, na Liberdade, bairro onde nasceu e cresceu e hoje realiza ações de cunho social. "Hoje tenho muito orgulho em trabalhar no centro, pois naquela época era como se fosse o Hospital Aliança, para nós do bairro, e hoje posso dar minha contribuição ao meu povo", revelou a médica, homenageada na noite de lançamento.
A idéia de escrever o livro surgiu quando o grupo artístico e cultural, A Mulherada, presidido por Mônica Kalile, participou do há dois anos do 14º Encontro Feminista Latino-americano e do Caribe, realizado ano passado em São Paulo. Para Mônica, colocar em evidência o trabaho realizado por estas mulheres é a principal intenção do projeto, pois a luta da mulher negra é mais árdua. "Muitas são conhecidas, mas existem outras nas ruas, nos escritórios e em salas de aula, lutando, vencendo sem que as pessoas saibam a importância das realizações destas heroínas sem sempre reconhecidas", justificou Kalile.
www.correiodabahia.com.br, 26.07.200612/07/2006
13/07/2006
O Combinado Henrique Dias era formado apenas por jogadores negros, tendo Popó como destaque
Foi notícia em 1931: "Embate entre negros do mais alto gabarito. O popular Popó, centromédio da seleção baiana, enfrenta o inigualável Fausto, a maravilha negra, eficiente armador do conjuncto do Vasco da Gama do Rio de Janeiro... Não há razão para perder importante pugna no Campo da Graça..."
Menos de duas décadas antes, o destacado encontro seria inimaginável. A Liga Bahiana de Desportos Terrestres não tolerava jogadores negros entre os seus filiados no início do século XX. Não se tratava de decreto oficial, mas virou regra dentro dos próprios clubes. Extinta somente em 1912, a Liga dos Brancos, como ficou batizada, refletia a segregação racial imposta pelo recém-chegado esporte bretão. A própria escravidão acabara de ser revogada, em 1888. Futebol era invenção da elite branca, trazido em 1901 por José Ferreira Filho, o Zuza, filho de ingleses. Praticado por famílias tradicionais e de recursos.
Bastou que a bola caísse nos pés de certo capoeirista do Rio Vermelho. O futebol de Popó fugia da severidade e rigidez inglesa. Gozava de ginga típica da capoeiragem. "Imagino que seu estilo era bem diferente do futebol medíocre que havia chegado da Europa", sugere o antropólogo e escritor Antônio Risério, que coloca Popó como um dos marcos do futebol brasileiro, símbolo do processo de apropriação popular do esporte. No livro Uma historia da Cidade da Bahia, Risério compara o craque do Ypiranga a Artur Friedenreich (El Tigre) e aos fenômenos do Bangu e do Vasco, no Rio de Janeiro.
Apesar do nome, Friedenreich era mulato de olhos verdes, descendente de mãe alemã, e foi o primeiro ídolo do futebol nacional. Em clubes paulistas, marcou incalculável quantidade de gols. Dizem que mais do que Pelé. "A popularidade de Friedenreich se devia mais pelo fato de ser mulato. O que abriu caminho para a democratização do nosso futebol", transcreve Risério, ao citar a publicação O negro no futebol brasileiro, de Mario Filho. O autor sugere que o fenômeno se deu "involuntariamente", já que El Tigre "queria ser branco". Semelhante ao também mulato Carlos Alberto, atacante do Fluminense, que utilizava pó-de-arroz para embranquecer a pele e não destoar do restante da equipe, formada por jogadores brancos, ricos e educados. Mais tarde o time passaria a ser chamado de Pó-de-Arroz.
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Time de empresários
O Bangu era time de empresários, proprietários de uma fábrica carioca. Pouco a pouco os operários mestiços foram tomando o lugar dos mestres, engenheiros e técnicos ingleses. A equipe havia mudado de cor. O exemplo do Vasco é considerado a "queda da bastilha", conforme o livro Futebol arte: a cultura e o jeito brasileiro de jogar. Comerciantes cariocas selecionaram pretos e mulatos pela intimidade que eles tinham com a bola, e não pelos sobrenomes anglo-saxões. "As marcas registradas daqueles `pé-rapados´ era a habilidade e o improviso", reforça o livro. O time ganhou o campeonato da primeira divisão do Rio de Janeiro, ainda em 1923.
