Friday, October 20, 2006

Crônica de um Racismo re-velado


Crônica de um Racismo re-velado


Andréa é alemã, loura, de grandes olhos verdes. Arquiteta de profissão, há anos é casada com o angolano Agostinho Pereira dos Santos, professor. Ambos tem 3 filhos: dois meninos, de 12 e 10 anos de idade; e uma menina de 8 anos. Os filhos, por um segredo genético, apesar de parecerem muito com a mãe, puxaram na pele e nos cabelos o pai. Até aí, morreu Neves. O casal é comum na cena multicultural e social de Berlin, além dos ranços racistas que ainda persistem por aqui.

Aproveitando as férias escolares de outono, Andréa foi ao Brasil mês passado para um seminário em São Paulo e visitar um pouco o país. Levou consigo sua filha caçula. Depois de São Paulo, foi ao Pantanal, em Salvador e por fim o Rio de Janeiro. Lá ficou hospedada em casas de amigos no Flamengo, num desses edifícios de classe média meio abastada, que se acha importante. Ali também encontrou com a cunhada, irmã de seu marido, pois logo após seguiriam de volta juntas à Berlin.

Desde o primeiro dia notou que eram olhadas estranhas toda vez que entravam no elevador ou quando passavam pelo porteiro do edifício. Ela, a princípio, não entendia muito bem o que estava acontecendo. Mas um dia a ficha caiu: uma tarde quando cruzou com o porteiro, esse lhe pediu uma “palavrinha” e disse que apartir daquele dia, “a empregada” e “a filha da empregada” tinham que ter acesso só ao elevador de serviço. Andréa olhou para o porteiro e falou: “Eu não tenho empregada e aquela senhora, a Dra. Maria, é minha cunhada; e a menina é a minha filha... Com licença!!!...

Apartir daí, foi notando comportamentos estranhos em pessoas, ás vezes sutis, outras vezes mais acentuados, em vários lugares onde ia com a filha e a cunhada angolana: seja na rua, em shops, supermercados, restaurantes, bancos em que entravam para trocar dinheiro, em conduções, etc.

A gota d´água aconteceu quando foi em uma festa, levadas pelos amigos onde estavam hospedadas. A cunhada não poderia ir porque tinha encontro com amigos angolanos que moram no Rio, pois dois dias depois iriam viajar para Berlin.

Andréa chegou com a filha e momentos depois começou a reparar, toda vez que ela estava por perto, que as pessoas às vezes só comentavam assuntos sobre favela, menores perigosos nas ruas da Zona Sul, etc ... E também que algumas mulheres começaram a falar sobre adoção de crianças brasileiras por estrangeiros. Algumas deixavam no ar sutilmente, querendo saber sobre a sua “menina adotada”. Até, que uma senhora, não agüentando mais, e parecendo encarnar a curiosidade latente que estava no ar, chegou a ela e perguntou:

- A “pretinha” aí você adotou aqui no Brasil ou lá África? Como pode, você loura e bonita desse jeito... não deveria escolher uma criança mais clarinha?

Andréa não acreditou no que ouviu. E tomada de uma súbita raiva, respondeu em alto e bom som:

- A “pretinha”ali quem pariu foi o meu ventre e com muito orgulho; e não troco a minha “pretinha” ali por nenhuma de vocês aqui... E com licença!...

Levantou-se, falou com os amigos que ia embora e partiu com a sua “pretinha”...

Em, Berlin, antes de ir para Angola com a família, para um ano de trabalhos na África, telefonou-me para se despedir. Ainda sobre o impacto do que tinha acontecido, suas últimas palavras antes da despedida do “bis später” (até mais tarde), falou-me:

- Eu não sabia que o Brasil está assim não, Ras Adauto... Eu pensei que era outra coisa...

Pois é, o Brasil, em certas áreas sociais, está assim... Racista!!!!!

Ras Adauto Berlin

Ilustracao: Degas2

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