Sunday, November 19, 2006

Passeatas marcam hoje o Dia da Consciência Negra

Blocos e entidades promovem eventos para celebrar Zumbi e protestar contra a desigualdade racial


Flávio Costa

Hoje não será feriado, mas as entidades negras prometem parar vários pontos de Salvador, com caminhadas para celebrar o Dia Nacional da Consciência Negra. Na capital baiana, estão marcadas para a parte da tarde pelo menos três passeatas comandandas por blocos afros e entidades ligadas às várias vertentes do movimento negro. O objetivo é homenagear a memória de Zumbi dos Palmares, símbolo maior da resistência à escravidão, e protestar contra a desigualdade racial ainda existente no Brasil.

Umas das mais importantes passeatas de hoje será a Marcha Zumbi dos Palmares, organizada pela Coordenação Nacional de Entidades Negras, que sairá do Campo Grande às 15h com destino à Praça Municipal. Além de comemorar a data, os organizadores prometem protestar contra o racismo e exigir a chamada reparação – palavra muito usada ultimamente por aqueles que defendem os direitos dos afro-brasileiros.

Personalidades como ator Lázaro Ramos e a compositora Leci Brandão serão homenageadas. O primeiro receberá da Secretaria Municipal de Reparação e da Câmara de Vereadores a condecoração Zumbi dos Palmares. “Não será feriado, mas vamos parar a cidade para refletir sobre a questão da igualdade racial no país”, afirma o coordenador-administrativo da União de Negros pela Igualdade, Alex Reis.

O outra evento, que deverá rivalizar com a Marcha Zumbi dos Palmares em número de participantes, é a Caminhada da Liberdade, que sairá no mesmo horário do Curuzu em direção ao Centro Histórico. Organizada pelo Fórum de Entidades Negras, a caminhada terá participação dos blocos afros Ilê Aiyê, Malê Debalê, Ókanbí, Olodum, Muzenza, Cortejo Afro e Os Negões.
Outras caminhadas de menor porte estão marcadas nos bairros periféricos, com a II Marcha do Beiru, que vai da Estrada das Barreiras ao bairro de Tancredo Neves, além de eventos no subúrbio ferroviário e Cajazeiras.

“O dia 20 representa o ápice das comemorações em homenagem a Zumbi Palmares, mas todo o mês de novembro já é considerado o mês negro, quando nós realizamos vários eventos como palestras e seminários para discutir a questão racial do país”, afirma o diretor-executivo do Instituto Steve Biko, Sílvio Humberto Cunha. Para ele, um dos avanços conquistados pelo movimento negro é o surgimento da discussão sobre racismo no país na agenda nacional. “O debate sobre o racismo hoje está na pauta, seja através das discussões sobre o mecanismo de ações afirmativas ou sobre o Estatuto de Igualdade Racial. Mas o que importa é quem ninguém mais pode fugir deste debate no país, e tem que tomar uma posição a respeito”.

***
Povo-de-santo também faz caminhada

Pétalas de rosa, milho branco, pipoca e muito axé ao som dos atabaques e dos berimbaus. Vestidos de branco da cabeça aos pés, centenas de adeptos do candomblé, das três nações jeje, queto e angola, realizaram, na manhã de ontem, a II Caminhada do Povo-do-santo pela vida e liberdade religiosa. O objetivo foi chamar atenção da sociedade soteropolitana para intolerância entre membros de religiões distintas e reforçar a união dos povos-de-santo.

O cortejo, organizado pelo segundo ano consecutivo pelo Coletivo de Entidades Negras (CEN), teve início do busto de mãe Runhó, localizado no final de linha do bairro do Engenheiro Velho da Federação, e foi até o estacionamento no Dique do Tororó. No palco armado, afoxés e grupos de hip hop se apresentaram em meio a minifeirinha armada no local.
Marcada para as 9h, a caminhada começou com uma hora de atraso no final de Engenheiro Velho de Federação. Quem chegava aglomerava-se próximo ao busto em homenagem à mãe-de-santo Maria Valentina Anjos Costa, mais conhecida Doné Runhó, comandante do terreiro Zoogodo Bogum Malé Runhó. Desde cedo, dezenas de ônibus traziam membros de candomblé de cidades do interior, como Alagoinhas e Santo Amaro.

Aos poucos formavam-se rodas de capoeira e samba-de-roda. O trânsito no local ficou congestionado, e agentes da Superintendência de Engenharia de Trânsito (SET) tentavam arrumar o fluxo de veículos no local, sem muito sucesso. Por volta das 10h, baianas começaram a jogar pipoca e milho branco nos passantes. Cerca de 20 pombas brancas foram soltas, logo após a artilharia de fogo. A banda de música, comandada pelo professor de música Grimaldo Manoel Bonfim, começou com tocar os primeiros hinos nagôs. Era a senha para o início da caminhada.

O coordenador geral do CEN, Marcos Rezende, define o evento como tomada de posição dos candomblés baianos diante dos poderes públicos e da sociedade. “Esta caminhada, antes de tudo, é um acontecimento político porque vem demonstrar a força do povo-de-santo. Nós notamos que o candomblé é mostrado para quem vem de fora apenas sob um aspecto folclórico, turístico. Nós queremos mudar esta imagem”.

Para Rezende, as casas de candomblé – que só em Salvador está na casa de milhares segundo um levantamento da Secretaria Municipal de Reparação – são instituições que podem discutir políticas públicas com as autoridades. “Porque os terreiros não podem administrar colégios, unidades de saúde como acontece com outras entidades. Nós queremos debater isso com os governantes”.

Segunda sucessora de mãe Runhó, a Nandogê Zailde de Melo considera a caminhada como uma demonstração de força dos adeptos do candomblé da Bahia. “Se os evangélicos de diversas correntes podem demonstrar união em grandes eventos, porque nós, o povo negro, não podemos fazer o mesmo?”, questiona. Já para a ékede Ana Rita Souza de Araújo do terreiro de Alagoinhas, o importante era a beleza da caminhada. “No passado quem era de candomblé tinha receio de se mostrar. Hoje isso tá mudando. Uma caminhada como esta mostra que as pessoas têm orgulho professar abertamente sua religião”.

A caminhada prosseguiu após deixar o Engenho Velho da Federação pela Avenida Vasco da Gama, onde integrantes do tradicional do terreiro da Casa Branca, da nação queto, aderiram ao cortejo. Ao chegar ao destino final, o Dique do Tororó, todos se uniram num abraço simbólico em homengem a Oxum, o orixá das águas. Logo após, no palco armado aconteceram apresentações do afoxés convidados da cidade do Recife, além de declamações de poesias e shows de grupos de samba-de-roda e hip hop. Barraquinhas comercializavam artigos em artesanato e comidas baianas típicas. (FM).

***
Bairro da Paz promove evento

Camila Vieira

Bandas de música, recital de poesia, oficinas de tranças, teatro e histórias sobre Zumbi, o líder do Quilombo dos Palmares. A Praça das Decisões, no final de linha do Bairro da Paz, se transformou ontem em palco para o evento O Bairro da Paz é Resistência. A iniciativa integra um ciclo de ações sociais e culturais voltadas para a formação e fortalecimento da juventude negra residente no bairro. O evento organizado pela Associação dos Grupos Culturais do Bairro da Paz (Agrupaz) ocorreu pelo segundo ano consecutivo e reuniu milhares de moradores da comunidade.

Nascido e criado no Bairro da Paz, Luís dos Santos, 20 anos, é percussionista da banda Renascer, uma das atrações que se apresentaram durante o evento. Na opinião do integrante de um dos grupos musicais que se formou na comunidade e já tem dez anos de estrada, somente através dessas iniciativas os moradores podem mostrar que o Bairro da Paz produz cultura. “Esse evento é uma luta nossa para mostrar a sociedade que dentro do nosso bairro existe cultura e não somente violência. É uma batalha pela nossa origem e por nossas raízes”, disse. As bandas Futuro do Reggae, Clã Periférico, Anjo do Gueto e o grupo de maculelê e capoeira Afro Dance, nascidas na comunidade, também participaram do evento.

A adolescente e moradora do bairro Janaína Barbosa, 15 anos, parecia bastante atenta à apresentação da peça teatral Realidade periférica encenada pelo grupo Juventude e Ação. O conjunto de cenas abordando temas como a violência, gravidez na adolescência e uso de drogas fizeram com que a jovem não desviasse o olhar do palco por um só minuto. Ao final da peça, um simples comentário: “Essa é a nossa realidade e precisamos estar atentos para não cairmos nessas armadilhas da vida”, comentou a adolescente que considera a iniciativa da Agrupaz muito importante para os jovens da comunidade.

Batalha - Um dos membros da Agrupaz, Rodrigo Silva Barbosa, 23 anos, contou sobre as dificuldades para a realização do evento. Segundo ele, o principal problema foi a falta de patrocinadores e, se não fosse a ajuda da própria comunidade, o evento não teria acontecido. “Foi muita luta para estarmos aqui hoje (ontem), mas garças a Deus e a contribuição dos moradores nós conseguimos”, afirmou ele, ressaltando que o objetivo maior da iniciativa é mostrar que o Bairro da Paz não é formado por marginais e sim por pessoas de bem.

Hoje o local tem cerca de 11 mil domicílios e uma população beirando 65 mil habitantes. Era denominada como Invasão das Malvinas, em virtude dos conflitos da época, entre Inglaterra e Argentina, pela disputa das Ilhas Falklands.

***
Especialistas defendem revisão histórica

Professor da Universidade Estadual de Feira Santana (Uefs), que adotou pela primeira vez no seu vestibular o sistema de cotas raciais, Sílvio Cunha é um dos intelectuais que consideram o Dia da Consciência Negra uma data genuínamente mais importante para a população afrodescendente do que o 13 de maio, quando se comemora o Abolição da Escravatura. Para ele, trata-se de uma revisão histórica. De um lado, uma data instituída pelos movimentos em defesa da negritude, de outro um marco instituído pela “classe opressora”.

É esta mesma visão do secretário municipal de Reparação, Gilmar Santiago. “Não estou negando o valor histórico da abolição formal, decretada no 13 de maio. Mas depois o que se viu foi a marginalização do negro pelo estado brasileiro. O 20 de novembro é uma forma de relembrar de fato a resistência e a lutas dos negros pela sua liberdade”.

O Dia Nacional da Consciência Negra foi escolhido no ano de 1978 num Congresso que reuniu várias lideranças do movimento negro em Salvador como forma de homenagear Zumbi dos Palmares – morto nesse dia no ano de 1695. Contudo, desde 1971 já eram realizadas nesta data eventos e caminhadas em homenagem ao líder quilombola. Símbolo da resistência negra no país, Zumbi foi o principal líder do Quilombo de Palmares, localizado na serra da Barriga, na divisa entre os estados de Alagoas e Pernambuco.

Fundado em 1597 por escravos foragidos de engenhos, o quilombo deu origem a uma cidade formada por fortificações espalhadas pela mata, onde chegaram a viver em torno de 20 mil a 30 mil pessoas. Resistiu a seguidas invasões por quase cem anos. Além de escravos, Palmares abrigava foragidos da Justiça e da violência dos senhores de engenho.

***
IBGE constata desigualdade

A Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE divulgada na mostra que os brasileiros que se declaram negros ou pardos têm um rendimento médio equivalente à metade do que é recebido pela população branca, além de possuir escolaridade inferior aos últimos. Em Salvador, a maior cidade negra do país, a diferença é ainda mais gritante. De acordo com o instituto nas seis regiões metropolitanas pesquisadas (Belo Horizonte, (Belo Horinzonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo) os negros e pardos recebiam em média R$660,45 em setembro deste ano. Praticamente metade do rendimento médio da população que se declara branca – R$1.292,19.

Em todas as regiões pesquisadas, os negros e pardos possuíam rendimentos inferiores aos dos brancos. Mas em Salvador as diferenças foram ainda maiores, já que negros e pardos soteropolitanos recebem pouco mais de um terço do que ganhavam em média os brancos da cidade.

Na capital baiana, que possui uma população de cerca de 86% de afrodescendentes, a média de renda mensal deste grupo é de R$427,27 face a R$1.245, dos trabalhadores de cor branca – por sinal, a maior média deste grupo entre nas regiões pesquisadas. “A pesquisa do IBGE só vem a provar que Salvador é uma cidade de negro, mas um verdeiro paraíso para os brancos”, afirma o diretor-executivo do Instituto Cultural Steve Biko, Sílvio Humberto.

