Thursday, November 23, 2006

Mano Brown sem dúvidas

São Paulo, segunda-feira, 20 de novembro de 2006



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movimento

Mano Brown sem dúvidas

Manter-se na periferia ou crescer com a mídia?
Para o líder dos Racionais, na estrada há 18 anos,
a primeira opção é óbvia

André Caramante/Folha Imagem

Mano Brown, líder dos Racionais MCs



DENISE BRITO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A descrição de uma realidade dura e crua, de pobreza e de discriminação pela polícia e pela sociedade são constantes nas letras do rap, como é o caso do pioneiro Racionais MCs. Em 18 anos de estrada, prestes a lançar o quinto CD e mantendo a mesma formação original, Ice Blue, Edy Rock, KL Jay e Mano Brown conseguiram uma posição ímpar no cenário do rap. Trata-se do único grupo que obteve projeção nacional mantendo-se à distância da grande mídia. Mano Brown, 35, falou ao Folhateen sobre o fato de companheiros ingressarem na grande mídia e sobre outros temas ligados aos rumos do país.

FOLHATEEN - Qual a sua opinião sobre os colegas que fizeram contratos com a grande mídia?
MANO BROWN
- Somos jovens cheios de vontade de vencer e, às vezes, somos arrogantes. Quando a mídia abriu as pernas e disse "vem", a gente falou "não". Mas, se hoje chegou o momento de alguns companheiros ocuparem a mídia, eu não vou oprimir a vontade deles. Sou a favor da liberdade.

FOLHATEEN - Você se refere também ao Thaíde, que começou junto com vocês e hoje está numa minissérie da Globo ?
BROWN
- O Thaíde não tem o pensamento igual ao nosso, mas temos mais coisas em comum do que diferenças. Ele conhece o rap, está na estrada há anos e conhece os espinhos. Cada um defende com amor as suas razões, e elas não são iguais. Porque os pretos não têm todos as mesmas idéias.

FOLHATEEN - Você apoiou o Lula nas eleições? Chegou a pedir voto?
BROWN
- Democracia é isso. Pedi voto para o Lula em shows. Fui pelo olhar e pelas idéias dele.

FOLHATEEN - Houve mudanças no panorama da vida na periferia nesses últimos anos?
BROWN
- Eu não sei até que ponto conseguimos fazer esse tipo de análise. Vejo pequenas mudanças. Uma que me deixou contente foi um aumento do pequeno comércio nas ruas das favelas. Salões de beleza, pizzarias, locadoras, e os bares perdendo espaço. Acho que prefiro não ver as mudanças para não perder a ambição de fazer outras. Eu sempre quero mais.

FOLHATEEN - O que você gostaria de ver mudar?
BROWN
- Tenho sonhos românticos, com a população ouvindo música nas ruas, se dedicando a uma atividade dentro de seu próprio bairro, fazendo academia, cuidando do corpo, tendo uma boa alimentação... Mas isso tudo não está tão longe. Há metas próximas, como a divulgação da prática de esportes. O ser humano atrás da favela também pode ser sensível.

FOLHATEEN - O crescimento do rap atrapalha ou ajuda o movimento?
BROWN
- Quando você se impõe e passa a ser uma coletividade não é ruim; é bom para o rap. Ao mesmo tempo, os valores não são aqueles que se gostaria de difundir. Há muita valorização de roupas, aparência, cabelo. Ainda mais para nós, que somos pretos, se vestir melhor faz muita diferença. Mas não me agrada ver os irmãos escravos de marcas. É a escravidão do século 21. É ficar pondo comida na boca do monstro.

FOLHATEEN - Como você vê o alcance do discurso do rap?
BROWN
- Esse discurso contra a elite foi defendido por toda uma geração. De 1988 até hoje, 2006. Algumas idéias foram insistentemente repetidas durante uma época, em palavras, em discos. Essa mensagem de vencer, de lutar, seja negro, tenha orgulho, não abaixe a cabeça, responda, estamos juntos. Como filosofia de vida, a primeira que aprendi e fielmente tentei seguir foi "se imponha, você não depende deles, muitos de nós já foram esmagados".

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