Da mesma forma Popó teria contribuído para a recriação do futebol, com a inteligência corporal específica de sua formação etnocultural. "Mestiçagem, capoeira, samba, malandragem. É daí que surge, entre tantas outras coisas, a matada suave da bola no peito, a deixada malandra, o gosto insuperável pelo quase samba no pé na hora do drible", diz o antropólogo. Uma revolução se operava no futebol brasileiro. Não se ganhava campeonatos só com times de brancos. Um time de brancos, mulatos e pretos era o campeão da cidade. Desaparecia a vantagem de ser de boa família.
Na Bahia, o Ypiranga era caso exemplar de democracia racial. Mas as coisas não mudaram de vez. Para jogar em clubes como o Bahiano de Tênis e a Associação Atlética era preciso passar por um crivo. "Preto não entrava no Bahiano nem pela porta da cozinha", lembra a música de Gilberto Gil. Seguia-se um fenômeno nacional. Alguns clubes no Rio e em São Paulo preferiram fechar as portas a aceitar negros nos seus plantéis.
Popó quebrou barreiras. Foi o primeiro negro a ser contratado pelo Bahiano. Mesmo assim não conseguiu atuar nem no Bahia, nem no Vitória, como reporta o ex-ponta esquerda Rubem, um dos jogadores da primeira formação tricolor, em 1931. Em depoimento ao jornalista Bob Fernandes, no livro Bora Bahêeea! A história do Bahia contada por quem a viveu, Rubem revela porque Popó não atuou nem no Bahia nem no Vitória, mesmo sendo a estrela do futebol baiano à época.
"Bob: Quem era Popó?
Rubem: Era um jogador de futebol que jogava com os pés e você tinha a impressão que jogava com as mãos. Capoeirista. Foi o primeiro preto que jogou no Bahiano de Tênis. Era doido pra jogar no Bahia.
Bob: E não tinha lugar pra ele no Bahia e no Vitória?
Rubem: Lugar tinha. Em qualquer lugar tinha lugar pra Popó. Não queriam era Popó...
Bob: Por que não?
Rubem: Simples: porque era preto.
Bob: O Bahia não tinha jogadores negros?
Rubem: Preto, preto, não tinha nenhum".
Resquícios de esporte originalmente aristocrático. Mais tarde se transformaria, inevitavelmente, em fenômeno popular. "As ligas proletárias queriam a todo custo entrar no futebol. Nessa época foi criada a Liga Brasileira de Esportes Terrestres, em substitição à Liga dos Brancos", conta o pesquisador e historiador esportivo Mário José de Souza Gomes. O futebol passou a dividir espaço com o turfe e com o remo. Antes restrito ao Campo da Pólvora, onde primeiro jogavam os ingleses, passou a ser praticado também no Rio Vermelho. Ali as partidas aconteciam no hipódromo, no "derby" ou "prado" do Rio Vermelho. Logo depois surgiu o Campo da Graça. "Não fazia sentido realizar partidas em local reservado para cavalos", explica o pesquisador.
Ali se disputavam os jogos oficiais. Enquanto isso, babas e mais babas se espalhavam pela antiga capital. De um deles saiu Popó. O jogo era simples. O único objeto indispensável era a bola. Na falta do couro, poderia ser feita de pano, bucho de animal, meia ou de papel enrolado com barbante. Até o linguajar futebolístico de terminologias inglesas começou a perder espaço. "Partida era match; juiz, referee; atacante, forward. Aos poucos esses termos se abrasileirariam para depois surgirem expessões locais, como banheira, bicuda, banho de cuia, nó. Que a elite ficasse com os seus teams", ironiza Antônio Risério.
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Nova dimensão racial
A malha negra e mestiça no esporte bretão influenciaria um time inteiro. Tendo Popó como destaque, o Combinado Henrique Dias, formado apenas por jogadores pretos, revelava a nova dimensão racial do futebol. Criado pelo desportista Beijamim Bompet, em 1921, o nome do combinado homenageava o herói da guerra holandesa, igualmente negro. O time chegou a vencer o campeão carioca Vila Isabel, no 1º aniversário do Campo da Graça, e despertou a admiração dos brancos. O próprio Popó, vestido em trajes de gala para a disputa do Campeonato Brasileiro de 1922, teve tratamento digno de autoridade. Antes de embarcar no navio Almazorra, foi batizado de "O Inglês da Embaixada" pela elegância que exibia. "Figura mais popular e eficiente do futebol baiano", anunciava a revista Semana Sportiva.
