Saturday, July 15, 2006

`Reparação já´

`Reparação já´
Movimentos sociais pressionam organizadores da II Ciad e incluem reivindicações na declaração de Salvador
Perla Ribeiro

No grito, militantes do movimento negro pressionaram o ministro Gil e conseguiram ter voz

Foi preciso muita pressão dos movimentos sociais para que as reivindicações de reparação e políticas de ações afirmativas fossem incluídas na Declaração de Salvador, redigida ao final da II Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora (Ciad), encerrado ontem em Salvador. Até o início da noite de ontem, as questões ainda estavam de fora do esboço do documento distribuído ao público. Entretanto, inspirados no passado de luta dos ancestrais, os jovens integrantes dos movimentos não arredaram pé enquanto não tiveram o pedido atendido. Depois de levar um "bolo" da ministra da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, por quem esperaram em vão, durante duas horas, para uma reunião, os militantes decidiram defender sua causa no palco das decisões _ o Auditório Yemanjá. O grito da conquista só foi dado por volta das 21h e comemorado entoando o hino nacional da África do Sul, que é compartilhado por vários países do continente.

Com certa ironia, o ministro da Cultura, Gilberto Gil, disse ter considerado natural haver pressão para que os temas de maiores demandas hoje na comunidade negra fizessem parte do documento. Antes disso, tomando as dores dos militantes, o embaixador da Jamaica, Dudley Thompson, foi se posicionar a favor da inclusão dos itens no documento e ouviu do ministro uma repetição de "vou ver". "Acho que vocês não devem parar, não devem jogar fora o que estão fazendo, tem que reivindicar sim, que estas questões estejam pautadas no documento. Essa é a nossa voz e a nossa voz é o sangue do movimento", disse o embaixador, incentivando os jovens a não abandonarem a luta. Representantes de outros países africanos também se mostraram solidários à causa.

Durante todo o dia de ontem, o grupo conseguiu mais de mil assinaturas para compor uma moção de apoio para que seja instituído o 18 de agosto como o Dia Nacional de Mobilização em Defesa das Cotas. "Consideramos que a desigualdade racial no Brasil tem fortes raízes históricas e esta realidade não será inalterada significativamente sem a aplicação de políticas públicas específicas", diz a introdução da moção. Antes de ter sido anunciada a inclusão da reparação e de políticas de ações afirmativas na Declaração de Salvador, o militante do Movimento Negro Unificado Hamilton Borges Walê considerou um autoritarismo a leitura da carta sem a aprovação popular.

"Queremos colocar adendos. Esta é uma conferência com ampla participação mundial e está saindo daqui uma carta muito polêmica do ponto de vista político, por se fazer ausente a discussão da reparação e de políticas afirmativas. Embora a pauta do momento seja a questão da reparação, o governo não tem demonstrado uma posição sólida com relação ao assunto", avaliou o militante do MNU. Durante o encerramento da Ciad, quando foi lançado um selo dos Correios e Telégrafos comemorativo ao evento, a ex-presidente do Parlamento da África do Sul, Frene Ginwala, que dividiu a presidência do evento junto ao ministro Gilberto Gil, anunciou que receberam um grande número de propostas a serem incrementadas à Declaração de Salvador, porém, nem todas puderam ser contempladas.

Entre as sugestões acatadas, citou uma proposta do governo de Senegal, não divulgada, e a "exortação" ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva da inclusão das cotas e da adoção de uma política de reparação. Logo após o anúncio, durante quase cinco minutos, todos repetiram, em português, a palavra de ordem: "Reparação já". Sem tradução, muitos da platéia deviam até ignorar o que sentido da frase, mas a euforia do grupo contagiou a todos, fazendo com que a coletividade somasse as vozes para comemorar a vitória da raça negra.

Aqui Salvador, Correio da Bahia, 15.07.2006 - www.correiodabahia.com.br

No comments: