Friday, October 27, 2006

Agentes falam sobre racismo e saúde

Mariana Rios

Teatro, música e informação marcaram o Dia de Mobilização Nacional Pró-Saúde da População Negra, comemorado ontem em mais de 20 estados brasileiros. Em Salvador, o Parque de Pituaçu sediou uma parte da movimentada agenda, e agentes de saúde do distrito sanitário da Boca do Rio esclareceram a população sobre racismo e saúde. Os índices do Ministério da Saúde apontam maior dificuldade de acesso por parte da população negra aos serviços de saúde. O risco de morte, por exemplo, por doenças infecciosas e parasitarias é 60% maior para as crianças negras e pardas com menos de 5 anos quando comparadas às brancas.

Esta semana, o ministro da Saúde, Agenor Álvares, colocou em discussão as bases para a Política Nacional de Saúde da População Negra. No texto, o governo federal reconhece a existência do racismo institucional e a desigualdade étnico-racial no Sistema Único de Saúde (SUS). Depois de admitida a falha, o ministério pretende investir em capacitação de profissionais e campanhas de conscientização. Segundo estimativas do órgão federal, 90% da população que se autodeclara negra depende do SUS.

Para a coordenadora do grupo de trabalho de saúde da população negra da Secretaria Municipal de Saúde, Denise de Almeida, o SUS, em si, não é racista, apenas reproduz os preconceitos da sociedade brasileira. “O racismo na educação, no acesso ao emprego ou à terra impacta na saúde. É necessário dar uma atenção maior para este grupo, de uma forma geral”, afirmou Almeida. No centro de saúde, muitas vezes, o profissional não está capacitado para lidar com doenças de prevalência na população negra, seja por deficiência na formação ou por falta de capacitação. “Isto é reflexo do racismo também”, explicou Almeida.

Ela pontuou que anemia falciforme, hipertensão arterial, mortalidade materna são as ocorrências mais comuns entre a população negra. “Falta à mulher negra orientações sobre planejamento familiar e atendimentos pré-natal”, declarou. De acordo com o Ministério da Saúde, 40% das mães dos nascidos vivos afirmaram ter comparecido a sete ou mais consultas de pré-natal. Os menores percentuais foram observados para mães pretas, pardas ou indígenas.

A intenção é levantar a discussão, identificar causas sobre os motivos de a população negra ainda sofrer para ter acesso a um serviço de saúde precário. Além das doenças do aparelho circulatório, mortes por causa externa, que vitimizam, em 90% das ocorrências, negros, jovens e pessoas de bairros periféricos, são outra preocupação que deve ser colocada na ordem das discussões.

Cultura - Para Almeida, o maior desafio é “trabalhar o profissional para que ele compreenda o papel importante que desempenha, sem nunca esquecer a abordagem adequada, já que 45% dos maiores de 15 anos são analfabetos funcionais”, ou seja, lêem, mas não compreendem o conteúdo da informação. Em Salvador, com a população majoritariamente negra, o desafio é reverter os indicadores e fazer do conceito de equidade não só uma meta para saúde.

Outra bandeira levantada ontem, no Dia de Mobilização Nacional Pró-Saúde da População Negra, foi a ampliação no SUS da adoção de práticas tradicionais da cultura negra, como a utilização de plantas medicinais em tratamentos médicos. Em alguns terreiros de candomblé e na Botica da Terra, no Pelourinho, através do programa de extensão da Ufba Farmácia da Terra, foram distribuídos panfletos e orientações.

A professora da Faculdade de Farmácia da Ufba, Mara Zélia de Almeida, explicou que, em junho, o Ministério da Saúde aprovou a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, que traça diretrizes da saúde da população dentro do respeito às tradições de cada etnia. “É necessário e importante que seja implantado o mais rápido possível práticas integrativas e complementares ao tratamento. Uma forma de humanizar e individualizar o tratamento”, afirmou Mara Zélia. Assim, chás serão receitados concomitantemente ao medicamento.

Aqui Salvador, Correio da Bahia, 28.10.2006 www.correiodabahia.com.br

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