Faltava a convocação para a Seleção Brasileira. Mas um incidente gerado por discriminação racial, em Buenos Aires, teria impossibilitado a inclusão de Popó no "Scratch Nacional" que disputaria o Campeonato Sul-Americano na Argentina. O então presidente da República Epitácio Pessoa não recomendou a convocação de negros. Em grande fase na carreira, Popó não viu problema. Havia cumprido o seu maior papel. Agora o futebol era do povo.
Menos de metade dos entrevistados pelo Datafolha conhece a proposta, e apenas 9% declararam estar bem informados
Pesquisa indica que rejeição à reserva de vagas para os negros em universidades é maior entre os mais ricos e os mais escolarizados
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
A maioria dos brasileiros é a favor da adoção das cotas para afrodescendentes nas universidades, mas a aprovação diminui à medida que aumenta a renda familiar e a escolaridade do entrevistado, aponta pesquisa Datafolha feita com 6.264 pessoas acima de 16 anos.
Desse total, 65% são favoráveis à reserva de um quinto das vagas nas universidades públicas e privadas para negros e descendentes, como prevê um dos pontos do Estatuto da Igualdade Racial, que tramita no Congresso. A votação deve acontecer no próximo ano.
Ao mesmo tempo em que aprovam as cotas para negros, 87% dos entrevistados também concordam que deveriam ser criadas reservas de vagas nas universidades para pessoas pobres e de baixa renda, independentemente da raça.
Negros e pardos representam hoje 48% da população brasileira, segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios) 2004.
O levantamento mostra também que o assunto precisa ser mais bem discutido. O estatuto é conhecido por 46% dos entrevistados, porém apenas 9% se dizem bem informados sobre ele. Também nesse ponto o conhecimento aumenta conforme cresce a renda familiar e a escolaridade do entrevistado.
A maior taxa de aprovação das cotas raciais ocorre entre as pessoas com escolaridade fundamental (71%). Já entre os entrevistados com nível superior acontece uma inversão: 55% são contra as cotas raciais.
O mesmo acontece entre as pessoas com renda familiar acima de dez salários mínimos -que representam 2% da população brasileira, segundo a Pnad. Apenas 39% são favoráveis às cotas, contra 57% dos que não concordam com elas.
Nessa faixa salarial, a rejeição é alta tanto entre aqueles que se autodeclaram brancos (64%) quanto para os negros (54%). O índice cai para 47% entre os pardos.
Já entre os que ganham até dois salários mínimos, o índice de aprovação é de 70%.
Para Roberto Romano, filósofo e professor titular de ética e filosofia política na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), os resultados podem ser interpretados sob dois pontos de vista.
"O moralista diria que quanto mais privilegiada uma pessoa, mais ela quer ser. Eu prefiro acreditar que os mais escolarizados sabem que não existem soluções mágicas, conhecem as dificuldades do ensino e da pesquisa dentro da universidade e têm consciência da atitude administrativa que se deve ter."
Já o professor de antropologia da UnB (Universidade de Brasília), José Jorge Carvalho, entende que os resultados da pesquisa indicam que "a elite não quer perder o poder". "Vagas nas universidades públicas boas são cotas de poder. E a elite não quer concorrentes negros", diz Carvalho, que foi um dos idealizadores do programa de cotas para negros da UnB.
A cor declarada pelo entrevistado não representa diferença estatística significativa sobre a aprovação das cotas. Entre os negros, 69% são a favor e, entre os brancos, 62%. "Isso mostra que no Brasil o problema da desigualdade não está colocado em termos de raciais e sim de gente pobre", avalia o cientista político Bolívar Lamounier.
O sociólogo Edward Telles, professor do departamento de sociologia da UCLA (Universidade da Califórnia, Los Angeles), pensa que esse dado merece mais pesquisa. "Já o encontrei em minhas pesquisas também, mas não sei bem dizer por que", diz ele.
A pesquisa Datafolha foi realizada nos dias 17 e 18 de julho em 272 municípios. A margem de erro máxima é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
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Lei prevê cota para atores na televisão
DA REPORTAGEM LOCAL
Discutido desde 1998, o estatuto tem pontos polêmicos, como o que obriga a população a autodeclarar sua cor/raça na hora de tirar documentos e o que determina a presença de ao menos 20% de atores e figurantes afrobrasileiros em programas e propagandas de TV.
Um dos pontos de maior discussão, no entanto, que previa a reserva de 20% de vagas para afrodescendentes em cargos do serviço público, foi retirado da proposta original, de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS). A previsão é que o estatuto só seja votado no próximo ano.