Na contramão, Porto Alegre que possui inversamente a Salvador, o percentual de 86,7% de trabalhadores brancos registrou a menor diferença. Na média nacional, a taxa de desocupação dos negros e pardos é equivalente a 11,8%, superior a dos brancos (8,6%) em mesma situação. De acordo com IBGE, que realiza a PME em seis regiões metropolitanas do país, em setembro de 2006, a população negra ou parda representava 42,8% das 39 milhões de pessoas com dez anos ou mais (considerada idade ativa) nestas áreas.Flávio Costa

Hoje não será feriado, mas as entidades negras prometem parar vários pontos de Salvador, com caminhadas para celebrar o Dia Nacional da Consciência Negra. Na capital baiana, estão marcadas para a parte da tarde pelo menos três passeatas comandandas por blocos afros e entidades ligadas às várias vertentes do movimento negro. O objetivo é homenagear a memória de Zumbi dos Palmares, símbolo maior da resistência à escravidão, e protestar contra a desigualdade racial ainda existente no Brasil.

Umas das mais importantes passeatas de hoje será a Marcha Zumbi dos Palmares, organizada pela Coordenação Nacional de Entidades Negras, que sairá do Campo Grande às 15h com destino à Praça Municipal. Além de comemorar a data, os organizadores prometem protestar contra o racismo e exigir a chamada reparação – palavra muito usada ultimamente por aqueles que defendem os direitos dos afro-brasileiros.

Personalidades como ator Lázaro Ramos e a compositora Leci Brandão serão homenageadas. O primeiro receberá da Secretaria Municipal de Reparação e da Câmara de Vereadores a condecoração Zumbi dos Palmares. “Não será feriado, mas vamos parar a cidade para refletir sobre a questão da igualdade racial no país”, afirma o coordenador-administrativo da União de Negros pela Igualdade, Alex Reis.

O outra evento, que deverá rivalizar com a Marcha Zumbi dos Palmares em número de participantes, é a Caminhada da Liberdade, que sairá no mesmo horário do Curuzu em direção ao Centro Histórico. Organizada pelo Fórum de Entidades Negras, a caminhada terá participação dos blocos afros Ilê Aiyê, Malê Debalê, Ókanbí, Olodum, Muzenza, Cortejo Afro e Os Negões.
Outras caminhadas de menor porte estão marcadas nos bairros periféricos, com a II Marcha do Beiru, que vai da Estrada das Barreiras ao bairro de Tancredo Neves, além de eventos no subúrbio ferroviário e Cajazeiras.

“O dia 20 representa o ápice das comemorações em homenagem a Zumbi Palmares, mas todo o mês de novembro já é considerado o mês negro, quando nós realizamos vários eventos como palestras e seminários para discutir a questão racial do país”, afirma o diretor-executivo do Instituto Steve Biko, Sílvio Humberto Cunha. Para ele, um dos avanços conquistados pelo movimento negro é o surgimento da discussão sobre racismo no país na agenda nacional. “O debate sobre o racismo hoje está na pauta, seja através das discussões sobre o mecanismo de ações afirmativas ou sobre o Estatuto de Igualdade Racial. Mas o que importa é quem ninguém mais pode fugir deste debate no país, e tem que tomar uma posição a respeito”.

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Povo-de-santo também faz caminhada

Pétalas de rosa, milho branco, pipoca e muito axé ao som dos atabaques e dos berimbaus. Vestidos de branco da cabeça aos pés, centenas de adeptos do candomblé, das três nações jeje, queto e angola, realizaram, na manhã de ontem, a II Caminhada do Povo-do-santo pela vida e liberdade religiosa. O objetivo foi chamar atenção da sociedade soteropolitana para intolerância entre membros de religiões distintas e reforçar a união dos povos-de-santo.

O cortejo, organizado pelo segundo ano consecutivo pelo Coletivo de Entidades Negras (CEN), teve início do busto de mãe Runhó, localizado no final de linha do bairro do Engenheiro Velho da Federação, e foi até o estacionamento no Dique do Tororó. No palco armado, afoxés e grupos de hip hop se apresentaram em meio a minifeirinha armada no local.
Marcada para as 9h, a caminhada começou com uma hora de atraso no final de Engenheiro Velho de Federação. Quem chegava aglomerava-se próximo ao busto em homenagem à mãe-de-santo Maria Valentina Anjos Costa, mais conhecida Doné Runhó, comandante do terreiro Zoogodo Bogum Malé Runhó. Desde cedo, dezenas de ônibus traziam membros de candomblé de cidades do interior, como Alagoinhas e Santo Amaro.

