Monday, October 16, 2006

70% dos jovens assassinados são negros

15/10/2006 - 09h29
70% dos jovens assassinados são negros
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da Folha de S.Paulo

Em cada grupo de dez jovens de 15 a 18 anos assassinados no Brasil, sete são negros. A raça também representa 70% na estimativa de 800 mil crianças brasileiras sem registro civil. Entre os indicadores negativos, os negros só perdem para a população indígena na taxa de mortalidade infantil.

Os números, contidos no relatório "Estudo das Nações Unidas sobre a Violência contra Crianças", encomendado pela ONU (Organização das Unidas), mostram que o perfil das vítimas da violência vai muito além da faixa etária.

"A violência não tem só idade. Tem cor, raça, território. As vítimas são os negros, os pobres, os moradores de favelas", afirmou a psicóloga Cenise Monte Vicente, coordenadora do Escritório do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) em São Paulo.

A declaração foi feita na última quarta-feira, durante debate sobre a situação da violência contra crianças no Brasil e no mundo, promovido pela Folha e pelo Unicef e com a mediação do jornalista Gilberto Dimenstein, colunista e membro do Conselho Editorial da Folha.

Nesse dia, o relatório, feito pelo professor e pesquisador Paulo Sérgio Pinheiro, foi apresentado na Assembléia Geral das Nações Unidas. Pinheiro foi convidado como especialista independente pelo secretário-geral da ONU, Kofi Annan.

O documento cita relatórios de 132 governos e consultas a organizações não-governamentais. A realidade brasileira é descrita por dados como os do SIM/DataSus (Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde). Segundo estatísticas de 2000, 16 crianças e adolescentes foram assassinados por dia, em média. Desses mortos, 14 tinham entre 15 e 18 anos. Nessa faixa etária, 70% eram negros.

"Se somarmos as 14 mortes por dia, é mais de um Boeing a cada duas semanas, sendo a maioria formada por negros", afirmou Cenise, referindo-se à tragédia com o vôo 1907 da Gol, que vitimou 154 pessoas. "É importante investigar as causas da tragédia do Boeing. Mas em relação a essas mortes [de jovens e negros], a gente não tem a mesma atitude e vigilância. Alguma coisa está errada."

Segundo Cenise, o alerta também vale para a situação da criança indígena no Brasil. O relatório cita que a média de óbitos entre crianças até um ano de idade é de 47 por mil nascidos vivos. A média nacional foi de 26 óbitos em 2004.

As preocupações com os aspectos raciais e étnicos da violência estarão no plano de colaboração do Unicef com os países onde atua, elaborado a cada cinco anos. "Vamos fazer um corte [separação] racial e étnico e sensibilizar os gestores públicos e as ONGs para tornar esse padrão inaceitável", disse.

Nada cordial

Para o advogado Oscar Vilhena Vieira, diretor-executivo da ONG Conectas Direitos Humanos e professor da Escola de Direito da FGV (Fundação Getúlio Vargas), que também participou do debate, as estatísticas de homicídio desmentem a visão do Brasil como um país cordial. "O Brasil não tem nada de país cordial. É um país profundamente violento, especialmente com jovens, negros e moradores das periferias."

Essa violência, segundo o advogado, está presente na sociedade e no Estado. "Parece até que se treina tiro tendo o jovem como alvo, tanto do lado dos bandidos como o das instituições de Estado", disse.
Vieira afirma que a legislação brasileira --entre elas, a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente- avançou nos últimos anos, mas não impediu que a sociedade e o Estado continuassem "absolutamente negligentes".

Para exemplificar, Vieira citou um outro dado contido no relatório. O documento reproduz levantamento do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), de 2004, que estima que existam 80 mil meninos e meninas em abrigos --87% deles tinham família e somente 5% eram órfãos. "Essas crianças estão sendo objeto de absoluta negligência. Não necessariamente da família, que muitas vezes não tem capacidade de dar conta dessas crianças, mas do Estado, que tem obrigação com essa família."

Violência social

Dalka Chaves de Almeida Ferrari, psicóloga com especialização em enfrentamento da violência doméstica contra criança e coordenadora do Centro de Referência às Vítimas da Violência do Instituto Sedes Sapientiae, foi outra especialista a participar do debate. Segundo ela, pesquisa realizada pelo centro, com apoio do Unicef, apontou a "violência social" como o principal tipo de violência enfrentada nas escolas. O levantamento foi realizado em 20 municípios brasileiros, de várias regiões do país.

Os educadores responderam a questionários. O item "violência social" foi o mais citado, na frente da violência física, sexual ou doméstica. "A questão mais presente e mais difícil de os educadores lidarem é a criança que chega desnutrida, que chega sem comida, que chega com a roupa rasgada. E isso se repete em toda as escolas", afirmou.

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