Tuesday, November 21, 2006

Conselho de Cultura homenageia mãe Hilda e o ator Lázaro Ramos

Momentos de emoção marcaram cerimônia na sede do órgão



Jairo Costa Júnior

O Conselho Estadual de Cultura homenageou, na tarde de ontem, dois símbolos de gerações diferentes, que personificam a luta dos negros pela conquista de espaços na sociedade: o ator Lázaro Ramos e a ialorixá mãe Hilda Jitolu, líder espiritual e presidente de honra do Ilê Aiyê. A cerimônia, marcada por momentos de forte emoção e realizada em meio às atividades da Semana da Consciência Negra, ocorreu no auditório Nilda Spencer, na sede da entidade, situada no Palácio da Aclamação, centro da cidade.

Na abertura da cerimônia, a presidente do conselho, Eulâmpia Reiber, disse que a moção de mérito dedicada a ambos foi a forma encontrada pela entidade para homenagear “duas personalidades universais que contribuíram para a afirmação e construção da cidadania dos negros no país”. O evento contou com a presença de intelectuais como os historiadores Jaime Sodré e Luís Henrique Dias Tavares, o compositor, professor e apresentador de televisão Jorge Portugal e o reitor da Universidade Federal da Bahia, Naomar Almeida.

Embora a moção dedicada a mãe Hilda tenha sido solicitada por Eulâmpia Reiber, coube ao presidente do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac), Júlio Braga, explicar à platéia que lotou o auditório os motivos que levaram o conselho a homenageá-la. “Mulher marcada pela grandeza de sua sabedoria e humildade, uma líder no plano religioso, um nome paradigmático da construção civilizatória dos negros no país”, discursou Braga.

Silenciosa e aparentemente frágil, mãe Hilda, 83 anos, filha de Obaluaê e Oxum, é considerada uma das mais importantes ialorixás (mãe-de-santo) do país, conselheira para todas as horas de seus milhares de filhos espirituais. Apesar de seu papel como líder religiosa, foram ações sociais e de resgate da auto-estima dos negros desenvolvidas por ela na Liberdade que a tornaram um símbolo da resistência afrobrasileira.

Mãe biológica de cinco filhos – um deles, o presidente do Ilê Aiyê, Antônio Carlos dos Santos, o Vovô –, a ialorixá do terreiro Ilê Axé Jitolu foi a “pedra fundamental” para a construção do afro do Curuzu, um dos mais importantes grupos culturais ligados aos negros do país. Até hoje é tida como o ícone máximo da entidade. Voz baixinha, quase inaudível, mãe Hilda resumiu seu contentamento pela homenagem recebida, afirmando estar emocionada por ter seu trabalho reconhecido. Aos afrodescendentes, um conselho sábio: “Estamos em um momento importante. Devemos nos unir para poder conquistar nossos direitos”, advertiu.

Ainda experimentando o furor causado pelo seu trabalho na novela Cobras e lagartos, da Rede Globo, Lázaro Ramos, fenômeno de público na pele de Foguinho, também se declarou fã da ialorixá. “Acho que eu nem deveria estar aqui recebendo essa homenagem, por não ter uma pequena parte do valor que mãe Hilda tem. Ainda tenho que ralar muito, sambar muito”, brincou, horas antes de receber a moção por mérito cultural, o ator de 28 anos, formado nas hostes do Bando de Teatro Olodum e que já representou papéis de destaque em filmes de sucesso do atual cinema brasileiro. Entre eles, Madame Satã, O homem que copiava, Carandiru, Meu tio matou um cara e Cidade baixa.

Responsável pela indicação do ator para a homenagem do conselho, o compositor Jorge Portugal deixou o discurso escrito no papel de lado e partiu para o improviso. “Você, Lázaro, condensa em si milhares de negros que têm alma para sonhar e força para conquistar. Você é a negação de tudo que nos negaram: inteligente, brilhante e competente. Você é a prova de que a genialidade é capaz de dobrar a espinha do preconceito. Você é ainda o Lazinho do Garcia, embora não seja mais um só, e sim, milhões”, declarou Portugal, enquanto Ramos chorava timidamente.

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Estação da Leste abriga feira africana

O estudante Jailton de Moraes, 24 anos, mora desde que nasceu em Massaranduba, um dos quilombos urbanos da cidade baixa. Nunca havia repousado o olhar sobre as diferenças existentes entre a comunidade que habita e um bairro próximo, Boa Viagem, onde moram alguns de seus parentes. Até que se tornou um dos 120 mobilizadores culturais escolhidos para integrar o Programa de Educação e Profissionalização para a Igualdade Racial e de Gênero (Ceafro), ligado à Universidade Federal da Bahia (Ufba). Na tarde de ontem, Moraes e outros jovens com história de vida semelhante a dele puderam mostrar parte do que aprenderam na 6ª Feira das Nações Africana, cuja abertura aconteceu na Estação da Leste, na Calçada.