Aos poucos formavam-se rodas de capoeira e samba-de-roda. O trânsito no local ficou congestionado, e agentes da Superintendência de Engenharia de Trânsito (SET) tentavam arrumar o fluxo de veículos no local, sem muito sucesso. Por volta das 10h, baianas começaram a jogar pipoca e milho branco nos passantes. Cerca de 20 pombas brancas foram soltas, logo após a artilharia de fogo. A banda de música, comandada pelo professor de música Grimaldo Manoel Bonfim, começou com tocar os primeiros hinos nagôs. Era a senha para o início da caminhada.

O coordenador geral do CEN, Marcos Rezende, define o evento como tomada de posição dos candomblés baianos diante dos poderes públicos e da sociedade. “Esta caminhada, antes de tudo, é um acontecimento político porque vem demonstrar a força do povo-de-santo. Nós notamos que o candomblé é mostrado para quem vem de fora apenas sob um aspecto folclórico, turístico. Nós queremos mudar esta imagem”.

Para Rezende, as casas de candomblé – que só em Salvador está na casa de milhares segundo um levantamento da Secretaria Municipal de Reparação – são instituições que podem discutir políticas públicas com as autoridades. “Porque os terreiros não podem administrar colégios, unidades de saúde como acontece com outras entidades. Nós queremos debater isso com os governantes”.

Segunda sucessora de mãe Runhó, a Nandogê Zailde de Melo considera a caminhada como uma demonstração de força dos adeptos do candomblé da Bahia. “Se os evangélicos de diversas correntes podem demonstrar união em grandes eventos, porque nós, o povo negro, não podemos fazer o mesmo?”, questiona. Já para a ékede Ana Rita Souza de Araújo do terreiro de Alagoinhas, o importante era a beleza da caminhada. “No passado quem era de candomblé tinha receio de se mostrar. Hoje isso tá mudando. Uma caminhada como esta mostra que as pessoas têm orgulho professar abertamente sua religião”.

A caminhada prosseguiu após deixar o Engenho Velho da Federação pela Avenida Vasco da Gama, onde integrantes do tradicional do terreiro da Casa Branca, da nação queto, aderiram ao cortejo. Ao chegar ao destino final, o Dique do Tororó, todos se uniram num abraço simbólico em homengem a Oxum, o orixá das águas. Logo após, no palco armado aconteceram apresentações do afoxés convidados da cidade do Recife, além de declamações de poesias e shows de grupos de samba-de-roda e hip hop. Barraquinhas comercializavam artigos em artesanato e comidas baianas típicas. (FM).

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Bairro da Paz promove evento

Camila Vieira

Bandas de música, recital de poesia, oficinas de tranças, teatro e histórias sobre Zumbi, o líder do Quilombo dos Palmares. A Praça das Decisões, no final de linha do Bairro da Paz, se transformou ontem em palco para o evento O Bairro da Paz é Resistência. A iniciativa integra um ciclo de ações sociais e culturais voltadas para a formação e fortalecimento da juventude negra residente no bairro. O evento organizado pela Associação dos Grupos Culturais do Bairro da Paz (Agrupaz) ocorreu pelo segundo ano consecutivo e reuniu milhares de moradores da comunidade.

Nascido e criado no Bairro da Paz, Luís dos Santos, 20 anos, é percussionista da banda Renascer, uma das atrações que se apresentaram durante o evento. Na opinião do integrante de um dos grupos musicais que se formou na comunidade e já tem dez anos de estrada, somente através dessas iniciativas os moradores podem mostrar que o Bairro da Paz produz cultura. “Esse evento é uma luta nossa para mostrar a sociedade que dentro do nosso bairro existe cultura e não somente violência. É uma batalha pela nossa origem e por nossas raízes”, disse. As bandas Futuro do Reggae, Clã Periférico, Anjo do Gueto e o grupo de maculelê e capoeira Afro Dance, nascidas na comunidade, também participaram do evento.

A adolescente e moradora do bairro Janaína Barbosa, 15 anos, parecia bastante atenta à apresentação da peça teatral Realidade periférica encenada pelo grupo Juventude e Ação. O conjunto de cenas abordando temas como a violência, gravidez na adolescência e uso de drogas fizeram com que a jovem não desviasse o olhar do palco por um só minuto. Ao final da peça, um simples comentário: “Essa é a nossa realidade e precisamos estar atentos para não cairmos nessas armadilhas da vida”, comentou a adolescente que considera a iniciativa da Agrupaz muito importante para os jovens da comunidade.