Na Câmara, vários deputados têm se mostrado favoráveis a um sistema de cotas social, ou seja, seguindo um critério de pobreza e não racial, como prevê o estatuto. Essa seria também a opinião do presidente Lula. Em razão disso, o próprio Paim já declarou que pode alterar o projeto. (CC)
Acadêmicos divergem sobre resultados
DA REPORTAGEM LOCAL
Da mesma forma que polarizaram opiniões pró e contra as cotas raciais, os acadêmicos também têm diferentes interpretações para os resultados encontrados na pesquisa Datafolha.
Para os que defendem as cotas raciais, como o cientista político Sérgio Abranches, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), a rejeição maior a elas entre os mais escolarizados e de maior renda ocorre porque a classe média se sente ameaçada.
"Os filhos da classe média estudam nas universidades públicas de boa qualidade de graça. À medida que um programa de ação afirmativa equaliza as chances de ingresso daqueles que não podem pagar os cursos de preparação mais caros, as posições de monopólio da classe média ficam ameaçadas. É previsível a resistência."
Já o cientista político Bolívar Lamounier, que assinou o manifesto contra as cotas raciais, entende que as pessoas mais escolarizadas conseguem avaliar melhor questões que exigem "uma reflexão conceitual" e sabem que a adoção de cotas pode trazer implicações graves para o futuro do país.
"Para estabelecer um sistema como esse, é preciso fazer um censo de raças, que é um passo para o racismo", afirma Lamounier.
Na avaliação de Fernanda Carvalho, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Análises Sociais, deve aumentar a aprovação da classe média às cotas raciais à medida que haja mais informações sobre o assunto. "Nos outros países, quando as pessoas viram o funcionamento e os resultados dos sistemas de cotas, a rejeição caiu."
O fato de os entrevistados também serem simpáticos à idéia das cotas sociais, independentemente da cor, também gera explicações divergentes. "No Brasil, é mais consistente a idéia de que a classe social é mais importante que a raça para definir desvantagem", avalia o sociólogo Edward Telles, favorável às cotas.
Já Sérgio Abranches diz que as cotas sociais têm mais apoio porque há uma noção deturpada no país. "É mais confortável achar que existem tantos pobres brancos quanto negros do que pensar que a maioria dos pobres é negra. A cota social quebra o galho e deixa a pessoa se sentir confortável." (CC)
"Cota é a única forma de se fazer justiça para os pobres", diz aluno carente
DA REPORTAGEM LOCAL
Desempregado há sete meses e sem dinheiro para o ônibus, Aloisio Silva, 24, anda todos dias 5 km para chegar ao cursinho gratuito do MSU (Movimento dos Sem Universidade), em Santo Amaro (zona sul).
Filho de um pedreiro, também desempregado, e de uma dona-de-casa, ele quer prestar ciências sociais na USP e na Unicamp no final do ano e se tornar o primeiro universitário da família.
Bisneto de escrava, Aloisio defende que as universidades reservem 50% das vagas para alunos de escola pública e, dentro desse percentual, destinem uma parcela para negros. "É a única forma de se fazer justiça com os pobres e negros."
Contra
Apesar de ter ingressado em medicina na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) pelas cotas raciais, o estudante Luiz Guilheme Werneck, 22, é contra a reserva de vagas.
Ele defende as cotas para alunos de escola pública que comprovem a capacidade para acompanhar o curso escolhido. "Senão, a qualidade de ensino vai cair."
Werneck cursou o ensino médio e o fundamental em escolas públicas de Santa Isabel (Grande SP) e, quando se decidiu por medicina, fez três anos de cursinho no Etapa, em São Paulo. "Estava preparado para entrar [na faculdade] com ou sem cotas", afirma.
Werneck diz que nunca se sentiu discriminado na Unifesp por ter ingressado por meio de cotas raciais. "Tinha receio antes de entrar. Lá dentro, todo mundo se iguala. Não há o grupinho daqueles que entraram por cotas", conta o estudante. (CC)
ANÁLISE
Necessidade de informação
MAURO PAULINO
DIRETOR-GERAL DO DATAFOLHA
Até aqui apenas um em cada dez brasileiros considera-se bem informado sobre o projeto de Estatuto de Igualdade Racial em tramitação no Congresso. Trata-se de uma informação relevante da pesquisa Datafolha e que aponta para a necessidade da ampliação do debate sobre o tema junto à sociedade.
