Saturday, November 11, 2006

Terreiro banto de Jauá é tombado pelo Ipac


Festa de Lemba - Terreiro de Jauá
Foto: Adenor Gondi, Bahia
................................................................................
Cerimônia realizada na sede do Manso Kilembekweta Lemba Furaman, em Camaçari, assegura preservação do local



Flávio Costa

Fiel ao rito banto e à sua origem angola-congo, o terreiro de Jauá (Manso Kilembekweta Lemba Furaman) foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac), em cerimônia realizada na manhã de ontem em sua sede, em Camaçari. É o sétimo terreiro a receber o título de patrimônio cultural do estado em dois anos. Neste período foram beneficiados os de Pilão de Prata, Ilê Axé Oxumaré, em Salvador, São Jorge Filho da Goméia, Ilê Axé Opô Aganju e Ilê Axé Ajagunã, em Lauro de Freitas, e Ilê Axé Alabaxê, em Maragogipe. Com o tombamento, o local, que ocupa um espaço de 15 mil metros quadrados, será preservado para servir exclusivamente ao culto do candomblé como garantia de manutenção da cultura banto.

O processo para reconhecimento do terreiro de Jauá não demorou mais que seis meses. O trâmite considerado célere se deu graças a uma nova política do Ipac que procura agilizar a análise dos pedidos. O pai-de-santo Láercio, ou tata Laércio, que chefia o terreiro, afirma que uma entrevista do fótografo e estudioso francês Pierre Verger, pouco antes de morrer, em 1996, o motivou a lutar pela conservação da cultura banto. “Verger disse na ocasião que os terreiros bantos não tinham uma identidade própria, que apenas os de ketu a possuíam, o que é uma inverdade”.

Para Laércio, esta visão equivocada decorre do fato de muitos terreiros bantos utilizarem a língua e entidades iorubanas, próprias dos ketus, nos cultos. “Nós temos uma língua própria, nossa própria religião, além disso, temos uma importância fundamental na formação do povo brasileiro. Os primeiros bantos chegaram aqui em 1553, cerca de 200 anos antes dos iorubanos”. Uma diferença entre essas nações de candomblé é em termos de culto: enquanto os orixás da nação ketu são cultuados como deuses, no banto celebram-se as forças da natureza (os inquices) e uma só entidade divina, Zambiapunga. Por conservar a cultura banto, o pai-de-santo Laércio recebeu o título de tata, em vez de babalorixá na denominação ketu. As mães-de-santo recebem o nome de mameto.

Histórico - O terreiro foi fundado em 1967 no Rio de Janeiro por Laércio Messias Sacramento, o tata Laércio. Em 1990, Laércio veio a Salvador para cumprir uma obrigação religiosa no Bate Folha e acabou ficando na capital. Três anos depois, transferiu o terreiro para Jauá. Desde então mais de cem pessoas já foram iniciadas no local.

O nome do terreiro, Manso Kilembekweta Lemba Furaman, dá a dimensão do trabalho desenvolvido ali. Manso significa casas, Kilembekweta quer dizer sombras e Lemba Furaman é o nome do inquice (forças da natureza cultuadas pelos adeptos, nesse caso o da fecundidade). O candomblé de Jauá ocupa um espaço de 15 mil metros quadrados, com vegetação nativa e árvores sagradas africanas, como o baobá, além de uma lagoa de animais silvestres, como patos, gansos e pássaros da região.

O terreiro participa de projetos de cunho ambiental. Um exemplo é o Família Artesão, que ensina a cerca de 20 moradores da região a produção de artesanato com cipós da região. Outro é o Roupas de Sinhá, um projeto que beneficia cerca de 30 pessoas, entre costureiras e bordadeiras, no qual se confeccionam panos da costa e indumentáriass para os inquices e para os filhos-de-santo da casa.

Há ainda serviços prestados para inclusão social e educação voltada para a manutenção, como ensino da língua quibundo para serviços religiosos pelo Centro de Estudo e Pesquisa da Tradição da Origem Bantu, instalado no terreiro.

***

CRITÉRIOS

O diretor geral do Ipac, Júlio Braga, explica que o principal critério que determinou a outorga do título patrimônio cultural ao terreiro de Jauá foi justamente esta fidelidade às suas origens africanas. A figura do sacerdote também pesa na avaliação do título. “Nós constatamos que o tata Laércio se destaca na comunidade onde vive pelo apoio que dá a ela, além de ser também um intelectual”.

Aqui Salvador, Correio da Bahia, 12.11.2006
www.correiodabahia.com.br

No comments: