Thursday, November 30, 2006

De volta ao Xingu


Fonte: Wilian Cesar Aguiar
http://www.pbase.com/wcmaguiar/indios_kuikuro



Olá a todos, a notícia a seguir fala sobre a gravação do
Documetário Xingu, pelo jornalista Washington Novaes. Está
publicada no endereço
http://www.amazonia.org.br/noticias/noticia.cfm?id=227275

Atenciosamente,
Paulo Bagdonas

Retrato com marcas do tempo - 26/11/2006

Local: São Paulo - SP
Fonte: O Estado de S.Paulo
Link: http://www.estado.com.br/

De volta ao Xingu, Washington Novaes filma cenas e
personagens que havia encontrado em 1984

Produtor de imagens que deslumbraram o País em 1985, num
documentário pioneiro sobre o Xingu, o jornalista Washington
Novaes fez o caminho de volta, duas décadas depois.
Encontrou transformações profundas, mas nenhuma tão
reveladora quanto uma cerimônia de Quarup, o ritual fúnebre
das nações indígenas, com a participação de um grupo de
lutadores europeus levados para a selva por uma emissora de
TV inglesa.

Um deles era lutador de judô, outro de luta livre, um era
campeão de halterofilismo e o quarto, boxeador. 'Perguntei
se eles não consideravam aquilo um desrespeito', conta.

'Mas o diretor do programa me respondeu que ninguém tinha o
direito de privar a população de outros países de um
espetáculo como aquele.' Num efeito colateral, uma das
tribos convidadas a participar deste Quarup globalizado
exigiu um cachê reforçado para participar da cerimônia. Na
parte final, quando começou a huka-huka, a tradicional luta
entre guerreiros, os indígenas enfrentaram os atletas
europeus - e venceram os visitantes em todos os confrontos.

Na viagem de 1984, quando passou dois meses gravando imagens
que seriam exibidas pela TV Manchete no ano seguinte,
Washington Novaes desbravou costumes e ajudou a criar
celebridades internacionais, como o cacique Raoni. No
retorno, em 2006, que durou três semanas, para produzir uma
série de 16 programas que começam a ser exibidos pela TV
Cultura em março de 2007, testemunhou o espetáculo de um
mundo em ebulição histórica, quando antigas verdades e
valores parecem suspensos no ar. O próprio Raoni, celebrado
como estrela pelo roqueiro Sting, perdeu autoridade e é
questionado pelos jovens da aldeia, que sonham com
televisão, tênis, óculos escuros e bermudas. O desinteresse
das novas gerações pela cultura tradicional impede o
surgimento de novos pajés, que cumprem uma função essencial
na prestação de serviços contra as chamadas 'doenças do
espírito.' Numa única aldeia que, há duas décadas, possuía
13 pajés para servir a 300 habitantes, só existem três.

Num depoimento de 1984, Raoni dizia que pretendia 'viver
como meus pais.' Em 2006, ele reuniu lideranças para
reconstituir o momento em que sua aldeia fez o primeiro
contato com os irmãos Villas-Boas, em 1953. Num momento
'muito comovente,' nas palavras de Washington, eles
'deram-se as mãos e cantaram a mesma música que cantaram
para os Villas-Boas.' Nem todas as lembranças desse
primeiro encontro são felizes, porém. 'Raoni se diz
arrependido daquele contato,' conta Washington Novaes.
Lideranças indígenas revelaram que, naquele dia histórico,
tinham duas opções. O plano original era violento:
assassinar os sertanistas e esconder-se de novo na selva -
como ocorrera tantas vezes. Mas no meio do caminho eles
mudaram de idéia: 'Dois velhos nos disseram que poderíamos
ser bem tratados.'

Em 2006, as aldeias estão cercadas pelas idéias de
desenvolvimento daquela civilização que apertou a mão de
Raoni. Governadores de Estado já distribuíram sementes de
soja e até caminhonetes nas aldeias. Brasília planeja
construir seis usinas hidrelétricas por ali, o que iria
provocar um terremoto geral. Há duas décadas, o Xingu era
um mundo fechado, onde só entravam pessoas autorizadas.
Hoje está aberto por estradas que levam a pequenas cidades,
onde indígenas fazem compras, recebem influências, testam
valores.

Outra mudança é que a vacinação universal livrou a população
de endemias e fez a demografia crescer acima da média
brasileira. Para evitar a poluição dos rios, foram abertos
poços artesianos e todas as aldeias, hoje, se abastecem de
água em torneiras. Mas a transformação fundamental foi a
chegada do dinheiro. Examinando 93 horas de gravação,
Washington Novaes seleciona uma imagem-síntese das mudanças
- as cenas de indígenas de motocicleta. 'Agora eles tem um
sonho de consumo' explica.

