Sunday, November 26, 2006

Baianas festejam o seu dia com missa e cortejo


Baiana Rita

Multidão de mulheres vestidas de branco lotou a Igreja do Rosário dos Pretos e encantou os turistas



Mariana Rios

Uma multidão delas tomou os bancos da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Do alto, os torços brancos tingiram toda a nave do templo para a missa festiva, ontem pela manhã, em comemoração ao Dia da Baiana – personagem da história do estado e patrimônio cultural imaterial do Brasil. Elas sentaram-se juntas naquela emblemática igreja para ouvir de um padre católico a importância de sua força e altivez para o sustento de lares, de uma história, da tradição.

A comemoração após o reconhecimento ano passado, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), tornou a festa ainda mais emocionante e concorrida. Dezenas de turistas com máquinas fotográficas em punho não perdiam um só detalhe da saia rodada, da bata de renda, dos colares de conta e balangandãs. As artistas do dendê eram as rainhas da festa. A baiana Maria Emília Bittencourt, 55 anos, e desde os 10 na profissão, não armou o tabuleiro ontem no Largo de Amaralina para aproveitar o dia dedicado a ela.

“Amo o que faço e sou uma artista na arte de fazer o acarajé”, afirmou sem esconder a nostalgia de quando começou. “Tinha uma hierarquia, respeito. Hoje qualquer um põe uma roupa dessa. Antes, tinha que vir do axé”, reclamou Bittencourt, após reforçar o batom antes da missa. Na homilia, o padre Josival Barbosa falou da importância da baiana como matriarca na história do povo negro na Bahia e como matriz da religiosidade negra.

“Precisamos valorizar essas mulheres de personalidade e cultura fortes que desempenharam um papel importantíssimo na vivência cultural e econômica do povo baiano”, declarou o padre, que é pároco da Igreja do Sagrado Coração de Jesus em Valença e que há seis anos participa das comemorações ao Dia da Baiana. Antes de iniciar a homilia, um cortejo delas desfilou pela igreja e encheu de axé todos os espaços do templo. De todas as idades dançaram e com um suingue próprio emocionaram-se os presentes.

Origem - A atividade de baiana, predominantemente feminina, teve início no Brasil colonial pelas escravas de ganho ou negras libertas e proporcionou a sobrevivência de famílias de ex-escravos após a abolição da escravatura. Símbolo da resistência, o alimento que produziam tem origem sagrada e associada do culto de divindades do candomblé. Na igreja, não faltou os componentes de um tabuleiro típico, como acarajé, cocada, bolinho de estudante e abará.

Promovida pela Associação das Baianas de Acarajé e Mingau (Abam), a programação festiva incluiu ainda a exibição do filme Axé do acarajé, do cineasta baiano Póla Ribeiro, no Senac (Pelourinho), e um almoço no Memorial das Baianas (Praça da Sé). Com 2.350 baianas cadastradas, a associação tenta manter a história da profissão.

“Incentivamos o debate e estamos aqui para propor políticas afirmativas para preservar nossa história. Não vamos ficar ricas, mas mantemos nossa dignidade”, afirmou a presidente da Abam, Lêda Marques. A resistência é comemorada, mas ainda há muito para avançar. De acordo com Marques, pelo menos 65% das baianas filiadas têm dificuldade de leitura. As primeiras mulheres empreendedoras, que ocuparam o mercado de trabalho, numa Salvador colonial ainda carregam o peso da primazia.

As vitórias são comemoradas sabendo que há muito a se fazer. “O reconhecimento como patrimônio nacional e o registro do ofício da baiana de acarajé são, sem dúvida, conquistas. Mas ainda nossa função não é reconhecida como profissão”, argumenta Marques, que ao solicitar o passaporte teve que ser encaixada na profissão cozinheira.

Aqui Salvador, Correio da Bahia, 26.11.2006
www.correiodabahia.com.br

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