Sempre que investiga questões de interesse público que não sejam de amplo conhecimento da população, o Datafolha colhe o grau de informação auto-atribuído pelos entrevistados sobre o tema e, na pergunta seguinte, faz uma breve explicação para que opinem sobre o assunto. Nesta pesquisa, a pergunta aplicada foi a seguinte: "Um dos pontos do projeto prevê que, no mínimo, 20% das vagas em universidades públicas e particulares sejam reservadas para pessoas negras e descendentes de negros, independentemente das notas obtidas no vestibular em relação aos que não são negros. Você é a favor ou contra as cotas, isto é, que sejam reservadas vagas para negros e descendentes de negros nas universidades?"
A essa primeira pergunta específica, 65% dos eleitores brasileiros respondem de forma favorável, 25% são contrários e 9% são indiferentes ou não sabem opinar. Esses números devem ser analisados como reflexo desse instante em que o grau de informação sobre o assunto é significativamente baixo.
Por isso, para uma análise isenta, é importante destacar também as respostas daqueles que já se consideram bem informados -representados, nesse momento, por apenas 9% dos eleitores. Nesse segmento, a rejeição ao projeto sobe para 40% -15 pontos acima da média. Também entre os que têm nível superior de escolaridade e, conseqüentemente, mais acesso à informação, a taxa dos que são contrários ao projeto sobe para 52%. Mesmo os que se declaram negros e têm nível superior mostram-se divididos ao responder a essa questão.
Em seguida, os pesquisadores apresentaram alguns conceitos para os entrevistados demonstrarem o grau de concordância com cada um. Nota-se aí que a ampla maioria (78%) concorda, mesmo que em parte, que "as vagas nas universidades devem ser ocupadas pelos melhores alunos, independentemente da cor, raça ou condição social", e um número ainda maior (87%) está de acordo que "deveriam ser criadas cotas nas universidades para pessoas pobres e de baixa renda, independentemente da raça".
Essa aparente incoerência com a primeira pergunta indica que os brasileiros desejam uma maior inclusão dos mais pobres, sejam negros ou não, nas universidades, concordam inicialmente com a proposta das cotas, mas valorizam também o mérito do desempenho escolar.
A pesquisa demonstra que a falta de informação é terreno fértil para se trabalhar os conceitos do tema. A maneira como esses conceitos serão comunicados e debatidos, principalmente nos veículos de comunicação, será determinante a partir daqui no posicionamento dos brasileiros sobre a questão. É papel das pesquisas acompanhar e revelar eventuais mudanças nesse cenário.
Estudos apontam bom rendimento de cotistas
Unicamp, UFBA e Uergs adotaram diferentes tipos de ação afirmativa
19% das universidades públicas do país já aplicam algum tipo de benefício aos alunos afrodescendentes ou que sejam de baixa renda
ANTÔNIO GOIS
RAPHAEL GOMIDE
DA SUCURSAL DO RIO
As políticas de ações afirmativas em discussão no Congresso já podem ser examinadas com base em experiências concretas de várias universidades públicas brasileiras. A Folha selecionou três delas por serem pioneiras ou por já terem feitos estudos que permitiram avaliar os primeiros resultados.
Os caminhos escolhidos pela Unicamp, UFBA (Universidade Federal da Bahia) e Uergs (Universidade Estadual do Rio Grande do Sul) são diferentes. Em comum, está o fato de as análises feitas até o momento terem mostrado que o desempenho dos beneficiados foi semelhante -e em alguns casos até superior- ao dos demais estudantes. As taxas de evasão deles também foram menores.
A Uergs foi a primeira universidade pública a adotar, em 2002, uma reserva de vagas levando em conta apenas o critério socioeconômico, sem considerar a cor do candidato.
A instituição separa metade das suas vagas a alunos carentes e 10% a portadores de deficiência. "Embora não haja dados confiáveis a respeito, toda desigualdade ou preconceito se traduz em diferenças econômicas. Por isso, atendemos a todas as formas de desigualdade", disse o reitor da universidade, Nelson Boeira. Segundo ele, a diferença nas notas foi pequena entre os grupos de alunos.
Preconceito
A UFBA, uma das primeiras federais a adotar cotas, escolheu reservar vagas para alunos da rede pública que fossem, majoritariamente, pretos, pardos ou indígenas. Com isso, pela primeira vez os calouros da rede pública superaram os das particulares na aprovação e o percentual de pretos, pardos e indígenas ficou próximo ao da população do Estado.
Para o pró-reitor de graduação, Maerbal Bittencourt Marinho, o aumento do percentual de negros seria alcançado mesmo sem o corte racial. Apesar disso, ele defende o critério.
