Tuesday, July 25, 2006

Racismo: professor decide processar alunos

Racismo: professor decide processar alunos

Érica Montenegro
Do Correio Braziliense

13/07/2006

07h41
-O que até o início da semana era apenas um boato de desentendimento entre professor e alunos, nos corredores da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade de Brasília (UnB), promete virar um caso a ser decidido nas cortes de Justiça. Revoltado com as acusações de racismo feitas por um grupo de mestrandos de ciência política, o professor Paulo Kramer promete pedir, judicialmente, reparação no valor de R$ 3 milhões pelos danos causados a sua imagem. Por sua vez, Gustavo Amora, líder do grupo de alunos que formalizou a denuncia contra Kramer à reitoria da UnB, pretende responder ao ato processando o professor por crime de racismo.

Na tarde desta quarta-feira, por telefone, Kramer afirmou que seu advogado já trabalha na preparação de uma ação penal e outra civil contra os alunos e que o valor da indenização pretendida seria de R$ 3 milhões. Professor-adjunto da UnB há 19 anos e consultor político no Congresso Nacional, ele considera que a exposição do caso na mídia e na UnB prejudicou sua imagem pública.

Kramer não recuou das afirmações feitas em entrevista ao Correio e publicadas na edição de ontem, mas argumentou que não falaria mais sobre o assunto, atendendo a recomendações do advogado. Na entrevista, ele admitiu que costuma usar em suas aulas a palavra “crioulada” para se referir à população negra.

Gustavo Amora soube da intenção de Kramer por meio de jornalistas e criticou o professor: “Tentávamos resolver a coisa no plano administrativo. Se ele me processar, eu o processo por racismo”, afirmou o estudante, que também trabalha no Congresso Nacional. Em uma das últimas aulas que Gustavo assistiu, Kramer o chamou de “racista negro” e “Ku-Klux-Klan negra”. “Isso é racismo claro e foi ofensa pessoal dirigida a mim”, considerou.

O conflito entre o professor e o grupo de seis mestrandos em ciência política começou ainda na primeira aula da disciplina Teoria Política Moderna, em 24 de abril. Ao explicar uma política compensatória destinada, na década de 60, à população negra dos Estados Unidos, Kramer afirmou: “Não adianta dar dinheiro para essa crioulada.” A expressão incomodou Gustavo Amora, que tem a pele morena e se reconhece como negro. Na graduação, o aluno trabalhou pela aprovação do sistema de cotas para afrodescendentes na UnB. “Sou sensível a estas questões. Eu sei o que racismo, já sofri com isso”, afirma.

Denúncia formal
Gustavo e mais cinco mestrandos de ciência política formalizaram denúncia contra Kramer à reitoria da UnB. O reitor Timothy Mulholland prometeu encaminhar o caso para que os advogados da instituição decidissem quais os procedimentos adequados. A disputa entre o professor e o grupo de alunos ligados a Gustavo era ontem o principal assunto nas rodinhas de conversa do Instituto de Ciência Política. As opiniões se dividiam entre os que concordavam com os estudantes e os que defendiam o professor. Todos, contudo, afirmaram que uma das principais características de Kramer é a virulência das palavras e a defesa firme de seus pontos de vista.

Na entrevista concedida ao Correio, o próprio Kramer reconheceu isso: “Eu sei que incomodo, porque não tenho medo do confronto, porque não pertenço à esquerda ingênua”. Segundo ele, o grupo estaria promovendo uma espécie de patrulha ideológica por não concordar com sua postura política e intelectual. “Foi ofensivo, me senti incomodado, mas continuo respeitando a postura ideológica do professor”, responde Gustavo Amora.

Assunto interno
A diretora do Instituto de Ciência Política (Ipol), Lúcia Avelar, acredita que os estudantes radicalizaram ao levar o debate para fora da UnB. “A questão estava sendo tratada como prioridade aqui dentro, estávamos encaminhando soluções, mas eles foram irredutíveis”, afirma. Segundo ela, Paulo Kramer pode ser veemente no discurso, mas não é racista. “É um professor respeitado, tem quase 20 anos de história aqui dentro. Não merece sofrer uma acusação tão séria assim”, considera.

Coordenador da pós-graduação em ciência política, o professor Antônio Brussi lamentou ver um professor do mestrado envolvido em uma polêmica que chegou às páginas dos jornais: “Todos aqui têm uma trajetória de respeito à democracia e às liberdades democráticas, espero que isso seja respeitado pela imprensa”.

Os professores do Instituto se reúnem amanhã e segunda-feira para discutir como será a avaliação dos alunos que se opõem a Kramer. Para evitar novos confrontos, Lúcia Avelar proporá que o grupo faça uma prova escrita a ser corrigida por outros professores.

Vários significados
As definições da palavra “crioulo” ocupam 47 linhas nas páginas 870 e 871 do Dicionário Antônio Houaiss. A primeira delas dá ao termo o significado de “cria” ou “escravo”. As outras definições são qualificativos para pessoas, de acordo com o lugar de nascimento. Algumas fazem menção à raça, outras não. De acordo com o Houaiss, a palavra pode ser usada para qualquer descendente de europeu que nasceu em países americanos, bem como para quem nasceu escravo no então no Novo Continente.

Em entrevista ao Correio, o professor Paulo Kramer afirmou que usou “crioulada” para traduzir a forma como os sociólogos norte-americanos classificam “black under class” — algo como “negros de baixa classe”. Segundo Kramer, este grupo só seria menos pobre do que os imigrantes ilegais que moram nos Estados Unidos. “Eles são pobres e sem estudo, só estão acima dos imigrantes”, explicou.

Diretora do Instituto de Ciência Política, Lúcia Avelar diz que não usaria a palavra para se referir à população negra e pobre, mas que a expressão pode não estar carregada de preconceito. “Eu não usaria, mas a palavra não é proibida. O escritor Machado de Assis a usava”. Para a professora, atos de preconceito podem ser expressos por palavras e por comportamentos. Presidente do Grupo Cultural Olodum, da Bahia, João Jorge dos Santos Rodrigues acompanha a polêmica via internet. “Não tenho dúvidas de que a declaração do professor foi racista, todo mundo sabe que ‘crioulada’ é um termo pejorativo. Ele deveria ter usado população negra, afrodescendente ou população afro-americana”.

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