Este ano, a feira elegeu como tema Juventude Negra: Ancestralidade e Políticas Públicas. Através de debates, apresentação de pesquisas, recitais de poesia e exposição fotográfica, os mobilizadores culturais do Ceafro discutiram os principais problemas relacionados à falta de ações reparatórias em relação aos jovens afrodescendentes na Bahia. A mostra poderá ser visitada na Leste até o fim da tarde de hoje. Amanhã e depois, o evento acontecerá na sede da entidade, no Dois de Julho, e sábado, na Associação Tenda de Olorum, localizada em Massaranduba.

Como morador de um quilombo urbano, Moraes descobriu através das lentes fotográficas e de doses maciças de observação do cotidiano do bairro, que o principal fosso que separa os habitantes da sua comunidade e os da Boa Viagem está na diferença de investimentos realizados pelo poder público. “Estamos muito próximos, só que os de lá (da Boa Viagem) recebem mais obras de pavimentação, saneamento e lazer do que nós”, avaliou o mobilizador cultural. Contudo, Moraes pôde observar também que o local onde vive é um espaço onde a resistência negra se dá por meio de mecanismos como a religiosidade e a união em torno de celebrações compartilhadas por grande parte dos membros da comunidade.

Para elaborar a feira, os jovens de 18 a 24 anos capacitados pelo Ceafro em vídeo, fotografia, cultura hip-hop, teatro e dança realizaram incursões em cinco quilombos urbanos de Salvador: Massaranduba, Curuzu, Engenho Velho da Federação, Bairro da Paz e Bom Juá. Registraram imagens que sintetizam a vida nessas comunidades e conversaram com moradores sobre demandas e problemas vivenciados pelos negros que as habitam. “A cidade é culturalmente bloqueada para a juventude negra. Um exemplo claro se refere à intolerância religiosa relacionada ao candomblé”, analisou a socióloga Vilma Reis, coordenadora do Ceafro.

Vilma explica que há relatos de preconceito nas escolas contra alunos que seguem a fé da religião afro-brasileira. “Esse é um dos motivos pelo qual realizamos a feira: mostrar para a população que transita em espaços onde não tem voz, que é necessário a elaboração de políticas públicas que protejam e preservem a ancestralidade para as novas gerações de negros, criando também mecanismos de combate ao ódio racial velado e ao genocídio de jovens negros, que representam 91% dos mortos por causas relacionadas à violência no país”, destacou a socióloga. (JCJ)

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Vozes da contemporaneidade

Cilene Brito

O valor da literatura negra e as diferentes experiências de afrodescendentes na área de educação é um tema cada vez mais discutido no Brasil. A importância da divulgação desses conhecimentos se dá por diversos aspectos, sobretudo pelo resgate e preservação dos valores, memória e ciência de origem africana. É também um dos principais meios de valorização da auto-estima e da cultura afro, tão estereotipada no Ocidente. O tema, cada vez mais relevante nos dias atuais, será discutido por pesquisadores, estudantes, professores e representantes do movimento negro no IV Seminário Vozes Negras na Contemporaneidade das Américas, que acontece durante a Semana da Consciência Negra da Universidade do Estado da Bahia (Uneb).
Iniciado ontem, o evento prossegue até o dia 30, no Centro de Estudos das Populações Afro e Indígenas Americanas (Cepaia), no Pelourinho. A noite foi marcada pela abertura da exposição coletiva Arte Negra na Bahia, que integra trabalhos dos artistas Luiz Marcelo, Gleide Almeida, Gene, Sérgio Soares, Gilmar Tavares, Manoelito Damasceno, Djalma Soares, Mazo e Júnior.

“A construção de uma literatura negra é fundamental para fazer a desconstrução de alguns estereótipos negativos sobre os negros. Há uma forte idéia de que o negro não pensa, não escreve e não produz conhecimento”, afirmou o diretor do Cepaia, Vilson Caetano. Para ele, o modelo de conhecimento tradicional não caracteriza o saber africano, além de esconder as raízes negras. O conhecimento passado para todos é branco, racista e promove a exclusão. É um conhecimento baseado no legado ocidental, que não contempla as fases de transição do povo negro”, avaliou.

Realizado pela primeira vez no Cepaia, o encontro deste ano vai marcar as comemorações da Semana da Consciência Negra da universidade. O objetivo, segundo Caetano, é também marcar a presença do Cepaia como um local de produção e pesquisa voltada para a população negra. Criado em 1998, o centro possui diversos trabalhos de ensino, pesquisa e extensão das culturas indígenas e afrodescendentes. “Pretendemos reunir as diversas experiências dos pesquisadores que trabalham com a temática negra, unindo arte, literatura, educação e religiosidade”, pontuou Caetano.

O encontro também vai discutir a herança e a presença africana na Bahia, através de uma visão panorâmica sobre a cultura, música e religião negra no estado. Além das temáticas dos debates, o evento será marcado por manifestações de expressões das raízes negras, como as apresentações do Recital de Poetas Negros, Rap e Repente, e o Samba de Roda de São Braz, de Santo Amaro da Purificação. Inclui ainda na programação oficina de bonecas negras de pano e a mostra de filmes africanos.

Aqui Salvador, Correio da Bahia, 22.11.2006
www.correiodabahia.com.br

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