Friday, November 17, 2006

Estudantes discutem intolerância religiosa/e outras

LIBERDADE




O desrespeito às tradições religiosas africanas está presente nos mais diversos bairros da cidade, sobretudo nos de maior prevalência de afro-descendentes. Considerado um dos principais quilombos vivos de Salvador, o bairro da Liberdade também congrega essa realidade. As práticas de intolerância religiosas e ações para evitá-las ganharam ontem as salas de aula e foram discutidas por estudantes do Colégio Duque de Caxias, na Liberdade, durante a palestra Intolerância religiosa e o legado ancestral africano. O encontro integrou uma série de comemorações, iniciadas na última terça-feira, que marcam a Semana da Consciência Negra.

“O desrespeito à religião afro é mais comum do que se ima-gina. É uma situação preocupante em Salvador, onde as influências do candomblé são muito fortes e retratam o berço da civilização baiana. É uma cruzada de ódio”, afirmou o historiador Renato Soares. Ele destaca que a discussão sobre o tema é fundamental num ambiente escolar, onde congrega diversas correntes religiosas. O historiador afirma que à medida que as religiões evangélicas estão crescendo, aumenta também a discriminação da religião afro. “A maioria das religiões evangélicas sataniza o candomblé com base em idéias pré-concebidas e discriminatórias, afirmando que essas ações são em nome de Cristo”, salienta.

Durante o encontro, ele citou como exemplo casos de grande repercussão na mídia como as acusações do jornal da Igreja Universal, que classificou como atos de bruxaria e demônios, em 2001. Na matéria, foi estampada uma foto de mãe Gilda, do terreiro Axé Abassá de Ogum, em Itapuã, que morreu por problemas cardíacos em decorrência das acusações. A igreja foi condenada e obrigada a pagar indenização à filha da ialorixá.
“Os atos de desrespeito e discriminação acontecem, muitas vezes, até pelas vestimentas dos adeptos do candomblé. Eles pregam o amor, mas a intolerância religiosa é o estímulo ao ódio”, disse o historiador.

Simpatizante do candomblé, a estudante Lívia dos Santos, 19 anos, diz que já passou por situações constrangedoras.

Ela conta que, ao sair de uma festa num terreiro, foi abordada por jovens evangélicos que disseram que ela estaria com o demônio no corpo. “Foi uma situação muito desagradável, me senti ofendida. Também não sou a favor de algumas religiões, mas nunca desrespeitei ninguém por causa disso. Acho que a discussão é muito importante para “abrir” a cabeça das pessoas sobre o tema”, pontuou. A Semana da Consciência Negra prossegue hoje com palestras, apresentações de dança e exibições de filmes. No sábado, as atividades serão encerradas com o Concurso Beleza Negra, a partir das 16h.

Aqui Salvador, Correio da Bahia, 17.11.2006
www.correiodabahia.com.br
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Jovens aprendem antiga técnica afro

artesanato



Cilene Brito

Os primeiros negros escravos que chegaram ao Brasil, em especial à Bahia, trouxeram consigo, além da cultura, religiosidade e culinária, uma corrente hereditária de artesãos. Conhecidos como “ferramenteiros”, eles trabalhavam dentro dos terreiros de candomblé na confecção de peças e objetos que compõem as vestimentas e adereços dos orixás utilizados durante os rituais sagrados. A técnica, que até pouco tempo era restrita, ganha cada vez mais adeptos e hoje é uma das principais atividades de 30 jovens que fazem parte do projeto Casa dos Objetos Mágicos.

O resultado de oito meses de aprendizado será apresentado hoje, durante a formatura da primeira turma do projeto, na exposição que acontece na Casa do Benin, no Pelourinho, às 18h. A mostra vai até o dia 24 e reúne cerca de 50 peças produzidas por 16 novos artesãos de 18 a 21 anos. Eles participaram de oficinas de formação teórica e prática sobre a manufatura dos objetos ritualísticos utilizados nas cerimônias do candomblé. O programa é o resultado de um projeto de arte-edu-cação da Maianga Produções Culturais e coordenado por artistas plásticos.

“Esta iniciativa representa a manutenção da herança africana”, pontuou a coordenadora pedagógica do projeto Casa dos Objetos Mágicos, Nádya Cruz. Segundo ela, além da técnica, os jovens aprenderam conceitos de cidadania e educação patrimonial, com o objetivo de transformá-los em multiplicadores na preservação do patrimônio arquitetônico, ambiental, cultural e religioso da cidade. “É um trabalho que despertou, além da habilidade artística, a sensibilidade e o conhecimento pela religião afro”, salientou.

Entre as peças produzidas estão coroas, braceletes, espadas, chapéus, coroas, espelhos e escudos. Com riqueza de detalhes e muita simbologia, elas foram confeccionadas seguindo as principais características de cada orixá. Todo o trabalho foi feito com metais tipo latão, ferro, cobre e alpaca. Os objetos são confeccionados através de ferramentas que também são produzidas pelos jovens aprendizes. Cada artesão confeccionou, em média, dez peças.

Com técnica e paciência, o jovem Pedro Nascimento, 22 anos, que também é estilista, se orgulha da experiência e pretende aproveitar os novos conhecimentos na produção de suas roupas. Apesar de ser neto de uma ialorixá, ele conta que o aprendizado foi uma surpresa. “Para mim foi uma grande descoberta. Nunca me imaginei fazendo essas peças. Estou adorando, pois acrescentei muitos conceitos sobre a arte negra’’, diz o rapaz, que elegeu a coroa de oxum a peça mais bonita produzida por ele.

O jovem Jailton de Almeida, 19 anos, que não tinha nenhuma ligação com os rituais de candomblé, foi mais além. O contato com a arte de objetos ritualístos, despertou a vontade pela iniciação na religião afro. “Fiquei encantado. Com dois meses de curso, me interessei pela religião e hoje já faço parte dela”, disse o jovem.

Aqui Salvador, Correio da Bahia, 17.11.2006
www.correiodabahia.com.br

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