Numa sociedade que funciona sob as regras da economia de
troca, onde cada família planta, pesca e caça o próprio
alimento, erguendo moradias em mutirões, o esforço para
conseguir R$ 5.500 - o preço de uma Honda CG 150, modelo
popular - implica em produzir bens que tragam dinheiro. Por
essa razão, a principal atividade econômica de boa parte das
aldeias já não é a agricultura, mas artesanato, para ser
revendido nas cidades. A título de exemplo: uma moto
representa três anos de trabalho na produção de colares.
Quando esteve no Xingu em companhia de Gisele Bündchen,
Leonardo di Caprio comprou um tapete sofisticadíssimo.
Agradecido, o indígena batizou um filho como Di Caprio. O
pagamento foi de U$ 500, um quinto de uma CG 150.

No final dos anos 70 Washington Novaes era editor-chefe do
programa Globo Repórter. As pressões da censura sobre
assuntos como economia e política eram tão grandes que, como
diversos profissionais, foi procurar oxigênio em áreas menos
vigiadas, entre elas meio ambiente e a questão indígena.
Décadas depois, já especialista de prestígio, convidado para
palestras dentro e fora do País, ele mantém velhas amizades
das aldeias. Costuma hospedar indígenas em sua casa, em
Goiânia, mesmo quando eles aparecem em grupo de uma dezena e
meia de pessoas - sem avisar. 'Eles esperam de nós a mesma
gentileza que nos dispensam,' diz.

Na semana passada, Washington Novaes abrigava em casa um
indígena chamado Tabata, protagonista de um episódio
dramático. Há pouco mais de um ano, Tabata teve dois filhos
gêmeos, um sinal de perigo nas culturas indígenas, que
encaram o fenômeno como ameaça de má sorte e recomendam que
as duas crianças sejam enterradas vivas para morrer. Tabata
não se conformou e, para salvar os filhos, deixou a aldeia.
Após muitas negociações com líderes da tribo, conseguiu ser
aceita de volta.

Washington reconhece que não pode ser considerado uma
testemunha neutra dessas mudanças - também é parte delas e
nem sempre esteve no lado preservacionista. Ele foi
pioneiro, em 1984, no pagamento de direitos de imagens aos
indígenas brasileiros, e repetiu os pagamentos agora.
Também conseguiu que um de seus patrocinadores mandasse um
trator para uma aldeia que pretendia incrementar as
plantações. Ele acha correto pagar pelo uso de imagens:
'Estamos fazendo uso de um produto da cultura deles,'
explica, com a autoridade de quem nunca usou dinheiro para
adulterar manifestações nem valores indígenas.

Depositado em contas bancárias em nome de associações
mantidas por cada aldeia, esse pagamento ajuda a criar
diferenças entre habitantes de uma mesma aldeia, e entre as
aldeias entre si, numa alteração difícil de ser avaliada
fora dali. 'Agora existe gente com moto e sem moto, com TV
e sem TV', diz o documentarista. A reconhecida coesão das
sociedades indígenas é fruto da igualdade que reina nas
aldeias, que torna possível a existência de um mundo que o
antropólogo Pierre Clastres descreveu como democracia do
consenso, onde cada um tem sua liberdade e ninguém é
obrigado a submeter-se a uma ordem alheia. O raciocínio é
que, sem desigualdade, não há necessidade de sistemas
políticos convencionais. Em princípio, todos estão
satisfeitos e os poucos descontentes podem mudar-se para
outra aldeia - pois jamais serão forçados a retornar. Não
existe o princípio de autoridade, como as sociedades
ocidentais o reconhecem. Quando se comenta que essa
situação é possível em sociedades que 'ainda não têm
Estado,' Washington Novaes corrige: 'Quem sabe sejam
sociedades que não querem um Estado.'

Descrevendo cenas que parecem a própria utopia de Bom
Selvagem, Washington Novaes recorda um grande chefe
indígena, Malawakuyalá, morto em 1986, a quem define como 'o
ser humano mais extraordinário que já conheci.' Ele diz que
Malawakuyalá 'não fazia um gesto quando bastava um olhar,
não dizia uma palavra quando bastava um gesto' e conseguia
liderar sua aldeia, onde viviam 200 pessoas, pela sabedoria,
pelo conhecimento, pela experiência. 'Estamos falando de
sociedades que preservam os valores mais simples e
fundamentais', afirma.

De volta ao Xingu, em companhia do mesmo câmara Lula Araújo
- com 75 anos, o técnico de som Antonio Gomes não pôde
seguir viagem -, Washington gerou em 1984 as imagens únicas
de um mundo que não existe mais. Para tanto, embrenhou-se
no meio do mato quando o País se mobilizava pelas Diretas-Já
e retornou com um tesouro histórico. Em 2006, captou sinais
de uma transformação dramática, que ninguém sabe como vai
terminar.

Paulo Moreira Leite

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