"Nas escolas públicas baianas, o percentual de negros é grande. Mas a universidade aceitou estabelecer também o corte racial para mostrar que ela defende que o lugar do negro é também na universidade. Isso ajuda a mudar a visão preconceituosa da sociedade", diz.
Já a Unicamp, por meio de um sistema de concessão de bônus, foi a primeira instituição pública a adotar uma ação afirmativa sem cotas usando a justificativa de que, dessa maneira, seria preservado o princípio do mérito acadêmico.
Houve aumento no número de alunos de escolas públicas, pretos, pardos e indígenas, ainda que não próximo do percentual da população de São Paulo.
A universidade avaliou o desempenho acadêmico do método. Na maioria dos cursos (31 dos 56), os beneficiados apresentam rendimento melhor do que o dos demais no primeiro semestre. "Os resultados mostram que o programa foi até agora bem-sucedido, mas vamos continuar acompanhando os resultados para ter mais confiança no caminho escolhido ou aperfeiçoando o sistema", diz o reitor José Tadeu Jorge.
Essas não são as únicas experiências com ações afirmativas em curso no Brasil. Segundo a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, 30 instituições de ensino superior federais ou estaduais já adotam algum critério. Elas representam 19% total de 162 instituições dessas duas redes.
Estatuto criaria "racismo de Estado", diz antropóloga
Para professora, lei da igualdade racial institucionalizaria o preconceito e não ajudaria em seu combate na sociedade
Intelectual contrária às cotas defende criação de mais vagas e cursos na universidade pública em vez da reserva de cadeiras
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
Pouco menos de um mês depois de entregar ao governo um manifesto contra o projeto de Lei de Cotas e o Estatuto da Igualdade Racial, a antropóloga Yvonne Maggie, uma das autoras do texto, comemora. O documento, assinado por 114 intelectuais, acadêmicos e artistas, vem acumulando adesões que já somam 900 pessoas. Em entrevista à Folha, a professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio Janeiro) disse que as cotas e o estatuto desestruturam a idéia de nação ao dividir a população em duas raças. Defendeu ainda que as universidades públicas recebam mais alunos, sem ter de adotar uma política de cotas. Leia a entrevista que concedeu na última quinta-feira.
FOLHA - O que você achou da repercussão que a polêmica dos estatutos causou nas últimas semanas?
YVONNE MAGGIE - Vejo que houve uma reação interessante. Nossa carta foi assinada por 114 pessoas e agora já temos quase 900 adesões. Constituiu-se um movimento. Antes éramos apenas pesquisadores, intelectuais e artistas isolados e estávamos falando no deserto. Mas, o debate se tornou de toda a nação.
FOLHA - Qual é o problema com a lei de cotas e com o estatuto?
MAGGIE - A grande crítica que temos não é ao diagnóstico, é à solução. Qual é o apelo das cotas e do Estatuto da Igualdade Racial para a sociedade? É que parece ser uma solução fantástica para acabar com a desigualdade. Mas nós contestamos isso. A grande discussão é como combater o racismo.
FOLHA - As cotas não poderiam ajudar nesse processo?
MAGGIE - O estatuto e as cotas nos pressionariam a não sermos mais brasileiros. Ao estabelecer a classificação dos brasileiros em duas raças, seremos uma outra nação. Somos a favor de uma legislação que combata o racismo, que tenha o racismo como crime hediondo, comparável ao terrorismo. O que as pessoas que são a favor das cotas nos dizem é que este país já é, na prática, dividido. Bem, mas uma coisa é o racismo na sociedade, outra coisa é o racismo de Estado. É contra esse racismo de Estado que nos colocamos. E a favor da proposta de uma legislação "arracial".
FOLHA - Os que defendem as cotas dizem que os cotistas têm alcançado bons resultados na universidade.
MAGGIE - Não me espanto com o fato de os cotistas se saírem muito bem. Por que não se sairiam? A questão é que a universidade pública tem de abrir as suas portas, e as cotas são uma forma precária de fazer isso. Só vão criar problemas. É preciso reavaliar o potencial da universidade pública de fazer ensino de massa.
FOLHA - Como seria a reavaliação?
MAGGIE - Nós temos, nas universidades públicas, um grande potencial de abertura e de ampliação dos cursos. Porque não abrimos mais vagas? Temos professores e temos salas de aula suficientes para termos mais alunos. O problema não é colocar pessoas para dentro da universidade, é fazer elas se formarem. Estabelecer cotas é trocar seis por meia dúzia.
