Tuesday, October 17, 2006

Sarney e os afros descendentes


Sarney e os afros descendentes



O homem parecia aquilo n'água em meio àqueles afro descendentes sem qualquer emoção, levados para o cenário da campanha para cumprir um script, simplesmente na tentativa de colar a imagem de Sarney a um povo generoso que lhe deu dois mandatos, mas está arrependido.

Quando vi aquele palanque na TV, me alegrei, mas também me entristeci: como podem uns poucos filhos desta terra, mesmo sendo poucos -, não importa a que preço, se prestar ao servilismo que trai uma mulher negra como eles, que se lança à luta para resgatar um mandato que pertence ao Amapá, e não ao Maranhão, e não a meia dúzia de amigos do ex-presidente?

E por que me alegrei, então? Porque vi o Sarney suando aquele conjunto azul marinho, destituído das tamancas, das quais não descia nem a pau em campanhas anteriores; já foi visto na Feira do Buritizal, trilhando pontes nas ressacas. Até criança com síndrome de down não escapou de um sorriso amarelo, de um gélido aperto de mão... Num instante achou o caminho do Laguinho, assustando a quem passava e via aquele homem que só aparece na TV, que não podia sair da redoma que chama de liturgia do cargo, uma coisa inventada pelos políticos para manter o povaréu a distância.

Isso quer dizer que nós, do Amapá, e não aqueles poucos ingênuos úteis, fomos capazes de botar o homem pra gastar a sola do sapato. Sarney está com medo de Cristina, suando frio diante da reação de uma sociedade indignada com a indiferença, com a inutilidade de dezesseis anos de dois mandatos abarrotados de promessas não cumpridas. Refiro-me às que beneficiariam o povo, porque as outras, beneficiando os amigos, viraram emissoras de rádio, canais de televisão, empregos federais, com 'direito' a garantia de impunidade.

Um viés grave desse episódio lamentável da dança do conjunto azul marinho foi o envolvimento da União dos Negros do Amapá. A entidade, ao colaborar com a encenação que interessava a José Sarney, traiu a causa do negro do Amapá. Cristina Almeida é negra, mulher, amapaense, filha do professor Lourenço Tavares de Almeida; é uma afro descendente preparada e engajada na luta pela melhoria da condição social do negro. A pergunta seria então: qual é o problema?

A UNA, que não une coisa nenhuma, deveria vir a público explicar, dizer por que preferiu um estranho a uma filha do Amapá, sob pena de negar sua própria existência; por que não uma militante pelos direitos dos negros na terra em que nasceu? Levar Cristina ao Senado, com a força do nosso voto, seria uma vitória da mulher negra, dos negros, da UNA e do povo da nossa gente querendo se enxergar melhor no Congresso Nacional, esforço ao qual não poderia faltar a presidente da Confraria Tucuju, cujo envolvimento na campanha de Sarney, trai um dos princípios elementares, entre aqueles que inspiraram a criação da entidade, que é o resgate dos valores do povo amapaense.

Saberiam estes legítimos representantes da cultura afro amapaense nos dizer onde estava o poderoso coronel José Sarney quando um outro pára-quedista mandou calar a caixa do marabaixo, fechar a Toca e meter o Pavão na cadeia? Onde estava ele, o todo poderoso senador maranhense, quando o tal promotor pára-quedista mandou fechar a Fortaleza à visitação pública? Será que estas pessoas são inteiramente destituídas de memória, ou algo que desconhecemos as está corrompendo?

E não se trata de homens e mulheres amapaenses apáticos diante da vida. Tanto que tiveram ativa participação no desenvolvimento da cultura afro, do respeito pela forma de trajar, vestir, pentear e, acima de tudo, pela forma de ser do negro amapaense.Povoaram bairros como o Laguinho e a Favela, fundaram escolas de samba como a Boêmios, o Solidariedade e a Maracatu, são os mais legítimos responsáveis pala instalação da UNA, do IMENA, da Confraria Tucuju. Entretanto, o exemplo que estão dando não é absolutamente digno de crédito e de respeito.

E digo isto porque os depoimentos, que volta e meia aparecem na propaganda política, são macetados, feitos para combinar com a 'imagem de estadista' que Sarney de forma leviana criou para si próprio. Até bem pouco tempo, a responsabilidade mútua e o interesse recíproco, bem como solidarizar-se a um irmão ou irmã de cor e de sangue, era o ápice do orgulho da tão uniarticulada Nação Negra.

Na certeza de que prevaleceram, no triste episódio da dança do conjunto azul-marinho, a subserviência e a pequenez dos interesses pessoais atendidos pela força do poder econômico, resta-me lamentar que uma parcela pequena dos negros do Laguinho ainda pareça presa nas senzalas escuras da ignorância, imobilizada pelos grilhões dos senhores da política de hoje em dia - no caso um velho coronel torturado pela ambição que lhe corrói a alma todas as horas do dia e da noite".

(Artigo da pedagoga e advogada Sônia Solange Maciel retirado do site do Jornal do Amapá pela Justiça Eleitoral, a pedido da coligação do senador José Sarney)

Data de Publicação: 6 de setembro de 2006
http://www.jornalpequeno.com.br/2006/9/6/Pagina41666Print.htm

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