Batalha - Um dos membros da Agrupaz, Rodrigo Silva Barbosa, 23 anos, contou sobre as dificuldades para a realização do evento. Segundo ele, o principal problema foi a falta de patrocinadores e, se não fosse a ajuda da própria comunidade, o evento não teria acontecido. “Foi muita luta para estarmos aqui hoje (ontem), mas garças a Deus e a contribuição dos moradores nós conseguimos”, afirmou ele, ressaltando que o objetivo maior da iniciativa é mostrar que o Bairro da Paz não é formado por marginais e sim por pessoas de bem.

Hoje o local tem cerca de 11 mil domicílios e uma população beirando 65 mil habitantes. Era denominada como Invasão das Malvinas, em virtude dos conflitos da época, entre Inglaterra e Argentina, pela disputa das Ilhas Falklands.

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Especialistas defendem revisão histórica

Professor da Universidade Estadual de Feira Santana (Uefs), que adotou pela primeira vez no seu vestibular o sistema de cotas raciais, Sílvio Cunha é um dos intelectuais que consideram o Dia da Consciência Negra uma data genuínamente mais importante para a população afrodescendente do que o 13 de maio, quando se comemora o Abolição da Escravatura. Para ele, trata-se de uma revisão histórica. De um lado, uma data instituída pelos movimentos em defesa da negritude, de outro um marco instituído pela “classe opressora”.

É esta mesma visão do secretário municipal de Reparação, Gilmar Santiago. “Não estou negando o valor histórico da abolição formal, decretada no 13 de maio. Mas depois o que se viu foi a marginalização do negro pelo estado brasileiro. O 20 de novembro é uma forma de relembrar de fato a resistência e a lutas dos negros pela sua liberdade”.

O Dia Nacional da Consciência Negra foi escolhido no ano de 1978 num Congresso que reuniu várias lideranças do movimento negro em Salvador como forma de homenagear Zumbi dos Palmares – morto nesse dia no ano de 1695. Contudo, desde 1971 já eram realizadas nesta data eventos e caminhadas em homenagem ao líder quilombola. Símbolo da resistência negra no país, Zumbi foi o principal líder do Quilombo de Palmares, localizado na serra da Barriga, na divisa entre os estados de Alagoas e Pernambuco.

Fundado em 1597 por escravos foragidos de engenhos, o quilombo deu origem a uma cidade formada por fortificações espalhadas pela mata, onde chegaram a viver em torno de 20 mil a 30 mil pessoas. Resistiu a seguidas invasões por quase cem anos. Além de escravos, Palmares abrigava foragidos da Justiça e da violência dos senhores de engenho.

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IBGE constata desigualdade

A Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE divulgada na mostra que os brasileiros que se declaram negros ou pardos têm um rendimento médio equivalente à metade do que é recebido pela população branca, além de possuir escolaridade inferior aos últimos. Em Salvador, a maior cidade negra do país, a diferença é ainda mais gritante. De acordo com o instituto nas seis regiões metropolitanas pesquisadas (Belo Horizonte, (Belo Horinzonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo) os negros e pardos recebiam em média R$660,45 em setembro deste ano. Praticamente metade do rendimento médio da população que se declara branca – R$1.292,19.

Em todas as regiões pesquisadas, os negros e pardos possuíam rendimentos inferiores aos dos brancos. Mas em Salvador as diferenças foram ainda maiores, já que negros e pardos soteropolitanos recebem pouco mais de um terço do que ganhavam em média os brancos da cidade.

Na capital baiana, que possui uma população de cerca de 86% de afrodescendentes, a média de renda mensal deste grupo é de R$427,27 face a R$1.245, dos trabalhadores de cor branca – por sinal, a maior média deste grupo entre nas regiões pesquisadas. “A pesquisa do IBGE só vem a provar que Salvador é uma cidade de negro, mas um verdeiro paraíso para os brancos”, afirma o diretor-executivo do Instituto Cultural Steve Biko, Sílvio Humberto.

Na contramão, Porto Alegre que possui inversamente a Salvador, o percentual de 86,7% de trabalhadores brancos registrou a menor diferença. Na média nacional, a taxa de desocupação dos negros e pardos é equivalente a 11,8%, superior a dos brancos (8,6%) em mesma situação. De acordo com IBGE, que realiza a PME em seis regiões metropolitanas do país, em setembro de 2006, a população negra ou parda representava 42,8% das 39 milhões de pessoas com dez anos ou mais (considerada idade ativa) nestas áreas.

Aqui Salvador, Correio da Bahia, 20.11.2006
www.correiodabahia.com.br

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