FOLHA - Se o texto do Estatuto for amenizado, você acha que ele poderia ser aplicado?
MAGGIE - O Estatuto é um problema. A única forma de combater o racismo é criar campanhas nacionais, investir em delegacias de disque-racismo, por exemplo. O estatuto poderia ser da igualdade e não da igualdade racial, pois igualdade racial é uma contradição. Se existem raças, não existe igualdade. A primeira lição é que raça não existe. Identidade étnica só faz sofrimento, é uma invenção.
Críticas a cotas são "cegueira social", afirma ministra
Matilde Ribeiro diz que reação contrária neste debate é natural, mas traz um olhar viciado sobre o tema
Para ela, a alegação de que cotistas teriam dificuldade em acompanhar as aulas ou seriam estigmatizados não condiz à realidade
LUCIANA CONSTANTINO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A ministra Matilde Ribeiro (Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) reconhece que a miscigenação dificulta a classificação de uma pessoa como afrodescendente, mas diz haver "divisões sociais" no Brasil. Por isso, defende ações afirmativas para reduzir as desigualdades. Militante do movimento negro antes de participar do governo federal, Matilde afirma que o "dilema" entre cotas sociais e raciais está resolvido no projeto de reserva de vagas em universidades. Ela recebeu a Folha na semana passada em seu gabinete.
FOLHA - O Estatuto da Igualdade Racial considera afrobrasileira pessoa que se classifica como tal. Qualquer um poderá se declarar assim para tentar se beneficiar de cotas?
MATILDE RIBEIRO - No Brasil sempre tivemos a máxima de que não somos racistas e somos mestiços. O movimento negro, desde a abolição, trabalhou para que tivéssemos orgulho de sermos negros em uma sociedade que não nos acolheu. Sabemos que ser negro não é fácil.
FOLHA - Se o quadro muda, não haverá quem queira se beneficiar?
MATILDE - Não necessariamente. No Brasil, devido à miscigenação, é difícil saber quem é ou não. O consenso do IBGE para perguntar a cor é a autodeclaração. Se isso acontecer [se beneficiar não sendo afrodescendente], vai ser uma minoria.
FOLHA - No Brasil, o que identifica um afrodescendente?
MATILDE - Os rappers têm uma definição interessante. Dizem: "Os brasileiros podem não saber quem é negro ou branco, mas a polícia sabe". Nossos limites raciais não são visíveis como os da África do Sul durante o apartheid. Mas, temos divisões sociais e cotidianas.
FOLHA - Cotas não são mecanismo de desigualdade?
MATILDE - A Constituição brasileira é uma das mais avançadas. Está dito que todos somos iguais independentemente de sexo, credo, raça, idade, blá, blá, blá. Mas há uma dinâmica da sociedade que vai além e é excludente. Justamente por ser excludente é preciso ter medidas de governo e de Estado para chegar ao equilíbrio colocado na Constituição. Considero a crítica ao sistema de cotas parte da nossa cegueira social.
FOLHA - As pessoas deixaram de ver esse problema?
MATILDE - Esse dilema entre cotas sociais e raciais creio que resolvemos na formulação da proposta de projeto de lei de reserva de vagas nas universidades encaminhada à Câmara. Prevê reserva de 50% das vagas das universidades públicas para alunos oriundos de escolas públicas (cota social) combinada com proporção de negros e indígenas nos Estados (cota racial). É a somatória das duas.
FOLHA - Mas não é o desenho que vemos nas cotas previstas no texto do Estatuto da Igualdade Racial.
MATILDE - O texto que está no Congresso já passou por alterações, e o governo fez contribuições. Mas ainda não chegamos ao final da negociação e dos procedimentos.
Já em relação ao debate com intelectuais e agentes políticos, creio ser natural a reação contrária. O debate é bem-vindo, mas não concordo com o princípio das pessoas que se apresentam contra o projeto. Para complementar o termo cegueira, diria que o olhar dessas pessoas que se apresentam contra é viciado. Cito exemplos. A alegação de que alunos, ao entrarem pelas cotas, teriam dificuldade de permanecer, estariam estigmatizados, nada disso se comprova. As experiências em curso têm mostrado que quem entra pelas cotas tem tendência de superar a média escolar.
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2/7/2006 -Francisco Foot Hardman - O Estado de São Paulo - Brasil |
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Os mitos raciais |
17/7/2006 - Luiz Carlos Bresser Pereira - Folha de S. Paulo - Brasil |
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Release:
Livro homenageia mulheres negras e afro descendentes em dia de evento internacional
No próximo dia 25 de julho, na Câmara Municipal do Salvador, será lançado em evento especial o livro Mulheres do Vento Mulheres do Tempo, para marcar o Dia Internacional de Luta da Mulher Negra da América Latina e do Caribe. A iniciativa em Salvador é da produtora e microempresária Mônica Kalile, fundadora da entidade não governamental e cultural A Mulherada, associando-se com as manifestações que também ocorrerão em diversas cidades brasileiras, nas Américas e no Caribe. O livro, organizado por Mônica e uma equipe de jornalistas e historiador , relaciona em sua primeira edição, 100 mulheres negras e afro descendentes que se destacaram em suas atividades profissionais, desde as mais simples até as mais qualificadas.
Mônica define o livro como uma linha guia para a busca de informações, consulta escolar, pesquisas e análise da ação discriminatória étnica, que ainda atinge as mulheres afro descendentes, mas que foi e tem sido superada por elas, não só conquistando espaços, como estendendo conquistas históricas para o beneficiamento da sociedade como um todo. Entretanto, observa, muitas dessas mulheres não são olhadas em sua importância, minimizando-se ou desprezando a sua influência, quando não qualificadas folcloricamente, como personagens lendárias.
Dentre as 100 mulheres relacionadas como destaque do livro, estão jornalistas, artistas, empresárias, esteticistas, profissionais liberais, culinaristas, domésticas, comerciantes, líderes comunitárias, líderes sindicais, parlamentares e militantes políticas e religiosas, educadoras, dentre outros segmentos.
A edição de Mulheres do Vento Mulheres do Tempo tem o patrocínio da Fundação Palmares e apoio da Fundação Gregório de Matos, Semur ( Secretaria Municipal da Reparação) , Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara de Vereadores e Superintendência Especial de Políticas para as Mulheres - SPM . É composto de 206 páginas contendo fotografias, resumo biográfico e entrevistas sobre fatos marcantes na vida das entrevistadas, que servem como estímulo na luta contra os preconceitos racial e de gênero e outras adversidades na construção de suas dignidades e da história em diferentes dimensões. É a realidade de vida de cada uma contada por elas mesmas, enquanto agente e paciente dos fatos.
Salvador, 18 de julho de 2006.
Contatos: Mônica Kalile: 3326-7166/ 9925-9529 E-mail:mokalile@terra.com.br
Apresentação
Mulheres do Vento Mulheres do Tempo, identificando 100 Mulheres Negras da Bahia, é como um espelho d´água de um imenso oceano de verdades que se mostram na superfície, impulsionadas pelo profundo.
Foi a trajetória na busca desse profundo que levou A Mulherada, através de Mônica Kalile, produtora cultural e fundadora da entidade, a trazer à tona essas Mulheres-Modelos cujas histórias de vida estão fundadas nos mesmos valores de A Mulherada: solidariedade; pioneirismo; transparência; vontade; responsabilidade; inovação.
Ao ressaltar os nomes dessas 100 Mulheres, A Mulherada reconhece todas as Mulheres Afrodescendentes que jamais foram anônimas em seu dia-a-dia, em sua luta, em sua escolha, com vidas e valores tão iguais, porque fundados na mesma verdade das ancestrais que chegaram ao Brasil, pelo maior porto de chegada dos povos do continente africano: Salvador.
A sabedoria e a perseverança das ancestrais apontam para tempos de bonança, para milhões de Mulheres afro-brasileiras que não vão esperar pela felicidade nem pela liberdade, mas que vão continuar buscando essas grandezas na luta plantada pelas ancestrais.
As Mulheres Negras descendentes estão valorizando a trajetória de seu povo, conscientes do sofrimento lhe foi impingido, sem precedentes na história da humanidade. Essas Mulheres descendem de verdadeiras santas, por nós canonizadas, que ofereceram o amor à verdade e a luta pela dignidade como alicerces cravados nessa terra, raízes profundas que formam a alma do povo negro.
O Vento tem se encarregado de provocar e expandir o movimento das Mulheres, como as identificadas nesse belo livro. O Tempo tem atualizado a luta contra toda a forma de discriminação, para a dignidade plena. O Vento e o Tempo, juntos, vêm bradando aos quatro cantos do mundo a situação das Mulheres Negras na Bahia e no Brasil. O Vento chegou! O Tempo é agora!
Ana Maria Felippe
Coordenadora de Memória Lélia Gonzalez